Brasil-Europa: Notícias atuais da organização de estudos de processos culturais em relações internacionais - A.B.E.

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02.04.2016

Belo Horizonte. Indicação dos nomes de Maria Lúcia Godoy (soprano) e de Nelson Freire (pianista) para o título de Doutor Honoris Causa. No último mês de março, o Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG aprovou a indicação dos nomes de Maria Lúcia Godoy (soprano) e de Nelson Freire (pianista) para o título de Doutor Honoris Causa.


O processo teve início em 2015, como parte das comemorações dos 90 anos da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, partindo da indicação dos doutores Celina Szrvinsky, que indicou o nome de Nelson Freire, e Mauro Chantal, que indicou o nome de Maria Lúcia Godoy, por meio de extenso arquivo sobre a atuação de ambos os artistas ao longo de décadas, como representantes dignos da mais alta honraria concedida pela UFMG. Passando pela aprovação da Congregação da Escola de Música, que tem hoje a direção da professora Mônica Pedrosa, a indicação para o título de ambos os artistas teve aprovação final pelo Conselho Universitário da UFMG, em reunião realizada no último dia 29 de março, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.


Sobre o pianista Nelson Freire


Nascido em 1944, desde os três anos de idade ele já demonstrava seu talento e sua genialidade como pianista, recebendo a primeira de suas muitas premiações aos 12 anos, no Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro.


Aclamado pelo público brasileiro que lota as salas de concertos em suas apresentações, o artista alcançou reconhecimento internacional. Desde 1959, Nelson Freire vem se apresentando em turnês por diversos países da Europa, da América Central e da América do Sul, nos Estados Unidos, Japão, Polônia, Israel e Brasil, entre outros países, em recitais solo e em concertos com grandes orquestras dirigidas por maestros da envergadura de Pierre Boulez, Lorin Maazel, Kurt Masur, André Previn e Isaac Karabtchevsky. Entre as orquestras que com ele dividem os palcos nacionais e internacionais, destacam-se as alemãs, Orquestra Filarmônica de Berlim e Orquestra Filarmônica de Munique, as inglesas, Orquestra Sinfônica de Londres, Orquestra Filarmônica Real, as francesas, Orquestra de Paris e Orquestra Nacional da França, a Orquestra Filarmônica de Israel, orquestras de cidades americanas como Boston, Chicago, Los Angeles, Nova York e Filadélfia, e as brasileiras, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC, a Orquestra Filarmônica de Belo Horizonte e a Orquestra Sinfônica do Paraná.


No ano de 1999, Nelson Freire foi o único pianista brasileiro a ser incluído na série Great pianists of the 20th century, uma coletânea de 100 volumes, com dois CDs cada, com gravações de 72 pianistas representativos do século XX, lançado mundialmente pela Philips Records e patrocinado pela Steinway & Sons. Em 2003, João Moreira Salles filmou o documentário Nelson Freire, que ganhou dois prêmios no Grande Prêmio Cinema Brasil, nas categorias de Melhor Documentário e Melhor Som. Em 2009, o artista brasileiro foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes no ano. Entre as condecorações recebidas, destacam-se o título de Commandeur des Arts et des Lettres, concedido em 2007 pelo governo francês, os títulos de Doutor Honoris Causae concedidos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 15 de setembro de 2011, e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 15 de dezembro de 2014. Agora, em 2016, durante as comemorações dos 90 anos da Escola de Música, a Universidade Federal de Minas Gerais cede sua maior honraria para o pianista que nasceu em Minas Gerais, mas que pertence ao mundo.



Sobre a cantora lírica Maria Lúcia Godoy


“A sua voz, quando ela canta, me lembra um pássaro, mas não um pássaro cantando, lembra um pássaro voando”. A frase é do poeta Ferreira Gullar (1930), e seu objeto de admiração é o soprano Maria Lúcia Godoy. Mineira, natural de Mesquista, em 1924, é reconhecida pela classe artística como a maior representante da canção de câmara brasileira, gênero que recebeu dedicação exclusiva por parte da cantora em mais de sete décadas de trabalho profissional. Maria Lúcia Godoy é reconhecida como emblema das canções eruditas escritas em português, sendo referência para uma dicção perfeita na difícil arte do canto lírico.


Após a realização de sua estreia nos Estados Unidos, sob regência de Leopold Stokowski (1882 – 1977), Maria Lúcia Godoy foi reconhecida pela maior cantora brasileira, Bidu Sayão (1902 – 1999), como sua “única sucessora”. Tal comentário aconteceu nos Estados Unidos, quando Maria Lúcia foi apresentada à grande Bidu Sayão pelas mãos da poetisa Dora Vasconcelos (1911 – 1973), sendo o comentário de Bidu Sayão feito exatamente após ouvir Maria Lúcia interpretando a Bachianas N.º 5, de Heitor Villa-Lobos.


Poetisa, Godoy teve parte de sua obra publicada. Apresentamos os seguintes títulos de livros de poemas da autora:

O boto cor-de-rosa;

Ninguém reparou na primavera;

Fruta no pé;

Um passarinho cantou. 


Foi com sua voz que se realizou a famosa e definitiva gravação da obra Bachianas brasileiras nº 5, de Heitor Villa-Lobos, composta entre os anos de 1938 a 1945. Com a gravação das Bachianas N. 5 e de outras obras do compositor carioca, Godoy é reconhecida como sua maior intérprete. Em sua carreira, notamos como marca principal a dedicação à canção brasileira de câmara. Maria Lucia Godoy gravou ao todo dezesseis discos nomeados a seguir:


1 - Maria Lúcia Godoy e o canto da Amazônia;

2 - Maria Lúcia Godoy interpreta Villa-Lobos;

3 - Cantares de Minas;

4 - 14 Serestas de Villa-Lobos;

5 - Maria Lúcia Godoy e a canção popular brasileira e napolitana;

6 - Fructuoso Vianna na interpretação de Maria Lúcia Godoy e Miguel Proença;

7 - Maria Lúcia Godoy canta poemas de Manuel Bandeira;

8 - 15 canções de Hekel Tavares canta Maria Lúcia Godoy;

9 - Floresta do Amazonas – solista: Maria Lúcia Godoy;

10 - Maria Lúcia Godoy canta Brasil-Itália;

11 - Maria Lúcia Godoy – Momentos;

12 - Mahler: Symphony Nº 2 “Resurrection”. Solista: Maria Lúcia Godoy;

13 - Marlos Nobre: Orchestral, Vocal, Chamber Works. Solista: Maria Lúcia Godoy;

14 - A canção brasileira: Maria Lúcia Godoy e Maria Lúcia Pinho;

15 - Maria Lúcia Godoy e a canção popular brasileira;

16 - Maria Lúcia Godoy: Modinhas imperiais.


Atuante, a cantora prepara atualmente um CD com acalantos, como sempre, valorizando a canção de câmara brasileira. (M.Chantal/C. Szrvinsk)




20.03.2016

São Paulo. A encenação lírica da Praça Ramos de Azevedo e a musicalidade de São Paulo como cidade de águas. No ciclo de estudos euro-brasileiros desenvolvido no corrente mês em São Paulo, que foi marcado por análises de imagens no seu papel de construção da identidade paulistana nas suas diferenciações no tempo, voltou-se a considerar o conjunto monumental da Praça Ramos de Azevedo, com o Teatro Municipal e o monumento a Carlos Gomes.


Partindo as reflexões da praça Dom José Gaspar com a Biblioteca Municipal, onde se concentraram sobretudo na problemática do Modernismo (Veja notícia anterior, ampliaram-se a logradouros vizinhos, tematizando-se o marco histórico do Piques e o historismo do movimento neocolonial do respectivo Largo da Memória, alcançando o seu ponto máximo na espetacularidade da configuração paisagística da Praça Ramos de Azevedo na sua abertura ao Vale do Anhangabaú.


Este conjunto, encimado pelo monumento a A. Carlos Gomes, com personagens de suas óperas nas escadarias e jardins, pode ser visto como uma das mais extraordinárias expressões de interpretação lírica da cidade na encenação urbana, encontrando poucos paralelos em outras grandes cidades da Europa.


Significativamente, esse conjunto monumental vem sendo repetidamente considerado em viagens de pesquisadores e universitários europeus em eventos da A.B.E.. Foi, sobretudo, alvo de estudos por ocasião dos 450 anos de São Paulo, em 2004, quando professores e estudantes das universidades de Bonn, Colonia e Coimbra, assim como pesquisadores italianos, trataram do tema „Lírica da cidade“.


Dando continuidade a esses trabalhos realizados há mais de 10 anos, retomaram-se algumas das questões então tratadas à luz de trabalhos posteriores levados a efeito em diferentes cidades da Itália.


Uma das preocupações na análise de sentidos do projeto paisagístico foi a de considerar modificações que teriam ocorrido entre um programa inicialmente concebido e aquele que foi por fim realizado.


Para esses estudos, partiu-se de um desenho da Praça Ramos conservado no Arquivo Histórico Municipal de São Paulo (São Paulo: onde está sua história, São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand 1981, doc. n° 351).


Nesse desenho, constatam-se diferenças relativamente à configuração atual da praça. O jôgo de águas que jorram das aberturas na bacia do chafariz com os cavalos que dela se levantam tem prosseguimento em plano mais inferior abaixo de ampla escadaria.


As águas são assim conduzidas subterraneamente, rojando com nova força nas profundezas.


Todo o conjunto é assim muito mais fortemente marcado pela queda de águas, revelando-se esse elemento como fundamental para a compreensão de sentidos e de intenções daqueles que o concberam . É desse movimento descendente que se opõe àquele ascendente dos cavalos que se levantam jorrando água  e sobre o qual surge a imagem alegórica da República.


Trata-se assim de uma potente tensão entre o que cai e o que sobe em enérgica acentuação da força ascendente dirigida ao porvir. Essa linguagem visual traz necessariamente à lembrança o mito de Poseidon/Netuno e as várias representações da subida das profundezas com os seus cavalos, entre elas sobretudo, do famoso chafariz de Roma na Piazza Navona.


A diferença que aqui se constata é o da ausência da divindade dos mares como agente da potente ascensão. Lembra-se que também esse chafariz obteve a sua estátua de Netuno apenas na década de 70 do século XIX, sendo a temática principal aquela dos quatro rios do mundo, concepção fundamentada na antiga Geografia e Etnologia simbólica e mesmo no livro Genesis.


Em teatralidade barroca, o observador pensa sobretudo na Fontana di Trevi, onde, assim como na praça paulista, o conjunto surge como um palco no qual o palácio cria o cenário, no caso de São Paulo, o Municipal. É nesse palco que se levanta, aqui, o monumento a A. Carlos Gomes.


A atenção é dirigida em todo o caso à água e seu movimento descendente, aos rios que rojam às profundezas e esse fato traz à memória o extraordinário papel dos rios e da água para São Paulo, infelizmente obscurecido com os aterramentos, canalizações e projetos urbanos que transformaram os seus vales em vias de tráfego ou, no caso do atual Anhangabaú, em amplos espaços, porém sêcos.


O Anhangabaú, o Tamanduateí, o Tietê, o Itororó e muitos outros emprestaram dimensões musicais à urbe, uma vez que, segundo antiga tradição, a música é scientia aquatica.


O monumento a A. Carlos Gomes com as personagens de suas obras ao lado do Teatro Municipal e sobre as quedas d‘água não pode ser  visto apenas como capricho fantasioso de projetistas, em arroubos de estética questionável, mas sim como expressão de uma concepção ampla, refletida, que merece contínuas e mais aprofundadas análises devido a seus sentidos menos evidentes e que merecem ser analisados com atenção nos estudos culturais.




20.03.2016

São Paulo. O Largo da Memória no complexo imagológico de São Paulo. Lembrando Daniel Pedro Müller (-1842) na história cultural Alemanha-Brasil. Como relatado em notícias anteriores, o ciclo de estudos da ABE recentemente realizado em São Paulo partiu da esfera da Avenida São Luís devido também ao fato de situar-se a Biblioteca Pública Municipal na Praça Dom José Gaspar. Essa parte do centro da capital paulista surge como significativa para estudos voltados a imagens nas suas relações com a identidade paulistana. A lembrança de vultos do Modernismo - já no nome da Biblioteca - assim como homenagens plásticas de colonias estrangeiras oferecem muitos e diversificados incentivos para reflexões.


Não distante dessa praça, encontra-se um logradouro que dirigem essas reflexões e análises em outros sentidos . Não o Modernismo, mas sim o histórico, o historismo e o memorial passam à tona das considerações.


Trata-se do Largo do Piques, significativamente designado como Largo da Memória. Neste triângulo que, descendo leva aos fundos do Vale do Anhangabaú, encontra-se o obelisco que é visto como o mais antigo monumento de São Paulo.


Esse obelisco, levantado em 1814, marca o local que foi durante os primeiros séculos origem dos caminhos que levavam tropeiros para fora da cidade. A procura das razões do levantamento desse obelisco preocupou arquitetos e historiadores no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo já em fins dos anos sessenta do século XX.


Correspondente aos intentos da época de renovação dos estudos culturais, surgia como importante objeto de estudos para uma leitura da cidade sob a perspectiva de processos e vias de comunicações. Foi também alvo de visita no âmbito do curso Música e Evolução Urbana de São Paulo realizado em colaboração com o Museu Paulista, em 1973.


Desde então, tem feito parte de encontros promovidos pela ABE, sendo visitado por universitários de diversos países europeus. Uma das dificuldades dos primeiros trabalhos da década de 60 resultava da distância de arquitetos e artistas à configuração paisaigística recebida pelo local em concurso realizado pouco antes do fim da Primeira Guerra e que ali levantou um chafariz monumental circundado por amplas e onduladas escadarias, de pedras e azulejos, e encimado por uma representação pictórica de amplas proporções.


Essa obra, assinada por vultos como Victor Dubugras (1868-1933) e José Wasth. Rodrigues (1891-1957), deve, porém, ser reconhecida como altamente significativa para estudos histórico-artísticos da época e da história de construção de identidade paulistana em época de grandes transformações da cidade. O movimento „neocolonial“ dos anos de sua construção, em particular daqueles do Govêrno de Washington Luís (1870-1970) exige uma consideração mais diferenciada também nas suas inserções no panorama político internacional.


Sob o aspecto dos estudos euro-brasileiros, recordou-se mais uma vez que a „pirâmide do Piques“ é atribuída a um engenheiro-militar de pais alemães, nascido no mar em viagem da Alemanha a Lisboa, onde obteve formação. Em São Paulo, vindo como ajudante de ordens do governador e capitão geral Antonio José da Franca e Horta, em 1802, destacou-se pela sua sólida formação, prestando extraordinários serviços e alcançando grande renome. Como brigadeiro, teve a incumbência, em 1836 de realizar a estatística da Província, publicado em 1837 com um mapa, hoje fontes de grande importância.




16.03.2016

São Paulo. Di Cavalcanti (1897-1976) - 40 anos de morte. A problemática do Modernismo nos estudos de processos culturais. Nas reflexões promovidas pela A.B.E. em São Paulo nas duas primeiras semanas de março do corrente (Veja notícias anteriores), retomou-se uma discussão que sempre tem marcado os estudos euro-brasileiros, em particular daqueles voltados a São Paulo: a do Modernismo.


Em cursos, colóquios e congressos tem-se considerado - desde um pronunciamento de historiador e pesquisador cultural do Nordeste em simpósio internacional de 1981 - a celebração exagerada da Semana de Arte Moderna de 1922 e do Modernismo em geral nos estudos culturais, que, associada a um extremado ufanismo paulista, fêz do evento e do movimento referenciais na valorização e desvalorização de correntes, nomes e obras anteriores e posteriores, trazendo problemas historiográficos e de consideração adequada da diversidade de tendências do pensamento e de expressões artístico-culturais no Brasil.


Acentuou-se, em diversas ocasiões, a necessidade de superação de riscos de visões unilaterais da Semana e do Modernismo, de cunho ideológico, através de uma mais intensa consideração de suas inserções em complexos processos internacionais de natureza político-cultural, tratando-os assim como resultados e expressões de determinado tempo e desenvolvimentos históricos, o que favorece maior distância e relativações.


O ciclo de estudos atuai, conduzido a partir da praça da Biblioteca Pública Municipal que leva o nome de „Mário de Andrade“, encontrou-se em situação vantajosa para a retomada dessa problemática, uma vez que o meio ambiente é marcado não só pela presença do nome de Mário de Andrade, como também por referências significativas aos ímpetos celebrativos de São Paulo que tiveram uma de suas maiores manifestações no IV Centenário de 1954, lembrado nas homenagens em forma de esculturas emblemáticas de diferentes colonias estrangeiras na capital (Veja notícia anterior).


Mais do que essas plásticas, o tratamento de questões teórico-culturais relativas ao Modernismo nesse espaço urbano é possibilitada pelo fato de ser este marcado, numa de suas esquinas, pelo grande mural de E. A. Cavalcanti (Di Cavalcanti) no edifício que anteriormente abrigou a redação do jornal „O Estado de São Paulo“.


Esse mural torna presente um dos representantes do Modernismo nas artes visuais mais estreitamente relacionados com a Semana realizada no Teatro Municipal, em 1922, amigo de Mário de Andrade e Oswald de Andrade.


As reflexões voltaram-se sobretudo à inscrição do pintor no movimento artístico e cultural de Paris dos anos 20, capital da França vitoriosa da Segunda Guerra, lembrando-se de seus elos com determinadas personalidades da vida intelectual européia da época. Sob o ponto de vista estético nas suas dimensões políticas, discutiu-se a posição anti-abstracionista no artista, assim como um cunho ilustrativo e placativo que ter-se-ia acentuado na sua obra.


Uma particular atenção foi dada às relações entre a sua arte visual e a arquitetura, exemplificada na presença de suas obras em projetos de Oscar Niemeyer, nome também sempre presente nessa região central de São Paulo através do edifício Copan. Também neste contexto, retomou-se a discussão relativa a um cunho a-histórico emprestado a expressões artísticas que passaram a ser vistas como expressões identificatórias e caracterizadoras de imagem do Brasil, atual nas últimas décadas devido ao aguçamento da sensibilidade para problemas de essencializações e que, nas artes visuais, parece corresponder àquela de estarrecimento de tendências ilustrativas, placativas, sensacionalistas e talvez mesmo caricaturistas.





15.03.2016

São Paulo. Mostra Maya Deren na Biblioteca Pública Municipal de São Paulo. No âmbito dos trabalhos euro-brasileiros desenvolvidos em São Paulo nas últimas semanas (Veja notícia anterior), concedeu-se particular atenção à exposição dedicada a Maya Deren (Eleanora S. Derenkovskaya, 1917-1961), figura feminina destacada das artes de vanguarda como dançarina, coreógrafa e cinematógrafa, assim como da história das reflexões teórico-culturais do século XX.


O vulto de Maya Deren e sua obra foram alvo de considerações em trabalhos da A.B.E. voltados à Ucrânia e à imigração ucraniana às Américas. Nos trabalhos desenvolvidos agora em São Paulo, a atenção foi voltada sobretudo para o seu papel nos estudos do voodoo do Haiti através de observações participantes, de filmes e publicações. O seu filme e o seu livro sobre „cavalos de santo“ (Divine Horsemen, The Living Gods of Haiti, 1953) motivaram estudos e considerações críticas a partir de comparações com tradições brasileiras em diferentes ocasiões.


A necessidade de revisão de muitas de suas colocações à luz das pesquisas de fundamentos de edifícios culturais e imagológicos que se desenvolveram nas décadas de 80 e 90 motivaram a realização, pela A.B.E., de viagens de estudos de campo de pesquisadores europeus e brasileiros ao Haiti e a Cuba.





15.03.2016

Lisboa. Lançamento de livros sobre Macau e sobre Recife e Macau. O Instituto Internacional de Macau anuncia o lançamento das seguintes obras: „Macau - Cidade, Território e Arquitecturas“ , de José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro e Maria João Janeiro, assim como „Recife-Macau: duas cidades, dois mundos, duas histórias, relações e contrastes", em segunda edição, de autoria de José Manuel Fernandes. As obras serão apresentadas, respectivamente, pelo Prof. Arq. Manuel Graça Dias e pela Prof.a Arq.a Tânia Ramos.


O lançamento terá lugar no dia 16 de Março de 2016 nbo Centro Científico e Cultural de Macau, Rua da Junqueira, 30, Lisboa.




14.03.2016

São Paulo. Ciclo de abertura de estudos culturais paulistas de 2016. Realizaram-se, de 27 de fevereiro a 12 de março de 2016, visitas a instituições e encontros promovidos pela A.B.E. em São Paulo e no interior do Estado. Os trabalhos tiveram como objetivo atualizar conhecimentos, constatar desenvolvimentos da vida cultural e intelectual da capital paulista, do Brasil em geral nas suas repercussões em São Paulo, complementar estudos já realizados ou em andamento, assim como definir prioridades para as atividades da A.B.E. do corrente ano.


A partir de centro de conferências no centro da cidade - no Hotel Boulevard São Luís - situado à frente da Biblioteca Pública Municipal de São Paulo, que traz o nome de Mário de Andrade, instituição de fundamental significado para estudos paulistas e paulistanos, empreenderam-se visitas comentadas a instituições, exposições e a espaços urbanos da capital.


Essa localização determinou a pesquisa geo-cultural urbana dos trabalhos, partindo-se da história e das transformações urbanas da respectiva Avenida São Luís, da praça Dom José Gaspar, assim como de seu significado emblemático, como local de realização de eventos e, sob o aspecto dos Cultural Studies,  dos encontros populares com música e dança ao redor da Galeria Metrópole ali situada. 


Já o nome da Praça sugere pontos de partida para as considerações histórico-culturais e urbanas, uma vez que lembra Dom José Gaspar d‘Afonseca e Silva (1901-1943), Arcebispo de São Paulo, que ali teve a sua residência em palácio adquirido da família Souza Queiroz.  Após considerações sob o significado político-cultural dessa família, as reflexões passaram ao uso da área pela Igreja em época marcada pela restauração católica nas suas inserções internacionais e, por fim, à modificação fundamental do sentido do logradouro causada pela demolição do edifício no âmbito das reformas urbanas de implantação de anel viário sob a administração do prefeito Francisco Prestes Maia (1896-1965), em 1942.


Como considerado em visitas anteriores de grupos de universitários estrangeiros a São Paulo, essa praça adquire significado para estudos culturais em relações internacionais já pelos seus monumentos que lembram a presença de países e de comunidades de diferentes origens na formação e na vida cultural de São Paulo.


Ali se encontram, entre outros monumentos, para além do busto de Mário de Andrade, de Bruno Giorgi, a efígie de Camões, de José Cucê, autor também de um Cruzeiro, plásticas que representam homenagens à capital paulista por parte de instituições e colonias não lusófonas. Salienta-se aqui o vulto de Goethe, lembrado como poeta e pensador em homenagem á cidade de São Paulo pela colonia alemã e pelo Instituto Hans Staden.


A presença espanhola é celebrada com a imagem de M. Cervantes, de Rafael Galvez, a italiana através de estátua de Dante Alighieri, de Bruno Giorgi. A efígie de Chopin foi dedicada ao povo paulista na data do IV Centenário de São Paulo, em 1954, como homenagem do povo polonês no X aniversário da República Popular da Polonia.


Alguns dos aspectos tratados nos ciclos de estudos serão registrados em notícias que se seguirão.




26.02.2016

Seefeld/Tirol austríaco. Balanço final do ciclo de estudos. O carnaval é festividade de inverno, não de verão. Riscos e chances do viver um mundo virtual em situações de deslocamento, como no Brasil. Seefeld, nos Alpes do Tirol austríaco, na esfera de irradiação de Innsbruck (Áustria) e Mittenwald (Alemanha), é um centro de esportes de inverno dos mais exclusivos da Europa. Seefeld apresenta-se hoje como localidade de turismo, de esquiação, de hotéis de alta categoria, de vida mundana, cosmopolita e de alto consumo de artigos de luxo. Mesmo assim, procura-se ali salientar o papel da tradição. O cultivo de tradições é exposto pelas autoridades e pelo comércio local como coadunante e mesmo próprio de uma vida moderna de alto nível de exclusividade e prestígio.


Já na Idade Média toda a região era de fato marcada pela estrada que atravessava os Alpes ligando regiões centrais de língua alemã com a península itálica. Compreende-se, assim, o significado de tradições nessa região de montanhas, ainda que em Seefeld já não se registre a intensidade de costumes tradicionais como nas cidades alemãs das proximidades.


Com a abundância da neve nessa localidade mesmo na época atual de mudanças climáticas, Seefeld dirige a atenção às relações entre os costumes do entrudo/carnaval e a época do inverno europeu. Tem-se aqui uma das principais questões consideradas nos estudos culturais respectivos, dando motivo a diferentes tentativas de resposta e que co-determinam análises de espressões constatadas empiricamente ou estudadas segundo fontes históricas.


Registra-se, em geral, que figuras e características do entrudo/carnaval em muitas cidades são explicadas por pesquisadores e transmitidas em informações nas escolas e no turismo como práticas de „despedida do carnaval“. Essa explicação encontra-se sobretudo em localidades onde se pratica a queima de palhas, a morte ou o enterro de figuras que encarnariam o carnaval , costume registrável em muitas partes, não só nas tradições da Fasching do sul da Alemanha como também no carnaval renano.


Essa explicação revela-se, porém, insuficiente, apenas em parte verdadeira, pois deixa de lado o aspecto velado, imaterial das tradições. Estas são indissoluvelmente relacionadas com o ciclo do ano religioso, pois apenas se explicam a partir da Quaresma. É assim o jejum dessa época que explica o consumo de alimentos e o gozo a partir da quinta-feira precedente, o último dia da matança de animais no passado e, assim, a vida de trabalho.


A discussão na área de estudos respectiva (Volkskunde/Folclore) caracteriza-se por diferenças quanto a hipóteses de origens. Ou o carnaval teria as suas origens em antigos costumes da Antiguidade que teriam sido cristianizados, ou - segundo suposições de alguns autores - seria antes uma prática já do Cristianismo, embora nele tivessem sido assimiladas expressões mais antigas.


Essa posição - defendida também em artigos de enciclopédia virtual eletrônica - é insustentável. Como os estudos têm demonstrado, todo o ciclo do ano religioso é, na sua estrutura básica, relacionado com o ciclo do ano natural do hemisfério norte. Isso se manifesta no Natal - nascimento de Cristo nas trevas da humanidade velha - da Páscoa, na festa de São João Batista e em outros marcos fundamentais do calendário.


Tem-se evidenciado também, nas análises da cultura da Antiguidade, que uma linguagem de sinais, e assim de sentidos intendidos por detrás do perceptível pelos sentidos já era existente na Antiguidade, tendo sido apenas referenciada posteriormente segundo a narrativa bíblica.


A transplantação a regiões descobertas pelos europeus no século XVI de expressões culturais ligadas tanto ao período de início do movimento ascendente do ano em meio do inverno e sentidos próprios do anteceder do jejum da Quaresma implica necessariamente num deslocamento cultural dos cristianizados relativamente ao mundo natural.


Compreende-se, assim, a importância dada a folguedos de linguagem simbólica nas práticas missionárias do passado, em particular de Jesuítas. A cristianização processou-se de forma indissolúvel com uma transposição dos missionados a uma realidade virtual do mundo natural do hemisfério norte deslocada com relação àquela percebida pelos sentidos no hemisfério sul.


Os cristãos e os cristianizados passaram a viver a realidade virtual do edifício cultural transplantado. As consequências dessa translocação são múltiplas, altamente significantes e mesmo graves.


Uma delas foi discutida a partir do uso da bexiga, tratado numa das sessões do ciclo e que tem diretas relações com o conceito de folia e de foliões (Veja notícia). Se na Idade Média era comprovadamente relacionada com a vanidade, ou seja, a vanidade da vida terrena, da vaidade, da carne, da matéria, das ambições, das presunções, da arrogância e do sentir-se importante de presumível poder, - o que se manifesta nas figuras gordas de mascarados ruidosos que levam atributos de grandeza como parasois -, na perda de sentidos através do deslocamento ao hemisfério sul, onde o carnaval cai no verão, as expressões podem se transformar, com a secularização, em celebração de sentidos contrários.


Esta não se limita certamente ao festejo da vaidade na exposição do corpo, na sensualidade e na celebração do brilho, do espetáculo, do show. Tem dimensões mais amplas, pois implica numa desvalorização do mundo natural envolvente, uma vez que o homem passa a viver a viver uma natureza virtual indissoluvelmente ligada ao sistema imagológico e que é produto cultural.




25.02.2016

Munique. A dança das mulheres do mercado no fim do entrudo - questões de tradição e renovação na pesquisa do carnaval em contextos internacionais e reflexões sobre o „tabuleiro da baiana“. Para o encerramento do ciclo de estudos euro-brasileiros realizados em várias cidades de Baden-Württemberg e da Baviera (Veja notícias anteriores), planejou-se a observação da „dança das mulheres do mercado“ em Munique.


Essa apresentação de mercadoras dá-se na praça tradicional de mercado de produtos alimentícios do núcleo histórico da cidade, o Viktualienmarkt. Nessa grande área, os produtos são oferecidos e vendidos em tendas, barracas permanentes ou tabuleiros ambulantes, havendo também uma cervejaria no local. É, assim, um centro da vida popular.


No último dia do carnaval, às 11.00 horas da terça-feira, em correspondência à sua abertura às 11.00 horas do dia 11 de novembro ou às 11.00 horas da quinta-feira que antecede à Quaresma, as mulheres que trabalham no mercado apresentam-se em danças sobre um estrado, assistidas por grande número de foliões, sendo que muitos homens trazem costumes de mulheres.


As mercadoras usam trajes fantasiosos e coloridos de inspiração em moda do passado, portentosos e espalhafatosos, saias rodadas compridas com babados, blusas bufantes e decotadas, lenços à cabeça e jóias em profusão. Essa apresentação é um acontecimento de importância na vida de Munique, reunindo considerável multidão. No corrente ano, porém, devido aos problemas trazidos pelos fugitivos/imigrantes do Oriente Próximo e do Norte da África à procura de asilo, com os receios de atentados, a concentração de povo foi menor.


O evento das mercadoras bailadoras de Munique levanta muitas questões sob o aspecto da análise de tradições. É, à primeira vista decepcionante em comparação com as tradições vivas e altamente expressivas do entrudo suábio-alemânico de cidades como Rottweil ou Villingen (Veja notícias anteriores). As mercadoras bailam ao som de músicas populares da atualidade, elas e os assistentes dançam valsas de Strauss, as coreografias são estudadas e preparadas por profissionais, os costumes são modernos e similares a carnavais de outra cidades. O próprio evento parece não ter história muito longa, afirmando-se ter sido instituido apenas na década de 50 e revitalizado nos anos 80. 


O baile das mercadoras de Munique serve assim para trazer à consciência mais uma vez que as expressões de entrudo/carnaval não podem ser consideradas sob a suposição de uma continuidade ininterrupta no tempo. Se marcam a imagem da cidade com as suas características no presente, isso não significa que também assim foi no passado.


A dinâmica transformatória, as fases de revitalização e decadência, de reconstrução do passado e inovação pôde ser considerada nos vários contextos estudados do ciclo, mesmo naqueles que surgem como mais tradicionais, históricos e fiéis à tradição. Estes, ainda que impressionantes pelas suas expressões, revelam íntenções e trabalhos de tradicionalistas de fins do século XIX e início do XX, que já então procuraram recuperar uma festividade de guildas e corporações que viam em decadência devido à adoção do carnaval de associações e escolas. Este carnaval ordenado segundo normas associativas já fora, por sua vez, um resultado de intuitos restaurativos das primeiras décadas do século XIX.


A dança das mercadoras de Munique, apesar de sua aparência de moderno carnaval, revela porém a permanência de sentidos de antiga proveniência e coerentes segundo o mesmo sistema cultural que justifica também formas do entrudo mais tradicionais.


Já o predomínio das mulheres indica a linguagem visual tradicional e que merece ser estudada sob a perspectiva de Gênero. Em todas a manifestações do ciclo que vai de Reis à quarta-feira de cinzas encontra-se a figura não só da Velha, da bruxa e de mulheres de mercado com cestas e lenços de cabeça, como a de homens usando roupas de mulheres. Em cidades como Donaueschingen ou Rottweil, o uso de saias longas, meias de lã e chinelos e lenços de cabeça por homens e rapazes representa quase que norma. Bailes de mulheres realizam-se por todo esse período do ano. A quinta-feira suja, gordurosa ou enlabuzada que abre o entrudo/carnaval é chamada de entrudo de mulheres (Weiberfastnacht).


O fato de serem vendedoras de mercado e a realização de sua dança no Viktualienmarkt também são significativas, uma vez que a festividade se relaciona com o grande consumo de alimentos, em particular da carne nos últimos dias que precedem a época do jejum da Quaresma.


Compreensivelmente, as vendedoras de mercado surgem com frutas e outros produtos alimentícios nos seus costumes e chapéus, o que lembra também o costume das antigas Velhas de expressões mais tradicionais de trazerem linguiças nos seus trajes, frutas e guloseimas nos seus cestos. Muitas das bailadeiras apresentam assim bananas, ananazes e outras frutas em grandes coberturas de cabeça ou pratos, em cestos ou nas grandes saias rodadas, assim como bananas em colares ou braceletes.


Há, assim, um significado mais profundo dessa linguagem visual, inerente ao sistema de concepções e imagens de antiga proveniência, de modo que esses visuais das bailadoras do Viktualienmarkt de Munique não podem ser entendidos como mera recepção de costumes, por exemplo brasileiros, em especial baianos, ainda que se encontrem homens transvestidos que parecem imitar Carmem Miranda. O contrário é que deve ser investigado: ou seja, as relações dos trajes típicos da „baiana“ a partir do edifício cultural comum em relações globais em determinado contexto da antiga cultura do hemisfério norte cristianizada no passado e levado à África e ao Brasil.




24.02.2016

Oberammergau. Transformações das mascaradas nas tradições do Brasil e da Alemanha. As mascaradas como complexas expressões da época entre Reis e o início da Quaresma, documentadas em antigos textos da época colonial no Brasil, restam em geral apenas de forma desintegrada e fragmentária no uso de máscaras por indivíduos ou grupos em folguedos.


O profundo significado do mascaramento do indivíduo que não deve ser reconhecido e que desempenha um papel dá lugar a simples pinturas coloridas de faces. Essa mudança pode ser também observada na região que foi recentemente alvo de estudos euro-brasileiros de tradições do entrudo/carnaval. Se na cidade bávara de Mittenwald ainda se registra a antiga tradição de bandos com máscaras de madeira (Veja notícia anterior), ainda muito mais reveladoras de um complexo de sentidos do que os famosos cortejos de bufões saltitantes de Rottweil em Baden-Württenberg (Veja notícia), em outras cidades registra-se um menor número de portadores das antigas máscaras e um maior número de „mascarados“ que apresentam apenas as faces pintadas.


Em Garmisch-Partenkirchen ainda se esculpem máscaras de madeira, o que representa um demorado trabalho para os artesãos, e na cidade de Murnau ainda se observa as figuras tradicionais da Maschkera com o desfile de larvas, tocadores de guizos e campânulas, domadores de ursos e bruxas.
Diferentemente, porém, é o caso de uma cidade que é internacionalmente conhecida pelas suas tradições religiosas e pela escultura em madeira: Oberammergau. A Maschkera dessa cidade apresenta menor apego à tradição do que aquela de Mittenwald, Garmisch-Partenkirchen ou Murnau. 


O mascaramento é feito através do uso mais ou menos arbitrário de trajes velhos e trastes, em mistura com antigos costumes. Nas famílias, ao invés das bens conservadas máscaras de madeira, esses requisitos são simplesmente guardados em caixas de objetos de Maschkera. O uso das peças é circunstancial, não regido por respeitosa tradição de dar vida a uma figura. Mesmo assim, procura-se representar um papel e desenvolvê-lo durante as festividades.


Com a decadência do entrudo, realizam-se cada vez menos bailes e cortejos de maior porte, mantendo-se apenas a visita a tavernas. Característico de Oberammergau é a participação de carroças puxadas por dois cavalos com os foliões pelas ruas. Na terça-feira de carnaval, o cortejo é aberto por uma carroça com músicos de banda, seguida por outra com pescadores que oferecem bolas, bolinhos e outras frituras, além de Brezen/Brezel. Esta é uma espécie de substituto de pão típica dessa e de outras regiões da Alemanha e considerada até mesmo como sinal atributivo de origem alemã em comunidades da imigração. É emblema de padeiros.Feita com tiras de massa enroladas e unidas nas pontas, sendo associada em geral com braços entrecruzados, esse alimento é de remotas origens, já documentado na Idade Média.


Entre os seus muitos sentidos, encontra-se aquele de ser alimento da época de jejum da Quaresma. Assim, o oferecimento de Brezen em varas como se fossem peixes aos assistentes pelos foliões nas carroças adquirem um significado mais profundo. Estas são apanhadas sobretudo pelas crianças, por vezes com a boca. Neste contexto, revela-se o complexo de conotações desse alimento e sobretudo de sua imagem tão comum em regiões de colonização alemã no Brasil.





23.02.2016

Mittenwald. As mascaradas na tradição portuguêsa e brasileira e as Maschkera da região alpina do Zugspitz - instrumentos musicais e máscaras. Máscaras em folguedos da época entre Reis e a Quaresma podem ser observadas em várias regiões do Brasil, sobretudo, naturalmente, nos dias de carnaval. A menção a bandos de mascarados e a mascaradas encontra-se em documentos históricos, indicando a intensidade desses costumes em séculos passados. Transmitidos ao Brasil no contexto da colonização, as mascaradas relacionam-se com o ano natural e o respectivo ano religioso do hemisfério norte, havendo, assim, necessariamente paralelos quanto a expressões e sentidos.


Na Europa, uma das mais vitais e significativas práticas da mascarada é aquela da região bávara onde se encontra o mais famoso pico dos Alpes, o Zugspitz. Nas cidades localizadas nos quatro vales que cortam as montanhas, a mascarada surge como um dos principais bens culturais de comunidades que cultivam tradições populares com grande empenho.


Entre elas, salienta-se Mittenwald, a cidade que é conhecida pela sua tradição de construção de violinos. Singularmente, esses construtores de instrumentos - os artesãos mais hábeis da madeira nessa região conhecida pela carpintaria e escultura artística em madeira - relacionam-se com o costume das máscaras, pois são também êles que, tradicionalmente, as esculpem.


Essas máscaras de madeira, criadas assim com a aptidão técnica e a arte de exímios artesãos, podem ser vistas como uma espécie de caixa de ressonância, transformando aqueles que as usam em instrumentos. Como objetos de arte, são transmitidas cuidadosamente de geração em geração, conhecidas como figuras pela população.


Elas mascaram aqueles que as usam e que não podem ser reconhecidos de nenhum modo. Para isso, a cabeça é envolvida em lenço e os portadores trocam as máscaras entre si. Todas as partes do corpo são cobertas,também as mãos com luvas. Os mascarados - só homens - procuram modificar a voz, atitudes, modos de andar e gestos para que não possam ser reconhecidos.


O portar máscaras exige, assim, atenção e mesmo arte teatral para que o ator não seja reconhecido por detrás da figura. Compreende-se que o mascarado não possa ser identificado pelo fato de ser uma das funções da figura repreender ou castigar pessoas de forma lúdica. O significado da madeira como material das máscaras reflete-se também na compreensão dos mascarados como cupins de madeira ou larvas de pau. Os repreendidos, assim, são por assim dizer batidos, „levam pau“. As máscaras não podem ser usadas por aqueles que as guardam fora do período de festas. Como conta a tradição, elas se grudariam no rosto daquele que as usassem, ligando-o para sempre com a figura representada.


As mascaradas dessa região começam após o dia de Reis. A partir desse dia, às segunda-feiras,  terça-feiras e domingos, mascarados andam pelas ruas, fazendo ruído, gestos gozadores e batendo pés, entrando em tavernas. Nelas encontram-se mulheres com trajes típicos, à éspera de serem convidadas à dança. No passado, eram as salas de fiadoras e tecelãs os locais onde se fazia música e dança.  As ações de mascarados individuais ou em bandos podem ser registradas nas ruas até a quarta-feira de cinzas. São interrompidas apenas em alguns dias, os dias de guarda.
Entre êles, destacam-se o de  Nossa Sra. da Luz ou das Candeias a 2. e fevereiro e a festa seguinte de S. Blásio. Entre as datas não-religiosas sem mascaradas destaca-se aquela em que se lembra a destruição de Mittenwald em incêndio em 1830 - o 5 de fevereiro. Em Garmisch-Partenkirchen, o soar do sino da igreja aos domingos às quatro horas da tarde traz à lembrança a última vítima da peste no século XVII.


O grande cortejo de máscaras de Mittenwald ocorre na quinta-feira que antecede a quaresma, a „quinta-feira sem sentidos“ ou maluca. Após o toque de sinos do meio dia, os mascarados passam a percorrer a rua pulando ou saltitando. O desfile é aberto ruidosamente com portadores de campânulas de bois nas costas como de costume em muitas outras localidades (Veja notícias anteriores). Representam os doze meses do ano.


No desfile, ao lado de bruxas e demônios, observa-se relações de sentidos com a vida rural, de campôneos e montanheses. Os mascarados que abrem ruidosamente o cortejo usam o traje típico da região alpina, tais como calça curta de couro, suspensórios, blusa branca e chapéu característico verde com penacho. Essa relação com a vida da terra manifesta-se também em figuras tradicionais de longínquo passado, tais como domadores de ursos, carros de boi, mineiros -em geral de pequena estatura ou anões - homens cobertos de palha e representantes de ofícios desaparecidos, o que se manifesta na menção a frigideiras. Pescadores trazem balas e chocolates como peixes nas varas e que são distribuidos.


Essa relação com a vida da terra dá margens a novas invenções, de modo que se registram folgazões com chapéus de palha e roupas de vaqueiro de couro que lembram regiões de pecuária conhecidas do Far West norte-americano ....ou do Nordeste do Brasil. O uso da sanfona, violão e outros instrumentos de country music nas suas diversas formas acentuam similaridades com expressões conhecidas do Brasil.


Como é de tradição em Mittenwald a figura do Mouro - ou Negro - que até mesmo surge nas armas da cidade e que, como em outras regiões e cidades relaciona-se com S. Maurício - as similaridades se acentuam ainda mais de forma singular, paradoxa devido às grandes diferenças de contexto e distância, e que apenas podem ser explicadas pela coerência possibilitada pelos sentidos intrínsecos às expressões.




22.02.2016

Bad Bayersolen/Baviera. Bexigas de entrudo/carnaval no Brasil e na Alemanha - a vanidade do homem carnal nas folias. O termo bexiga é utilizado no Brasil para a denominação de coloridos balões de plástico cheios de ar ou gás. O termo bexiga ou bexiguinha também é usado no carnaval para designar o receptáculo para espirrar água e molhar outros. Este era sobretudo o caso no passado das antigas tradições do entrudo, conhecido por práticas de molhação de público, não só com água. Tudo indica que a prática do lança-perfumes do carnaval mais moderno representa uma versão mais polida das antigas bexiguinhas de água.


Os estudos euro-brasileiros desenvolvidos recentemente no sul da Alemanha e nos quais se considerou as tradições de entrudo (Fastnacht) nas suas relações com as formas mais modernas do carnaval (Veja notícias anteriores) confirmaram o uso do termo bexiga em diferentes contextos e contribuiram à sua elucidação.


Observações mais pormenorizadas puderam ser feitas sobretudo na aldeia de Bad Bayersolen no planalto da Baviera Superior, hoje pequena estáncia climática e de águas.


Como em outras localidades, constatou-se ali o uso de bexigas de porco estufadas de ar e amarradas em uma haste levada por determinadas pessoas. Outras a substituem por balões de plástico, com as mesmas funções. A bexiga de porca - bobo porcalhão - (Saubloder) é um balão ou saco - lat. follis - termo vivo no português Folia e folião.


Lembrou-se, nesse contexto, que essas bexigas de animais cheias de ar também são conhecidas das tradições portuguesas, também no ciclo do Advento, Natal e Reis, por exemplo levadas por pessoas que acompanham a Velha ou figuras similares e que visitam casas em zonas rurais à procura de donativos.


Em entrevista com habitantes de mais idade da aldeia bávara que fazem e levam tais bexigas amarradas em varas, tomou-se conhecimento dos procedimentos usados e dos sentidos da prática.


A quinta-feira que antecede a quarta-feira de cinza, que marca o início da época de abstinência de carne, é o último dia em que se dá a matança de animais, cuja carne é preparada e consumida com grande avidez e em grande quantidade nos dias que precedem a quaresma.


Os habitantes entrevistados procuram assim os carniceiros e adquirem as bexigas de porcos para a feitura dos balões. Elas são limpas e assopradas, sendo amarradas numa longa vara com tripas ou cordões. Esses cachos de bexigas são levados sobretudo por aqueles que pedem óbulos a assistentes do cortejo para o suprimento das despesas dos grupos que nele participam ou para as festividades que se seguem.


Esses pedintes, já senhores de idade, não trazem máscaras, mas sim chapéu, casaco e gravata, ainda que com cores e motivos burlescos. Levam a vara com as bexigas na mão direita e, na esquerda, uma vara com um pequeno saco na ponta para os óbulos, tais como se conhece das igrejas.


Com essa vara, podem alcançar, da rua, os assistentes nas calçadas. Aqueles que não contribuem podem ser castigados com batidas das bexigas da outra vara. As bexigas servem, assim, como sinal burlesco de autoridade e instrumento penal na situação de inversões que caracteriza o entrudo. Com a modernização dos costumes e, sobretudo, com as interações das antigas tradições com o carnaval nas suas formas conhecidas em outras regiões, as bexigas de animal são substituídas por balões de plástico, com as mesmas funções, ou levados como ornamentação em carros com encenações críticas de pessoas e ocorrências na sociedade.


Numa aldeia como Bad Bayersolen, essa crítica é sobretudo comunitária e regional, gozando-se de forma ferina pessoas e acontecimentos da aldeia, medidas de políticos locais, fechamento de casas de comércio, problemas do uso de terra, de construções mal terminadas, da escola etc... Assim como em geral as bexigas, também os balões são levados em forma de cachos, chegando a inspirar fantasias que tematizam cachos de uvas e, assim, o vinho e a bebedeira.






20.02.2016

Titisee. O lago de águas incomensuráveis, a Velha das profundezas e gente do mar do Entrudo/Carnaval dos altos da Floresta Negra. A região da Floresta Negra onde se situa o lago Titisee é uma das regiões mais procuradas de esquiação do sul da Alemanha e, consequentemente, moderna e mundana, marcada por hotéis, parque balneário e construções modernas.


Não se espera, de início, que ali se cultivem tradições orais e manifestações culturais de antiga proveniência. Titisee-Neustadt urge, assim, como de interesse para o estudo da permanência de expressões culturais e sua transformação em ambiente de lazer marcado por turismo cosmopolita.


O lago de Titi é objeto de lendas e mitos que revelam concepções de antiga proveniência. Segundo a tradição, não se pode chegar a seu fundo nem medi-lo nas suas dimensões. O lago levaria nas suas profundidades às águas primordiais, misturadas com a terra. Estórias similares de não se poder chegar ao fundo das águas contam-se de outros lagos da Alemanha, entre êles, por exemplo do Walchensee na Baviera. Aquele que tenta atingir e medir a profundidade do Titisee, ouve uma voz que diz que será afogado e devorado.


Também se conta que nos seus fundos existe uma cidade inundada por grande dilúvio devido a pecados dos seus habitantes. Estes teriam usado pão para fazer sapatos. A voz e a ameaça que se ouve das profundidades inatingíveis do lago são vinculadas com a figura da Velha. Esta é que impede, com o seu lenço de cabeça, que o lago não transborde. Como, porém, este desfia, algum dia todo o vale será inundado.


É motivo de conjecturas se essa imagem não tem relações com o gorro ou touca usado por pessoas em visita a bares e outros locais em ocasiões que não surgem totalmente mascarados e que são até mesmo denominadas de noites de boina ou barrete (Kappenabend). Esse termo, nas formas mais modernas do carnaval, chega mesmo a denominar sessões com alocuções, distribuições de ordens, etc.


Segundo a tradição oral, é do lago que se originam as crianças, ou seja, o lago com as suas águas é mãe.


Essas tradições orais referentes às águas do lago refletem-se nas expressões da época do entrudo/carnaval. Se em várias outras localidades se registram elos das tradicionais figuras da Velha, da sua filha e do bufão com águas, que surgem representados até mesmo com figuras e estatuas acima de fontes e bebedouros nas ruas e praças como em Donaueschingen, Bräuningen e Villingen, em Titisee o elemento aquático se manifesta de forma explicita na linguagem visual de vestimentas e encenações de grupos.


Neles participam marujos e soldados do mar que representam, de forma lúdica, sublevações, ataques e castigos. Figura de particular importância é a do gajeiro, representado com a sua luneta no alto de grande mastro à entrada de Titisee. Esse personagem tem conotações negativas apesar da representação ser burlesca, uma vez que surge como um pirata. A pirataria, o roubo, o rapto, tomada de navios e a vida em galeras surgem como motivos que sugerem uma outra forma de expressão da inversão de valores e situações nas celebrações lúdico-grotescas dessa época do ano, e que inclui, entre outros atos, a tomada de prefeituras e de cargos oficiais.


Essas expressões do entrudo/carnaval de Titisee abrem inesperadas perspectivas para o estudo de muitas tradições do repertório português-brasileiro ainda cultivadas sobretudo no Nordeste brasileiro. O observador lembra-se dos marujos, marujadas, Nau Catarineta, Cheganças e muitas outras conhecidas antes do ciclo de Natal e Reis, mas também o da representação de naves, galeras e barcas no carnaval de muitos países e que, levadas em carros pelas ruas, parecem manter-se também no sentido mais extenso nos carros alegóricos não imediatamente percebidos como naves.




19.02.2016

Villingen-Schwenningen. Narri Narro!. O grito de carnaval e a música de gatos - charivari - em interações de tradições - Brasil/Alemanha. É comum, no Brasil, a expressão „grito de carnaval“. Nos ciclos de estudos euro-brasileiros realizados em diferentes localidades sul-alemãs sobre o entrudo/carnaval suábio-alemânico (Fastnet), deu-se especial atenção ao grito tradicional ouvido por toda a parte: Narri Narro.


Em cortejos de rua, os bufões (Narren) gritam uma palavra, que é respondida com a outra pelos que assistem nas calçadas. O termo Narro chega até mesmo a designar sedes de guildas tradicionais, como em Bräuningen (Veja notícia anterior).


Narro é o nome da mais tradicional e popular figura das festividades de Villingen, cidade da região de Baden, uma das mais bem conservadas cidades históricas da Alemanha, ainda cercada por muralhas medievais.


O termo tem conotações com o ridículo e grotesco do homem que se faz de aristocrata ou importante, andando ruidoso e orgulhoso com os seus parasois e que é, na verdade, um bôbo. Villingen assume por diversos motivos particular interesse para os estudos de tradições desse período vesperal da quaresma.


Villingen é vinculada atualmente com Schwenningen, pertencente a Württemberg, de modo que a dupla cidade adquire significado para o estudo de identidades remontantes a antigos estados e suas transformações com a criação da unidade política Baden-Württemnerg.


O principal interesse para o estudo de interações culturais diz respeito, porém, às relações entre as expressões mais antigas do entrudo (Fastnet) com aquelas do carnaval da Renânia.


Também o carnaval da região do Reno, com o seu maior centro em Colonia, é marcada por um grito: o de „Aloha!“. Este, também clamado em sessões do palco ou por participantes de cortejos e respondido pelo público, tem outras conotações do que a do „Narri Narro“ suábio-alemânico.


Assim como em Freiburg i. Br. (Veja notícia anterior), Villingen se oferece como cidade particularmente adequada para estudos de relações entre o antigo entrudo e o moderno carnaval na forma que obteve no século XIX e que se implantou na região renana.


O carnaval, expandindo-se, ameaçava sufocar as antigas tradições do entrudo, e para defendê-las criou-se uma associação para a salvaguarda e recuperação das expressões das velhas guildas e corporações.


Entretanto, na década de 20, processou-se uma recarnavalização. Nela atuou a sociedade da „música de gatos“, conceito remontante à antiga prática do charivari e que se caracteriza pela crítica ridicularizadora de pessoas e situações, individuais da comunidade ou da política.


Villingen-Schwenningen oferece, assim, uma situação exemplar da coexistência e da interação de diferentes formas de celebração desses dias que antecedem a quaresma e que, em linhas gerais, apresentam a duplicidade entrudo/carnaval em complexas relações históricas, de revitalização e renovação.




18.02.2016

Rottweil. O „pular“ no carnaval no Brasil e na Alemanha - o „Narrensprung“ em cidade agitada ao som de guizos. Uma das mais impressionantes expressões do entrudo (Fastnacht) suábio-alemânico é o pulo ou pular dos malucos, palhaços ou bobos na segunda- e terça-feira de carnaval da histórica cidade de Rottweil.


Esse cortejo, o mais famoso de todo o carnaval sul-alemão e suíço, torna-se ainda mais expressivo pelo fato de percorrer a rua central de uma cidade histórica, considerada a mais antiga da região. Partindo de torre e portão na cidade alta - o portão negro -, desce a grande ladeira em meio a construções históricas, imergindo todo o espaço visual- e acusticamente em processo interno transformador, no qual o velho é lembrado mas relativado ou superado através do lúdico e grotesco.


Essa agitação renovadora da vida manifesta-se acusticamente no ruído dos milhares de grandes e pequenos guizos dos folgazões que, como em nenhum outro centro carnavalesco preenche todo o ambiente.


O observador com conhecimentos da organologia simbólica lembra-se que de remotos tempos o ruído de sistros foi interpretado como sinal da agitação de elementos que possibilta a retomada do movimento ascendente no mundo natural. Nenhuma outra cidade revela-se de forma tão impressionante como gigantesco sistro como Rottweil vibrando ao som de inumeráveis guizos.


Compreende-se, assim, o significado desse cortejo de malucos/bobos saltitantes para a identidade comunitária. Apenas pessoas ali nascidas ou que ali já vivem há mais de 15 anos, ou seja, que estejam plenamente integradas podem nele participar como palhaços ou bobos. Os trajes e os atributos são estritamente controlados para que não haja desvios da tradição. Dessa forma, todo o cortejo assume um caráter homogêneo, de encenação coletiva, não revelando porém artificialidade ou caráter de show programado.


Na segunda-feira de carnaval, já bem cedo pela manhã, toda a cidade encontra-se ocupada por milhares de folgazões com as vestes tradicionais organizados por grupos, muitos com parasois.


Ao soar do sino, às 8 horas da manhã, o cortejo passa a descer a colina - „descer o morro“, procedendo os bobos a pequenos saltos. Não se trata aqui de grandes pulos, mas de uma forma de marchar própria, saltitante devido ao movimento dos pés, ao som da música.


Esse andar da multidão repete-se ainda por duas vezes na terça-feira, às 8 e às 14 horas.


O observador lembra-se neste contexto que o termo „pular“ no carnaval também é utilizado no Brasil, tomando consciência da necessidade de investigações mais aprofundadas do significado do ato que assim se mantém na linguagem.


Os pulinhos de Rottweil podem ser também observados no proceder de folgazões em outras cidades da Floresta Negra, impressionam porém pelo fato de serem feitos pela grande massa de participantes ao rítmo da música, assumindo o aspecto de uma coletividade saltitante.


Esse fato é apenas possível devido à música, e esta difere daquela de outras localidades e daquelas de desfiles de escolas de samba no Brasil. Se, em geral, os grupos são precedidos ou separados entre si por formações musicais, de percussão ou bandas de sopro, com diferentes repertórios, tradicionais ou mesmo com peças da música popular internacional, em Rottweil os conjuntos instrumentais se encontram parados, separados por uma distância de ca. de 100 metros um do outro, tocando em geral sucessivamente, não concomitantemente, e sempre a mesma música de marcha.


A música se repete indefinidamnte, por horas. Logo que um conjunto termina, outro começa, havendo ocasionais superposições, criando desenvolvimentos sonoros complexos, uma vez que o proceder do cortejo implica também num afastamento das respectivas fontes sonoras.


A música assim repetida impregna profundamente participantes e assistentes. Ela não pode ser esquecida, continua a soar no íntimo do homem durante todos os dias e mesmo após o carnaval, ligando-se indissoluvelmente com a festividade e mesmo com a cidade de Rottweil.


Para o observador externo, a música dos bobos saltitantes de Rottweil surge como inesperadamente „pouco alemã“, lembrando muito mais uma abertura ou marcha de banda da tradição latina, talvez italiana, e mesmo peças da música de igreja do século XIX de pequenas comunidades no Brasil....


Essa impressão de elos com um mundo sonoro associado com o sul acentua-se pelos trajes de determinados grupos de instrumentistas. Diferentemente da vestimenta tradicional dos bobos, constata-se aqui antes uma linguagem visual conhecida dos polichinelos e outras figuras mascaradas da Commedia dell‘arte. No meio da multidão de saltitantes que transportam com os seus trajes e atributos o observador a fins da Idade Média, surgem grupos de instrumentistas quase que napolitanos que os imergem em outras épocas da história, inserindo-os no século XVI e XVII e, sonoramente, em épocas de reinvenção histórica dos séculos XVIII e XIX.




18.02.2016

Bräunlingen. A vassourinha e o rasgado no carnaval gordo em relações Alemanha/Brasil. Trapos, a palha da vassoura da bruxa voadora e frituras no Entrudo da Floresta Negra. No ciclo de estudos comparados do carnaval alemânico, constatou-se o extraordinário significado de tradições dessa época festiva do ano para a vida e a imagem de várias cidades.


Este significado evidencia-se sobretudo em cidades menores, tais como Bräunlingen, histórica localidade ainda em parte cercada por muralhas medievais próxima de Donaueschingen (Veja notícias anteriores).


Essa importância é reconhecida pelas instituições locais, que mobiliaram as ruas da cidade com perfís de tradicionais tipos carnavalescos em metal, estáveis e elaborados como obras artísticas.


Assim marcada na sua imagem, o período que antecede o jejum da quaresma (Fastnet) representa o ponto alto da vida de Bräunlingen com os seus diferentes bailes, entre eles os de guildas, com a quinta-feira  denominada de suja ("Schmotziger Donnerstag") e sobretudo com o domingo das bruxas. A cidade é ornamentada para essas festividades com feixes e arranjos de palha.


Assim como na próxima Donaueschingen, a palha e a figura da bruxa, encontradas em quase todas as localidades, marcam de forma especial o Entrudo de Bräunlingen.


Se em Donaueschingen um dos pontos altos das festividades é a fogueira da palha transpassada pelas bruxas, em Bräunlingen é o vôo da bruxa na sua vassoura de palha através dos ares. A figura correspondente pende de um cabo que atravessa de casa a casa um dos logradouros centrais.


Torna-se aqui evidente as relações entre a palha que marca a linguagem visual desde fins de outubro - ou seja, do período de fins de outono e inverno - e a palha da vassourinha da bruxa de carnaval. O observador brasileiro, apesar das diferenças, lembra-se aqui do uso do termo vassourinha no carnaval brasileiro, em particular no o frevo nordestino.


Há um outro aspecto das festividades de Bräunlingen que chama a atenção para uma imagem também constatada em outras regiões: a dos trapos de tecidos. Mais do que em outros lugares, a cidade é ornamentada com fiapos de roupas pendentes em cordões, substituindo as luzes e luminárias da época de Natal.


Esse uso vem de encontro ao termo „Schmutzige Dunstig“ que, em diferentes variações, designa a quinta-feira que abre o carnaval e que é também denominada de quinta-feira de trapos ou de vestes rasgadas („Lumpiger Donnerstag“). Essas tiras de tecidos rasgados encontra-se também no costume multicolorido dos palhaços tão comuns na Floresta Negra.


O complexo de significados da quinta-feira gorda explica-se pelo fato do termo designar popularmente na região não só o sujo, como também o gorduroso. A gordura, por sua vez, relaciona-se com a matança que se fazia pela última vez antes do período de jejum nesse dia da semana e que tem a sua expressão ainda hoje no consumo de frituras típicas altamente engorduradas nesses dias, o que corresponde às „filhós“ na tradição portuguesa.



Há, porém, sentidos mais profundos nessas expressões explicadas pela vida de trabalho e que se referem ao homem carnal e que se deve renovar, superando êle próprio, em si, o período invernal, frio, escuro, sujo e tenebroso.




17.02.2016

Freiburg i.Br./Baden-Württemberg. Buzinas, matracas e interações de carnavais: o carnaval renano, a tradição suábio-alemânica e o Brasil. 30 anos de primeiro colóquio euro-brasileiro na cidade universitária de Freiburg.


No âmbito do recente ciclo de estudos promovidos pela A.B.E. e dedicados a tradições do período carnavalesco no sul da Alemanha/Suíça e Áustria, revisitou-se Freiburg i..Br., uma das maiores cidades da região e sede de tradicional e influente universidade (Albert-Ludwigs-Universität), o que explica a grande porcentagem de jovens na população e a sua vital e moderna vida cultural.


Lembrou-se, com essa visita, que Freiburg foi visitada no contexto do programa euro-brasileiro em 1976 e, em 1981, sede de encontro. Materiais fotográficos e protocolos dos debates foram considerados.


O interesse dedicado ao carnaval de Colonia em comparação ao do Brasil, em particular do Rio de Janeiro, marcou em grande parte trabalhos desenvolvidos desde meados da década de 60 em cooperação com o Instituto de Etnologia (Völkerkunde) e de Folclore (Volkskunde) da Universidade de Colonia, a Associação Brasileira de Folclore e outras instituições.


Nesses estudos, considerou-se que muitas das diferenças entre o carnaval renano e as tradições mais antigas do Entrudo/Fasching explicavam-se pelo predomínio de diferentes formas de organização, de um lado sociedades segundo modêlos associativos do século XIX e práticas educativas em escolas, de outro sobretudo por grupos remontantes a antigas corporações e guildas.


As interações entre as duas formas de estruturação podiam ser observadas, com diferentes pesos, tanto em contextos nos quais predominam sociedades com estatutos, diretorias e cargos administrativos , como naqueles onde ainda predominam formas sociais mais antigas de guildas e corporações. Indagava-se se essa situação constatada na Alemanha entre o carnaval do Reno e aquele suábio-alemão, no qual a coexistência dos dois tipos organizativos se manifesta sobretudo em Freiburg i.Br., também poderia ser registrada no Brasil, possibilitando, assim, novas perspectivas para a análise do carnaval brasileiro.


Em Freiburg atuam ainda mais de três dezenas de guildas, que por sua vez se integram numa organização-teto de folgazões ou palhaços/bobos (Breisgauer Narrenzunft Freiburg). Essas considerações de 1981 foram retomadas agora em observações realizadas em Freiburg i.Br., procurando-se constatar se houve mudanças sensíveis nas interações entre as duas formas de organização e formas de expressão, supondo-se um aumento do predomínio do tipo renano e uma internacionalização com provável influência do carnaval do Rio de Janeiro.


A atenção foi dirigida sobretudo à permanência de antigas formas de expressão e costumes, mais reveladores de elos com o edifício da linguagem simbólica de antiga proveniência.


A coexistência de diferentes expressões pôde ser registrada também sob o aspecto musical: ao lado de bandas com instrumentos modernos e repertório popular internacional, constatou-se a presença de instrumentos conhecidos de antigos documentos da organologia e simbolismo instrumental. Entre estes, salienta o Schalmei (Charamela), instrumento que dá até mesmo o nome a um grupo de Baden, a Badische Schalmeienkapelle Freiburg. O nome Schalmei (e também Pommern) é conhecido hoje no Brasil sobretudo em grupos de música antiga. Trata-se, aqui, porém, de um instrumento que apenas no nome - e pelo que tudo indica na sua função e simbolismo - se relaciona com o antigo instrumento de sôpro de madeira de palheta dupla. O instrumento usado é o „Martinstrompete", desenvolvido apenas no início do século XX, de metal, constituído de um conjunto de 5 a 6 buzinas. Desde o início do século, foi usado antes como instrumento sinalizador, não só em buzinas de automóveis como também em agrupamentos de guardas, bombeiros e operários.


Ter-se-ia, aqui, portanto, relações entre a buzina no carnaval nos seus elos com uma forma de organização social recente e o instrumento dos antigos charameleiros. Nessa transformação, função e sentidos remontariam a contextos históricos de remoto passado e inscritos no sistema da linguagem simbólica proveniente de remotas eras.




16.02.2016

Homberg/Württemberg. O desfile de tochas no Entrudo (Fastnacht) da Floresta Negra. Carnaval suábio-alemânico/Brasil. Um dos pontos altos do carnaval suábio-alemânico é o cortejo noturno de mascarados à luz de tochas na cidade de Homberg, no centro da Floresta Negra, próxima a um dos maiores parques naturais da Alemanha. 


Antigas tradições puderam ali se manter, manifestando, com as suas muitas e grandes corporações e associações grande vitalidade no presente. Esse fato permite o estudo de expressões e concepções que auxiliam também a compreensão de festividades tradicionais de outras regiões do mundo, também do Brasil.


A cidade é conhecida sobretudo por um fato histórico que marcou a sua imagem e o próprio folclore alemão. Em remoto passado, a população esperando a visita do soberano, interpretou errôneamente sinais de sua aproximação, gastando toda a pólvora que possuia para recebê-lo. Esse fato, representado anualmente em encenações festivas, mantém-se em popular ditado também em outras regiões da Alemanha no sentido genérico do „gastar pólvora“ ou „fazer fumo“ sem sentido ou sem atingir o objetivo esperado.


As festividades do Entrudo começam na quinta-feira que antecede a semana do início do período de jejum da quarta-feira de cinzas. Era o último dia em que se dava a matança de animais e se comia carne. Esse fato manifesta-se no nome ambivalente da quinta-feira de carnaval, qualificada tanto como „gorda“ como „engordurada“, „enlabuzada“ ou „suja“ (Schmotiziger Donnerstag).


Ponto alto das festas em Homberg é o cortejo noturno à luz de tochas que percorre as ruas da antiga cidade no sábado à noite e no qual participam numerosos grupos e bandas musicais. Como em outras localidades, (Veja notícia anterior) predominam aqui bruxas - ou a „Velha“ em geral - assim como figuras de diabos e seres com características demoníacas, representando cenas jocoso-grotescas.


Nas trocas-de-idéias com estudiosos de tradições populares de outras regiões da Alemanha ali presentes foram considerados, apesar de todas as diferenças, traços comuns com expressões tradicionais conhecidas de Portugal e do Brasil, assim como o seu sentido no ano natural e religioso do hemisfério norte transferido para as regiões sub-equatoriais com a colonização.




15.02.2016

Donaueschingen. Bruxas, o fogo das bruxas e o baile das bruxas no carnaval da Floresta Negra. A cidade de Donaueschingen, no Estado alemão de Baden-Württemberg, foi um dos principais centros de tradições de Entrudo ou Carnaval suábio-alemânico visitados em ciclo  recentemente realizado por pesquisaores da A.B.E. (Veja notícia anterior).


A cidade já fora alvo de várias visitas anteriores, sobretudo pelo fato de ser centro de significado internacional para a música contemporânea com as suas Jornadas de Música (Donaueschinger Musiktage).


Para os estudos comparados de tradições em relações Brasil-Alemanha, Donaueschingen distingue-se pelas particularidades das suas expressões de Entrudo (Fasching) e pela intensidade com que as festividades são celebradas, com a participação de numerosas comunidades e escolas.


Mais do que qualquer outro centro de tradições carnavalísticas da Floresta Negra, Donaueschingen traz à luz o significado da figura da bruxa, da „Velha“ em geral e da palha na linguagem visual do período de inverno europeu, assim como o de seus sentidos mais profundos no ano religioso.


Em grande número, folgazões de todas as idades, sobretudo jovens e crianças, apresentam-se fantasiados de bruxas, com trajes e atributos adequados, tais como vassouras. Também os homens apresentam-se com saias, blusas, xales e lenços de cabeça de mulheres de idade do passado, mais ou menos uniformes, com chinelos e meias de lã.


Talvez resida o particular significado do símbolo da velha bruxa em Donaueschingen no fato de ser a cidade local da fonte na qual nasce o rio Danúbio. Tanto para a terra da qual emerge como o próprio rio possuem conotações femininas, de mãe e filha, como representado na fonte monumental junto ao palácio de Fürstenberg junto ao centro da cidade. Haveria, assim, relações fundamentais com os elementos.


Na interpretação convencional, esses elos com o mundo natural são reconhecidos na explicação de que aqui se trata de uma despedida do inverno. O significado da palha na linguagem visual necessita aqui, porém, ser considerado com maior atenção. Ruas e praças principais de Donaueschingen se apresentam - como em outras localidades - enfeitadas com montes e feixes de palha, alguns em forma de homúnculos, outros de vassouras ou em outros arranjos decorativos.


Um dos grandes cortejos das festividades de rua tem lugar na sexta-feira à noite, partindo de fonte nos altos da cidade, marcada esta por plástica que representa um folgazão masculino/feminino em trajes medievais.


O ponto alto desse desfile de bruxas e outras figuras fantasmagóricas  dá-se com a queima de grande monte de palha na região mais baixa da cidade. Acendendo-se o fogaréu com apresentações, música e distes jocosos, este, ao arrefecer-se, é transpassado pelas bruxas que simulam vôos.


No Baile das Bruxas, onde, na sala de convenções que é antes internacionalmente conhecida pelas apresentações de música nova, constata-se a presença predominante de jovens e crianças, assim como do cultivo das tradições nas escolas e associações, o que indica a vitalidade dos costumes. Nessa ocasião, considerou-se pontos em comum na linguagem simbólica com tradições do mundo português e brasileiro, apesar das diferenças desse carnaval de Donaueschingen com as manifestações mais conhecidas do Brasil.


Considerou-se, também, que não só continuidades seculares, mas também a ação de tradicionalistas de fins do século XIX e início do XX levaram à retomada de expressões medievais na revitalização do carnaval.






14.02.2016

Baden-Württemberg/Floresta Negra. Tradições de carnaval suábio-alemânico (Fastnacht) e o carnaval do Brasil. Efetivando o ciclo de estudos de tradições carnavalísticas em relações Alemanha-Brasil 2015, aberto no castelo/museu de Nürmbrecht (Veja notícia anterior), realizaram-se sessões promovidas pela A.B.E. em diferentes cidades do sul da Alemanha, nos estados de Baden-Württemberg e Baviera.


Os trabalhos concentraram-se sobretudo em localidades da Floresta Negra, considerando-se em particular costumes e expressões tradicionais de Donaueschingen, Bräunlingen, Freiburg i. Br., Hornberg, Villingen e Rottweil.


O carnaval suábio-alemanico difere sob diferentes aspectos do carnaval de outras regiões conhecidas pelas festividades da Alemanha, cujos grandes centros são Colonia e Mainz/Mogúncia.


Nos estudos de Folclore e Estudos Culturais em geral desenvolvidos desde a década de 70 em cooperação com a Associação Brasileira de Folclore, o carnaval no contexto Brasil-Alemanha foi tratado comparativamente sob diversos aspectos. A atual viagem de pesquisaores da A.B.E. teve como objetivo atualizar conhecimentos da situação atual do carnaval à luz de acontecimentos político-culturais da atualidade e do desenvolvimento dos estudos.


Tendo sido até hoje mais considerado o carnaval renano, a atenção foi agora dirigida à região do sudoeste alemão e Suíça. A inscrição do carnaval suábio-alemânico no registro de bens culturais imateriais da Alemanha, em fins de 2014, foi motivo da realização desse ciclo de estudos euro-brasileiros.


A celebração da „Fasching“ nessa área distingue-se daquela de outros grandes centros carnavalísticos alemães, europeus e, naturalmente, do Brasil, levantando muitas questões quanto a razões dessas diferenças e a traços comuns. Ela oferece, porém, com as suas características distintivas, possibilidades de compreensão de expressões musicais tradicionais que também se registram em outras regiões da Europa e do Brasil, submersas na visão do carnaval como se apresenta e como é divulgado no presente, por exemplo no Rio de Janeiro.


O pesquisador, ao observar os costumes suábio-alemânicos nas suas próprias regiões, surpreende-se em vivenciar uma atmosfera que, apesar da alegria - quase que inocente e sem implicações eróticas -., transpira introspecção e conteúdos simbólicos profundos rlacionados com a època invernal do mundo natural e seus sentidos antropológico-culturais.


A figura da Velha e, em menor escala, do Velho, surgem como centrais. Delas deriva a constante presença da bruxa, que determina o carnaval de várias comunidades. Os costumes e as máscaras dos participantes dos grupos representam por vezes figuras tradicionais locais, conhecidas por nomes, esperadas, reconhecidas e apreciadas pelos habitantes. São  designadas como „larvas“ ou „sombras“. Aquele que as encena desaparece como indivíduo por detrás das máscaras de madeira e das roupagens tradicionais, muitas delas históricas, transmitidas através de gerações. Os próprios folgazões designam-se como bobos ou palhaços „portadores da roupagem“. Em alguns locais, centenas de mascarados, de todas as idades, organizam-se em comunidades e associações, - também em escolas -, que constituem fundamental elemento da estrutura da vida sócio-cultural comunitária.  Entre outros tipos, distinguem-se aqueles dos „selvagens“ e outros personagens com vestimentas e coberturas de palha, fato de interesse, uma vez que essa linguagem visual também pode ser registrada na tradição brasileira.


Algumas das características distintivas nas diferentes cidades serão brevemente relatadas em notícias subsequentes.




31.01.2016

Schloss Homburg/Museu e Forum. O Clássico, o Exótico e o Carnaval. Realizou-se, no auditório do Museu e Forum do castelo de Homburg, na cidade alemã de Nümbrecht, o concerto/conferência opus 14 de título „ex oriente Jux!“ da Camarata Carnaval sob a direção de Burkard Sondermeier, um evento de significado para todos os países com grande tradição carnavalística, como o Brasil.


A realização do programa exigiu pormenorizadas pesquisas, tendo-se apresentado obras raras de diferentes épocas, gêneros e países, relacionando-se obras do repertório clássico e da tradição popular.
Na sua concepção, o evento correspondeu a um „pasticcio“ da tradição de concertos de época do Carnaval de Veneza de séculos passados.


Levantou-se, de início, a questão: „como poderia ter soado o carnaval se este tivesse sido festejado em países como a China, o Egito, o Usbequistão, a Turiquia, a Arábia ou a Pérsia, e como foram esses países considerados na música para carnaval do Ocidente`?


Essa questão foi tratada em composições de Jacques Offenbach, André Ernest Modeste Grétry, Alexandre Luigini, Leo A. La Putin e outros. Diferentes formas do exótico no carnaval europeu e do carnaval em regiões exóticas foram apresentadas em conjunto instrumental singular, que inclui flauta, flautim, clarinetas, clarineta baixo, saxofone alto, realejo, piano, xilofone e um órgão a manivela especialmente construído para o conjunto.


Uma particular atenção foi dada ao carnaval da Renânia e sua irradiação na imigração alemã do Novo Mundo. Paralelamente, considerou-se textos literários referentes ao Carnaval, assim como tradições orais em dialetos. Nas pesquisas, Sondermeier emprestou atenção também a composições tematicamente afins, entre outros de Franz Schubert, Joseph Haydn e Claude Debussy. Do repertório de salão e de teatro de revista foram apresentadas várias peças, entre elas de Louis Lefebure-Wely, compositor francês hoje caído em esquecimento, também conhecido no Brasil do passado. Do repertório latinoamericano, executou-se o tango „Carnaval en Paris“.


Com reflexões motivadas por esse evento deu-se início a ciclo de estudos euro-brasileiros relativos ao carnaval que se realizará nos próximos dias em regiões da Floresta Negra, do Allgäu, da Baviera e do Tirol. Tradições específicas de diferentes localidades serão observadas e comparadas com expressões tradicionais do Brasil.




28.01.2016

Bonn. Nova edição da revista Humboldtkosmos. A fundação Alexander von Humboldt lançou o número 105 da sua revista bilingual Humboldtkosmos, de título „encontro de gerações - como se modifica a vida de pesquisadores“. No seu editorial, o redator-chefe menciona resultados de um inquérito entre jovens cientistas. Perspectivas inseguras de trabalho, problemas para coadunar pesquisa e vida familiar e poucas possibilidades de promoção frustram doutorandos, pós-doutorandos e jovens professores. A publicação procura, assim, mostrar como a profissão do pesquisador  se modificou. O que é que fascina aquele que pesquisa, e o que é que faz com que a profissão se torne em pesadelo? O que os jovens pesquisadores esperam dos mais velhos, e vice-versa? É difícil comparar a situação de pesquisadores nos vários países, uma vez que as diferenças entre disciplinas e sistemas são grandes demais. Subsídios para isso oferece um estudo internacional da Global Young Academy.  Essa instituição foi fundada em 2010 em Berlim e oferece um forum a jovens pesquisadores. A ela pertencem ca. de 200 membros de 58 países, também do Brasil. No caderno, o leitor encontra textos da especialista em química eletrotêcnica Dr. Yan Yu, que desde 2012  dirige um grupo de pesquisas em Stuttgart como portadora do prêmio Sofja Kovalevskaja. Entre outras personalidades consideradas: Prof. Dr. M. Diehl, da Colorado State university in Fort Collins USA, que colabora com a universidade de Heidelberg; Dr. V. Kanagaraj, do Technion-Israel Institute of Technology em Haifa, Israel, que trabalha na Universidade Técnica de Dresden; Dr. M. A. Khanfar, da University of Jordan in Amman, Jordania, que, com o Prêmio Georg Foster, trabalha no Instituto de Farmácia da Universidade de Düsseldorf e Dr. A. Prendergast, da University of Cambridge, que trabalha na Universidade de Mainz. Em outros artigos, salienta-se que os pesquisadores hoje são tão flexiveis e bem formados como nunca, e nunca houve tantas chances. Os jovens, porém, encontram-se numa roda viva: precisam estar presentes em conferências, fazer requerimentos, orientar estudantes, publicar, sempre sem saber se fazem o suficiente. Os papéis se modificaram: também homens se preocupam hoje com a questão da coadunação de pesquisa com a família. Uma entrevista com Eva Chaval Landau lembra que foram cientistas os primeiros que ajudaram a reconstruir relações internacionais com Israel após a Segunda Guerra.




27.01..2016

São Gonçalo/RJ. Projeto sócio-cultural „Batucada Gurizada“. Jacqueline Ferreira da Silva,do curso superior de música da Faculdade Claretiano, SP, comunica desenvolver um projeto sócio-cultural por ela criado e coordenado com a finalidade de afastar as crianças e jovens das ruas. Procura alcançar esse objetivo através de oficinas de percussão.


Com a vivência de conjunto e comunidade através da prática rítmica, pretende-se que os menores ganhem incentivos e energia para a procura de um futuro melhor. Os participantes são norteados a que se dediquem aos estudos em busca de realizações pessoais e culturais. O projeto „Batucada Gurizada“ é inserido em outros projetos sociais do Município de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Nele estão inscritas muitas crianças, havendo necessidade de dinheiro para financiar os custos básicos. Procura-se, assim, apoios e auxílios do Brasil e do Exterior:jacobatau@yahoo.com.br.




26.01.2016

Gummersbach. „Magia della Chitarra“ - Brasil na música de instrumentistas alemães de violão acústico: Peter Finger. Dando continuidade a estudos de processos culturais em relações euro-brasileiras relativos a instrumentos de corda dedilhados, por último tratados no caso da harpa e da cítara alpina (Veja notícias anteriores),. reconsiderou-se novamente o violão.


Esse instrumento foi já em diversas ocasiões alvo de estudos e debates em cursos, seminários e eventos vários, assim como de recitas em programas complementares organizados pelo ISMPS e pela ABE.


Tendo sido agora precedidos por trabalhos relativos a instrumentos como a harpa e a cítara nas suas relações entre a música tradicional e popular da Europa Central e a história de processos culturais no Brasil - e na América Latina em geral -, o debate passa a ser conduzido sob novas perspectivas.


Significativos impulsos s são oferecidos pela série „Magia della Chitarra“, uma série de recitais organizados pela Halle 32, uma nova sala de eventos criada em antigas dependências fabrís em areal reurbanizado de Gummersbach, Reno do Norte/Vestfália, cidade em que se encontra o Centro de Estudos Brasil-Europa.


No dia 23 de Janeiro ali teve lugar uma apresentação dos violonistas Werner Lämmerhirt e Peter Finger, músicos que representam distintos caminhos da prática do instrumento e da criação musical de violonistas do presente no campo de interações entre o erudito e o popular.


Em ambos os casos constatou-se a influência de rítmos, melodias e elementos formais da música do Brasil.


Sobretudo Peter Finger, de tradicional família de músicos e portador de sólida formação musical, demonstrou nas suas obras o papel que desempenha a cultura musical de países extra-europeus onde atuou, tendo salientado o Madagascar e o Brasil.


Para além da sua reelaboração criativa de elementos musicais malgaches - um dos pontos culminantes de sua apresentação - Peter Finger referiu-se à sua tournée pelo Brasil como momento significativo na sua prática violonista através do contato e do diálogo com violonistas brasileiros, que salientou como sendo extraordinários.


Presente hoje na intensiva programação para „guitarra acústica“ em várias cidades alemãs, o seu nome surge como indicativo de um atual interesse por transposição de fronteiras manifestado no jôgo de palavras: pulos de lado e pulos de cordas (Saitensprüngen, Seitensprüngen). Peter Finger publica a revista „Akustik Gitarre“ e é fundador da marca „Acoustic Music Records“.




25.01.2016

Darmstadt. Filosofia, Praxis, Psicologia Cultural e problemas de imitação e plágio. Trabalhos na cidade da „Escola da Sabedoria“ - a „Cidade da Ciência“. Dando continuidade ao debate relatado na última edição da Revista Brasil-Europa, realizaram-se trabalhos da organização Brasil-Europa na cidade de Darmstadt,  cidade de Hessen que abriga o Instituto de Filosofia sucessor da „Escola da Sabedoria“ do conde H. Keyserling. (Veja)


Este pensador, autor das „Meditações Sulamericanas“, de fundamental relevância para a história da instituição, viveu e atuou em Darmstadt. A correspondência fomentada pela publicação de textos na revista, que não deixou de ter aspectos polêmicos, foi considerada e discutida nos trabalhos desenvolvidos neste principal centro de sua atuação.


No centro das atenções esteve, compreensivelmente, a crítica de Keyserling da tendência a imitações e plágios na América do Sul, em particular no Brasil, o que êle explicou através da predominância da GANA e, assim como sintoma de inferior nível de cultura e evolução humana.


Isso diria respeito sobretudo a regiões marcada por complexos processos identificatórios e de intensos anelos de auto-afirmação desencadeados pela imigração. Tratar-se-ia, assim de uma problemática psicológico-cultural que atingiria sobretudo Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e outros de passado imigratório do Brasil.


A designação de „Cidade da Ciência“ para Darmstadt explica-se pela Universidade Técnica e outras escolas superiores, ali fundadas já em 1877. Para os estudos culturais, assume particular significado o fato de ter sido Darmstadt sede de uma Colonia de Artistas criada pelo Grão-Duque Ernst Ludwig (1868-1937) em 1899 no bairro de Mathildenhöhe, situado em região elevada da cidade. Como centro do Art Nouveau/Jugendstil, Darmstadt adquire significado também para o complexo temático tratado na atual edição da revista Brasil-Europa, uma vez que aqui se considera outra cidade marcada pelo Art Nouveau/Liberty da Belle Epoque: Turim, no Piemonte. (Veja)


A cidade de Darmstadt é de significado para o estudo de relações internacionais no âmbito da música contemporânea. Ali se encontram o Instituto de Música Internacional de Darmstadt, a Academia da Arte do Som, e o Instituto de Jazz, sediando também os cursos internacionais de Música Nova, frequentados por vários brasileiros. Ali lembrou-se do recém-falecido compositor Gilberto Mendes, cujas concepções e obra foram influenciadas pelos seus contatos com Darmstadt. (Veja notícia)


Nos altos de Mathilde, marcados pelo Art Nouveau, encontram-se também importante centro de estudos de Germanística: a Academia Alemã de Língua e Poesia.


Do ponto de vista da arquitetura de paisagens, distingue-se o parque dos altos das rosas - Rosenhöhe, com uma catedral de rosas, dialogando com as construções Art Nouveau dos altos de Mathildenhöhe com a sua torre nupcial. O parque, com árvores exóticas, foi instalado em 1810. Ali se encontram os mausoleus da família ducal. O velho mausoleu é inspirado no de Galla Placidia em Ravenna, o que vem de encontro ao tema tratado na atual edição da revista, dedicado a interações entre as esferas de língua alemã e italiana na história e suas repercussões no Brasil. (Veja)


Nesses altos, nas proximidades do Rosarium, encontra-se a via que traz o nome de Hermann Keyserling, o autor que tanto considerou o Brasil nos seus trabalhos na „Escola da Sabedoria.“






15.01.2016

Kochel am See. Encontro com o citarista Michael Bissinger. Houve no período natalino de 2015, mais um momento significativo no estudo comparado da música instrumental centro-européia e música em processos histórico-culturais relacionados com o Brasil. Em encontro na Alta Baviera com um dos mais destacados citaristas da região alpina, Michael Bissinger, trocou-se idéias a respeito da prática atual da cítara e instrumentos similares na Alemanha da atualidade e das perspectivas para o seu futuro.


Lembrou-se, na ocasião, que a cítara vem sendo objeto de atenção no âmbito o programa de estudos culturais euro-brasileiros. Inicialmente considerada como um dos instrumentos levados nos séculos XVII/XVIII às missões sulamericanas por Jesuítas do Tirol -.ou da esfera austríaco-sulalemã em geral -, onde o aprendizado instrumental passou a constituir importante fator na transformação cultural indígena, os estudos desenvolveram-se em diferentes sentidos.


Em diferentes ocasiões, tratou-se sobretudo da harpa, uma vez que esta determinou de forma mais evidente a música paraguaia. Recentemente, como relatado , a questão foi discutida com músicos paraguaios que se empenham pela valorização do instrumento também na Europa e no Brasil. (Veja notícias anteriores)


Michael Bissinger (*1958) iniciou os seus estudos de cítara com apenas seis anos, concomitantemente com Glasl Georg, orientado pelo pai deste último, cultivador da tradição citarística bávara. Com Glasl - hoje pedagogo e músico de câmara - formou o Duo de Cítara de Kochel. Esse duo alcançou prêmios em concursos de juventude, apresentando-se em concertos e em emissoras. Após o serviço militar e estudos de Economia, Bissinger, em 1979, passou a dedicar-se totalmente à música, em particular à cítara, sua valorização e difusão.


Ampliou o repertório, até então sobretudo de peças tradicionais do folclore bávaro, incluindo música apta a despertar a atenção de público mais amplo e jovem. Sem considerar restrições de estilos, do que „não se deve tocar na cítara“, passou a incluir obras clássicas, além de jazz e música popular internacional. As suas atuações ultrapassaram de muito as fronteiras da Baviera, apresentando-se em Ministérios, firmas ou festas familiares, também no Exterior, em particular em países árabes.


Para essa valorização da cítara, uma especial atenção deve ser dada ao aperfeiçoamento técnico da sua construção. Como é em geral de madeira, e o trabalho em madeira não tem exatidão milimétrica, esse instrumento raramente é construido com precisão. Um grande passo na melhoria qualitativa do instrumento e sua sonoridade deu-se com o trabalho de Helmut Haslinger, especialista em metal. Em trabalho conjunto, conseguiu-se desenvolver uma cítara otimizada, até hoje utilizada, sendo seguida por outros modêlos. O repertório diversificado de Bissinger pode ser constatado em vários de seus CDs-. Estes incluem, entre outras peças do repertório popular internacional, salientando-se o  Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). Da tradição alemã, também conhecida no Brasil, inclui, e.o. „Die Singende Zither“, „Tölzer Schützenmarsch“, „Wien bleibt Wien“; „Zillertaler Hochzeitsmarsch“ e „Cafe Mozart Walzer“. Para as festas natalinas, Bissinger gravou um CD com obras de diferentes épocas e gêneros relacionadas com o presépio (Weihnachtsmelodien im Zitherklang).


No encontro, entre outras peças, Bissinger executou o Prelúdio I do „Cravo bem temperado“ de J. S. Bach, demonstrando as possibilidades do instrumento por êle utilizado. Nas trocas de idéias, manifestou a sua preocupação pelo futuro do instrumento, uma vez que o número de aprendizes torna-se cada vez mais reduzido. Seria muito desejável se este grande citarista pudesse realizar uma tournée pelo Brasil, em particular nas regiões marcadas pela imigração alemã do passado.




11.01.2016

Klösterl da Diocese Augsburg. Baviera Superior. Andanças e cortejos com tochas na época de Natal e Ano Novo na Alemanha e Áustria em paralelos com tradições brasileiras. Em muitas cidades da Europa Central realizam-se à época do inverno cortejos e perambulações vespertinos ou noturnos em grupos à luz de tochas por centros históricos e ou através de florestas e campos (Fackelwanderungen, Fackelzüge).


Esses cortejos podem ter intenções múltiplas, incluindo visita a edifícios históricos, com explanações, fogueiras no seu término, com bebidas e vinho-quente e diferentes formas de confraternização. Para além desses objetivos temáticos, o interesse que despertam esses passeios em grupo, sobretudo para famílias com crianças, reside na vivência do espaço urbano e sobretudo da natureza à luz do fogo.


Em época de frio e neve, a luz das chamas faz com que a escuridão do mundo envolvente surja como particularmente tenebrosa. Já essa sensação do percorrer as trevas carregando a tocha de fogo que irradia luz torna compreensível a carga simbóiica dessas práticas tradicionais e a possibilidade de suas interpretações e implicações em diferentes sentidos. A maior parte das perambulações com tochas que hoje se realizam são na sua maior parte sem sentidos religiosos expressos e muito menos políticos, mas a vivência da natureza assim iluminada pelas tochas continua a ser sentida como profunda, mesmo sem interpretações verbalizadas.


A participação de membros da A.B.E. num desses cortejos de tochas a centro de formação juvenil em antigo conventículo mantido pela diocese de Ausgsburg às margens do lago de Walchensee em Kochel am See teve como objetivo tecer comparações com práticas do Brasil e procurar fundamentos comuns de tradições apesar dos diferentes contextos culturais.


Para um observador externo, cortejos noturnos de tochas trazem primeiramente à lembrança atemorizadoras imagens do passado político do nacionalsocialismo e outros regimes autoritários. Esquece-se, porém, que essas paradas de militantes portando tochas que irradiam luz - fachos - foram instrumentalizações políticas de práticas já existentes, não só no âmbito do movimento socialista, mas também e sobretudo daquelas de sentido religioso das tradições católicas e, de forma já secularizada, da romântica juvenil de acampamentos e de escotismo. A sua instrumentalização política serviu assim compreensivelmente sobretudo para o aliciamento emocional de jovens para fins partidários.


O observador brasileiro surpreende-se de início com a atualidade dessas caminhadas noturnas com tochas nos países de língua alemã por não se lembrar de similares práticas em tal intensidade nas regiões marcadas pela colonização centro-européia no Brasil.


Como entoado até hoje em cantos tradicionais em regiões colonizadas por imigrantes de língua alemã e em escolas no Brasil, „ das Wandern“, a prática do andar, passear, percorrer e o perambular em grupo continua a ser lembrada como um dos mais característicos traços culturais alemães no país.


Ainda que das fontes e dos costumes atuais possa-se constatar a permanência e até mesmo um novo interesse por caminhadas e andanças, o Brasil não possui, como na Europa, uma rêde ampla e abrangente de trilhas para andarilhos pelas matas e pelos campos, com infra-estrutura, indicações de direção, distância, atalhos, etc..O pedestrianismo propagado quase que como atividade esportiva de revitalização de forças e espairecimento por aficcionados já na primeira metade do século XX não chegou a implantar em escala comparável tal prática no Brasil.


A prática de cortejos, caminhadas e perambulações, porém, não é elemento estranho na cultura tradicional do Brasil remontante à sua formação colonial pelos portugueses. Ela se encontra presente em numerosas expressões relacionadas com os ciclos do ano religioso, podendo-se lembrar das andanças de grupos de folias de Reis ou de determinados santos que percorrem ruas e regiões rurais, visitando casas, ou, sobretudo, de caminhadas do Divino.


O estudo de práticas vivas no Brasil pode, até mesmo, contribuir ao estudo dos fundamentos e sentidos das Wanderungen hoje em geral secularizadas dos países de língua alemã do presente. Assim, as caminhadas do Divino, lembrando práticas similares da época de Pentecostes na Europa, trazem à consciência o significado hoje esquecido do fogo do Espírito Santo na linguagem simbólica das perambulações com tochas.


Se a análise de tradições brasileiras pode contribuir ao entendimento das Fackelwanderungen, o contrário também vale. A vivência física e emocional do carregar fogo nas trevas no frio de matas cobertas de neve contribui com maior intensidade à compreensão de sentidos de práticas  do que em regiões abaixo do Equador, onde as práticas religiosas se encontram deslocadas com relação ao mundo natural. Carregar tochas que irradiam calor e luz em noites quentes de verão não faz, de fato, muito sentido relativamente ao percebido na natureza envolvente.




10.01.2016

Lisboa. Curso de Língua e Cultura Chinesas 2016. Terá início, no dia 13 de fevereiro, curso de língua e cultura chinesas do Centro Científico e Cultural de Macau, I.P., Rua da Junqueira 30, Lisboa. O curso é constituído por 6 módulos, incluindo um módulo de tradução e interpretação. Este módulo de tradução e interpretação é aberto ao público em geral que já possua uma base na língua chinesa. Cada módulo tem a duração de 4 meses, num total de 34 horas.


Os objetivos do empreendimento é possibilitar a comunicação oral e escrita em chinês (Mandarim), assim como a compreensão da cultura e mentalidade chinesas através da língua.


Os seus destinatários são pessoas maiores de 15 anos, investigadores das áreas cultural, linguística e das ciências. As aulas serão realizadas aos sábados, no período da manhã, abrangendo 17 semanas.


O programa oferece uma introdução à lingua chinesa com a aprendizagem da fonética e dos caracteres, assim como uma abordagem de temas da cultura chinesa e da vida quotidiana.


Professores do curso são Wang Suoying e Lu Yanbin. No final de cada módulo é atribuído certificado de frequência. (Enio Souza)




09.01.2016

Santos/SP. Falecimento do compositor Gilberto Mendes (1922-2016). A Ir.Miria Kolling (Santos) comunica o falecimento de Gilberto Mendes, ocorrido no dia 1 de janeiro. Despede-se, assim, uma personalidade que foi de grande significado no processo estético e cultural renovador desde os anos 60.  Gilberto Mendes foi estreitamente relacionado com o movimento que levou à fundação da sociedade Nova Difusão Musical, em 1968, e, assim, à atual organização de estudos de processos culturais em relações internacionais - A.B.E..


Vários foram os encontros com Gilberto Mendes nesses anos de debates relativos ao direcionamento da atenção a processos e processualidades nos estudos músico-culturais, à transpassagens de esferas ou compartimentos categorizados da cultura, do erudito e popular e a procedimentos inter- e metadisciplinares. Significativamente, o seu nome, assim como o de Willy Correa de Oliveira, foi escolhido para designar uma das salas de conservatório onde se instalou a sede da Nova Difusão.


Obras suas - em particular „Beba coca-cola“ (1967),  com texto de Décio Pignatari (1927-2012) - foram apresentadas em concertos da Nova Difusão, e incluídas na série „Nova Musica Brasileira“ (Blirium C9, Ricordi), organizada por P. A. de Moura Ferreira.


Como o termo dessa série indica, o conceito de „música nova“ - e o do „novo“ - foi condutor no espectro de tendências renovadoras da época. O termo marcava o grupo Música Nova, de Santos, assim como o Manifesto Música Nova e o Festival Música Nova, reunindo, ao lado de Gilberto Mendes e o cidade W. C. de Oliveira, músicos como Rogério Duprat, Damiano Cozzela e Júlio Medaglia. 


Como lembrado no atual número da revista Brasil-Europa , tratou-se no emprêgo desse termo de recepção de tendências do pensamento e da criação de Darmstadt, centro de irradiação internacional de novas concepções e práticas criadoras com o seu instituto e cursos de férias. (Veja)


Gilberto Mendes, que havia estudado composição com Cláudio Santoro (1919-1989), em 1954, participou como bolsistas dos cursos de férias de Darmstadt entre 1962 e 1968. O movimento Música Nova no Brasil, no qual Gilberto Mendes surge sob muitos aspectos como figura de liderança, foi, assim, estreitamente vinculado a processos do contexto cultural alemão. Esses elos manifestaram-se também no Madrigal Ars Viva de Santos, através da personalidade de Klaus-Dieter Wolff.


É essa relação com a renovação musical alemã após a Segunda Guerra, que retomou processo interrompido na época do Nacionalsocialismo, é que permite compreender que um músico como Gilberto Mendes, que obtivera die incio uma formação antes conservadora - fora aluno de Savino de Benedictis (1883-1971) no Conservatório Musical de Santos - se tornasse um dos principais nomes da vanguarda no Brasil.


Consequentemente, Gilberto Mendes foi repetidamente considerado em eventos internacionais  realizados no âmbito do programa de interações euro-brasileiras, como no simpósio internacional levado a efeito em S. Paulo, em 1981. Neste último, Gilberto Mendes esteve representado pelo Madrigal Ars Viva de Santos, sob a regência de Roberto Martins. (Veja)


Questões estéticas e teórico-culturais da obra do pensamento e da obra Gilberto Mendes foram alvo de debates em seminários e cursos em universidades alemãs, lembrando-se aqui em especial daquele dedicado à música e urbanismo da Universidade de Bonn, em 2003.




09.01.2016

Innsbruck/Áustria. Início dos estudos Áustria-Itália-Brasil de 2016 na capital do Tirol. Se escolheu-se Munique e o vizinho lago de Starnberg para marcar o início dos estudos Brasil-Alemanha pela A.B.E. do corrente ano (Veja notícias anteriores), escolheu-se a cidade austríaca da Innsbruck como ponto de partida e referencial dos programas euro-brasileiros dedicados à Áustria e à Itália.


Salientou-se, assim, o estreito relacionamento dos estudos dos respectivos contextos, que ultrapassam aqueles expressos em binômios bi-laterais e as interações entre as esferas de língua e cultura alemã e italiana nessa região da Europa nas suas implicações para o Brasil. Também em Innsbruck trouxe-se à consciência que os estudos assim compreendidos, transpassadores de fronteiras e de esferas de idioma, não devem delimitar-se a determinadas esferas da cultura, do tradicional, folclórico, popular ou erudito, mas também aqui transpassar fronteiras em perspectivas inter-e transdisciplinares.


Sob o aspecto do estudo empírico de expressões tradicionais,  atentou-se à „entrada do Cristo menino“ (Innsbrucker Christkindleinzug), no domingo, dia 20 de Dezembro, das 17 às 18 horas. O cortejo teve início no monumental Portão do Triunfo, passando a seguir pela Casa do Conselho, pela praça do mercado e terminando no Teatro de Estado. Procurou-se analisar essa tradicional „entrada“ com outras tradições natalinas conhecidas da Europa e do Brasil.


O cortejo foi precedido, no dia 19, pela execução do Oratório de Natal de J. S. Bach na Basílica pelo coro e solistas da Academia Jacobus Stainar sob a direção de Johannes Stecher.


A principal razão que justifica a escolha de Innsbruck para o início desses estudos é de que a capital do Tirol austríaco, embora marcada pela cultura e pela língua alemã, é como poucas procurada por italianos, em particular do Norte da Itália, o que não deixa de refletir-se na sua vida social e cultural. O italiano encontra-se presente nas casas de comércio e, nas ruas, quase que não se houve outro idioma.


A retomada da atenção a Innsbruck deu-se no âmbito dos trabalhos dedicados às „Meditações Sulamericanas“ de Hermann Keyserling, relatados na atual edição da Revista Brasil-Europa. (Veja). Com a destruição da „Escola da Sabedoria“ em Darmstadt, no fim da Segunda Guerra, a instituição mudou-se para Innsbruck, ali permanecendo até o seu retorno a Darmstadt. Surgiu, assim, com a publicação da edição, que se revitasse as duas cidades: a alemã Darmstadt e a austríaca Innsbruck.


O principal empreendimento cultural de Innsbruck de projeção internacional na atualidade é o da construção da nova Casa da Música de Innsbruck. Essa nova construção, no centro monumental da cidade, à frente do palácio, deve reunir sob o seu teto diversas instituições culturais e centros de formação musical, incluindo auditórios, salas para ensaios e seminários, biblioteca comum, teatro e gastronomia. Ali estarão representadas, a partir de 2018, a orquestra sinfônica do Tirol de Innsbruck, teatros de câmara, o conservatório do Tirol, o Instituto de Musicologia, a Universidade Mozarteum, as semanas festivas de música antiga de Innsbruck, a sociedade de música popular do Tirol, a liga de bandas do Tirol e a liga de cantores do Tirol.


O moto que permite uma aproximação à concepção altamente avançada da arquitetura é a de que nela „a música se transforma em espaço“.


A entrada de ano em Innsbruck foi celebrada com um concerto da orquestra sinfônica de Innsbruck de título „Viagem às estrêlas“, no Congresso Innsbruck, no dia 1 de Janeiro. O concerto foi moderado pelo intendante Johannes Reitmeier. Sob a regência de Carlos Vásquez, o concerto contou com os solistas Felicitas Fuchs (soprano) e Bruno Ribeiro (tenor).


Este cantor, nascido em Portugal, é um dos artistas portugueses mais destacados internacionalmente da atualidade. Após estudos no Conservatório de Lisboa, obteve formação na África do Sul. Alcançou prêmios em vários concursos internacionais, entre outros, do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, no Brasil e do Concurso Nacional de Canto Luísa Todi, em Portugal.




07.01.2016

Starnberg. Inicio do programa Brasil-Alemanha de 2016 da A.B.E. no lago de Starnberg (Starnberger See), Baviera Superior. Os trabalhos euro-brasileiros desenvolvidos na região de Munique pela passagem do ano (Veja notícia anterior) tiveram um de seus focos no lago de Starnberg, antes conhecido como Würmsee ou Lago dos Príncipes, sobretudo nas localidades de Starnberg e Seeshaupt.


Trata-se de uma região situada há apenas ca. e 25 quilômetros de Munique e que é marcada pelo seu grande lago, o quinto em dimensões a Alemanha, o que o situa junto a outros famosos pelas suas belezas naturais como os de Constança ou do Chiemsee.


O nome do lago de Starnberg é conhecido não apenas pelo fato histórico de ali ter morrido por afogamento o rei Luís II da Baviera (1845-1886), cuja memória continua sempre viva pela suas atividades arquitetônicas e artísticas, em particular pelo apoio dado a Richard Wagner (1813-1883), colocando-o em posição de central relevância na história da arquitetura, as artes e da música. Stamberg, procurado para lazer e esportes pelos habitantes de Munique, goza o renome de ser uma das regiões mais privilegiadas da Alemanha, local de moradia de aristocratas e personalidades da política, das finanças, da cultura e das artes.


Compreensivelmente, a região é marcada por mansões, palácios e localidades de alto nível construtivo e de vida social. No âmbito da música e das artes visuais, constatam-se elos entre compositores e artistas que, no passado, residiram no lago de Starnberg e brasileiros. Esses elos contextuais foram analisados em alguns de seus aspectos e serão relatados nos próximos números da Revista Brasil-Europa.


O interesse de Starnberg para os estudos culturais não se limita, porém, a essa esfera social privilegiada, aristocrática ou de homens de finanças, políticos e artistas de bens. Também não se limita às construções civis e igrejas de interesse histórico-artístico de suas localidades.


O lago de Starnberg possui um Museu de História Local e de Costumes, um dos mais antigos do gênero da Baviera, inaugurado em 1914, e que necessariamente necessita ser considerado em estudos de folclore e cultura regional, também sob a perspectiva dos estudos da imigração alemã no Brasil. Fundado em 1913, tem como um de seus principais bens uma casa camponesa de fins do século XVII. A fisionomia atual do museu é sobretudo marcada por um edifício de concepção arquitetônica avançada, inaugurado em 2008.


O museu permite assim o estudo de modos de vida e de trabalho do passado na região, de sua história, tratando sobretudo das relações entre atividades de artesanato, manufatura e produção com a religiosidade popular. Este complexo temático, que relaciona economia com religião, vida ativa e espiritualidade, tradição e inovação, surge como de fundamental significado para estudos culturais bávaros e do Allgäu, assim como da extensão de modos de vida e suas transformações em regiões de imigração alemã no Brasil e em outras partes do mundo.


O lago de Starnberg une assim esferas das mais privilegiadas socialmente e representativas de uma „alta cultura“ por ter sido e ser residência de compositores de renome e artistas plásticos e a cultura tradicional popular nas suas relações de trabalho, produção e religiosidade. Esse fato traz à consciência a necessidade sempre salientada pela organização Brasil-Europa de superação de um modo de pensar dirigido a esferas categorizadas da cultura, privilegiando uma atenção voltada a processos transpassadores de delimitações. Esse posicionamento vale também para os estudos de relações culturais Alemanha-Brasil como estudados pioneiramente na tradição da A.B.E., levando a uma consideração relacionada do papel desempenhado por grandes vultos de língua alemã da cultura, das ciências e das artes no Brasil e a cultura das regiões de imigração e colonização.




06.01.2016

Munique. Abertura dos trabalhos euro-brasileiros de 2016. As duas últimas semanas do mês de dezembro de 2015, assim como os primeiros dias de 2016, foram marcados por intensos trabalhos da Academia Brasil-Europa e do I.S:M.P.S. em cidades da Alemanha e da Áustria, em particular na Baviera e no Tirol.


Esses encontros tiveram como finalidade preparar tematicamente os eventos e os ciclos de estudos do novo ano. Os resultados dos trabalhos serão comunicados brevemente nestas notícias de atualidades, sendo apresentados mais pormenorizadamente nas edições da Revista Brasil-Europa de 2016.


As relações entre a Baviera e o Brasil no passado e no presente foram consideradas em vários de seus aspectos em jornada de estudos e contatos em Munique. As pesquisas desenvolvidas nos últimos anos em âmbito universitário foram tratadas em visitas a locais tematicamente significativos e acompanhadas por visitas a museus. Celebrou-se, assim, o início dos trabalhos do programa cultural de relações Brasil-Alemanha há 40 anos, considerando-se os elos mantidos e os apoios concedidos pelas diferentes instituições.


Procedendo-se a um balanço de conhecimentos e a constatações do estado de reflexões sobre determinados assuntos, considerou-se com particular atenção as relações ítalo-teuto-brasileiras relacionadas com Munique. Também os trabalhos aqui desenvolvidos serão relatados nos próximos números da Revista Brasil-Europa.


As jornadas de Munique foram encerradas festivamente com uma visita à famosa cervejaria Hofbräuhaus. Nesta ocasião, apresentou-se um trabalho sobre a história da cerveja e suas extensões e características no Brasil, além das expressões culturais com ela relacionada. Aspectos já anteriormente considerados em outros contextos foram sumarizados, apresentando-se resultados de mais recentes observações no Brasil e em outras regiões de imigração alemã no mundo.






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coordenação e redação: Centro de Estudos Brasil-Europa da A.B.E.
Direção geral: Professor Dr. Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia, Alemanha





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