Brasil-Europa: Notícias atuais da organização de estudos de processos culturais em relações internacionais - A.B.E.

Brasil-Europa
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Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (NG)
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30.09.2014

Menton/França. Jardins tropicais-mediterrâneos de Menton e o Brasil no Festival de Música: recital de Nelson Freire. Em continuidade aos ciclos eurobrasileiros desenvolvidos em Monaco (veja notícias anteriores), retomaram-se estudos relativos ao sul da França (Veja), em particular da Côte d‘Azur em regiões próximas da Itália, tanto do ponto de vista da natureza como cultural.


Na revisita de cidades dessa área deu-se particular atenção a Menton por dois motivos: pelo seu grande patrimônio de jardins, que merece ser considerado no âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. já pela fisionomia quase tropical que apresentam, e pelo 65 Festival de Música de Menton, evento tradicional e dos mais importantes da vida musical européia, e que este ano incluiu um concerto do pianista brasileiro Nelson Freire.


As relações entre música, paisagem e patrimônio cultural evidenciam-se claramente na história do Festival. Criado em 1950, foi precedido pelas profundas impressões que André Böröcz teve da velha cidade emoldurada pela natureza exuberante e, em particular, do adro de Saint Michel que se abre ao mar, impressão intensificada musicalmente ao ouvir música de J.S.Bach provinda de uma das casas. Esse impacto da atmosfera local teria sido a causa do intento de continuamente revivê-la na felicidade por ela propiciada.


Essa história -  até hoje divulgada por organizadores do Festival como introdução ao sentido e aos valores do evento -, não pode, assim, deixar de ser considerada no âmbito de projetos que hoje se registram na área do urbanismo e paisagismo e que manifestam preocupações relativamente à perda de qualidade de vida em muitas cidades e regiões.


O recital de Nelson Freire foi planejado justamente para ter lugar no local assim decantado, o Parvis de la Basilique saint Michel Archange. O programa constou de obras de L. v. Beethoven, C. Debussy, S. Rachmaninov e R. Schumann. O pianista, de extraordinária carreira e méritos na projeção internacional do Brasil - reconhecidos entre outros pela sua promoção a Chavalier na Ordem da Légion d‘Honneur -, lançou entre as suas últimas produções o CD „Brasileiro - Villa Lobos & Friends“, agraciado com o prêmio Grammy em 2013 como melhor gravação clássica da América do Sul. Prepara atualmente uma gravação dedicada a F. Chopin com a orquestra Gürzenich de Colonia, com Lionel Bringuier.


A tradição dos jardins de Menton, considerados hoje como emblemáticos para a cidade, é de longa data, tornando-se caracterizadora de sua imagem desde o século XVIII. As suas condições climáticas levaram a que ali fossem introduzidas plantas tropicais e subtropicais por botanistas, salientando-se os ingleses. Palmeiras e outras plantas tropicais passaram a dialogar com oliveiras e outras espécies da área mediterrânea, estas presentes também numa árvore-símbolo: o limoeiro.


Esse enriquecimento paisagístico e cosmopolizador através da natureza marcou locais como Serre de la Madone, Fontana Rosa, Val Rahmeh e Maria Serena. Hoje, procura-se conservar esse patrimônio ambiental e de jardins, atualizando-os de forma sensível e valorizando-os. Essas atualizações podem ser apreciadas e estudadas no jardim à frente do famoso cassino local no âmbito de programa „Journées Méditerranéennes du Jardin“ organizado pelo ofício de turismo de Menton. Nesse programa, visitam-se entre outros o Square des Etats-Unis e o Jardin du Campanin. Recuperados, renovados e valorizados foram vários outros jardins, entre estes os Jardins des Colombières e da Fontana Rosa.


Além do mais, a cidade se orgulha de ser distinguida entre as mais representativas entre as cidades floridas da França, estando presente sempre em posições mais altas no programa nacional „Villes et villages fleuris“. Foi até mesmo premiada com o „Grand prix national du fleurissement“ como a melhor da jardinagem da França. Esse cultivo de árvores e arbustos floridos estende-se pelas matas circunvizinhas, abrangendo grandes extensões, transformando-as quase que em parques, valorizando a natureza orignal de serras, florestas e campos das circunvizinhanças sem destruir a sua constituição original. Menton oferece assim um exemplo não só da atenção a jardins urbanos no seu significado para o melhoramento da qualidade de vida, para a atração e a imagem da cidade, com as suas implicações para a cultura - Menton é sede de um Museu a Jean Cocteau - assim como para a economia. Menton surge também como exemplo da valorização da vegetação original e de cultivo de regiões vizinhas, estabelecendo estreitas relações entre paisagem natural e parques. Quando é que se pensaria em replantar mais manacás em regiões degradadas da Serra do Mar para recuperar-se a sua magnificência florida de épocas passadas?


Assim como em Monaco, também Menton possui um Jardin Botanique Exotique, possuidor de muitos exemplares raros e que, aclimatados sob as condições favoráveis da região, hoje são protegidos pelo Museu Nacional de História Natural; entre êles espécie hoje desaparecida da ilha da Páscoa. Grande coleção de palmeiras encontra-se sobretudo no jardim Maria Serena, instalado na década de 80 do século XIX.




29.09.2014

Monaco. Piromelodia. Fogos de artifício piromelódicos de Monaco - música latinoamericana para guitarra. Ponto alto do ciclo de estudos em Monaco para a atualização dos estudos euro-brasileiros relacionados com o Principado de 2014 foi a presenciação de sessão do Concours internacional de Feux d‘Artifice Pyromélodiques de Monaco.


Esse espetáculo veio de encontro tanto ao projeto Cultura/Natureza da A.B.E. que vem sendo desenvolvido em diferentes contextos e sob diferentes perspectivas, como também às reflexões relativas à música e que dirigiram a atenção em especial aos elos de Jules Massenet (1842-1912) com Monaco e sua influência em compositores brasileiros, em particular Francisco Braga (1868-1945). (Veja notícia anterior).


Tendo-se tratado aqui entre outros aspectos a mélodie como uma das características estéticas da música francesa no século XIX e início do XX, a qualificação „piromelódica“ do concurso de fogos de artifício do Monaco adquiriu um especial significado.


Na ampla e diversificada programação cultural, artística e festiva do Principado, os espetáculos pirotécnicos são os maiores em dimensões e de alcance, marcando a imagem do país nas datas nacionais e nos meses de verão. Representam os principais espetáculos do gênero entre os muitos que se realizam nessa época do ano na Côte d‘Azur. A frequência de shows pirotécnicos nessa região supera aquela de outras partes da Europa, ainda que em outros países também se realizem grandes espetáculos do gênero, como o já tradicional „Reno em Chamas“ na Alemanha. Pode-se dizer que a intensificação da frequência e da qualidade artística, técnica e de fantasia de apresentações pirotécnicas representam um fenômeno dos últimos anos que mereceria análises culturais.


Do ponto de vista das relações entre cultura e natureza, embora levantem-se aqui questões relativas ao meio ambiente, os espetáculos pirotécnicos de Monaco impressionam de início pelo fato de envolverem piromusicalmente o mar com o seu porto Hercule, de onde são lançados os fogos do cais Rainier III, assim como as montanhas circundantes, em especial o Jardin Exotique (Veja notícia de ), criando uma moldura de fogos com música ou música de fogos à cidade iluminada.


Uma particularidade dos espetáculos de verão do Monaco, que são realizados desde 1966, é a sua internacionalidade e o fato de constituirem um concurso, nele participando empresas representando diferentes países, salientando-se no corrente ano a Áustria, Inglaterra, Espanha, Polonia, França e China. O julgamento das obras apresentadas fica a cargo de um juri, podendo também o público nele participar através de votação na Website do concurso.


Relativamente à música, o Concurso demonstra o significado a ela atribuído da forma mais evidente numa programação de concertos gratuitos e abertos ao público e que se realizam antes e depois dos espetáculos pirotécnicos, os primeiros significativamente no Jardin Exotique, termo que já sugere a orientação geral dos repertórios. A programação demonstra um singular peso dado à guitarra ou violão, com obras para o instrumento de diferentes épocas e contextos, salientando-se compreensivelmente música latinoamericana.  O Duo „Gypsy-Swing“ apresentou hits de música cigana e jazz; o quarteto „TralaLive“, com três guitarras elétricas e violino, elaborações de jazz e Chanson; o „Duo Romanesca“ - da Academia de Guitarras de Toulon - obras para guitarra e mandoline do Barroco e do presente, o „Duo de Guitarras KG“ uma seleção de melodias para violão clássico.


O termo piromelódico no título do espetáculo indica um particular peso à canção, o que corresponde a um singular interesse no presente em diferentes países, também no Brasil, o que já representa, em si, um fenômeno cultural que mereceria maior atenção.


Mais relevantes do que esses concertos são as relações entre música e a própria criação pirotécnica, para as quais Monaco oferece condições técnicas avançadas para sincronizações, precisão de tempo, relações precisas de efeitos musicais e visuais, para surpresas e explosões em sons e cores, e para ampla difusão à cidade a aos navios do porto através de sistema sonoro que é instalado por toda a área do porto Hercule. A elaboração de arranjos para espetáculos pirotécnicos e sobretudo a criação de novas obras no presente merecem estudos músico-culturais mais pormenorizados. Elas se escrevem em antiga tradição do gênero, da qual a mais conhecida é a „Music for the Royal Fireworks“ de G. F. Händel (1685-1759), de 1748.


Os estudos que vem sendo realizados no âmbito da estética de orientação cultural dirigem a atenção porém a dimensões mais abrangentes das relações entre música e fogo. Já na introdução da disciplina Estética na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo no início dos anos 70 considerou-se as relações entre elementos da natureza e áreas de conhecimento na tradição do Quadrivium, referenciando-se a música  à água e o fogo à Astronomia. A concepção de música como „ciencia aquática“ ou - em relação à Aritmética e ao ar - como disciplina „que fala de números“ de antigos tratadistas foi considerada sob diferentes aspectos em seminários em universidades européias a partir das reflexões encetadas no Brasil. Elas abrem hoje novas perspectivas para a interpretação do intento „piromelódico“ de Monaco.



28.9.2014

Monte Carlo. Música na haute société de fin de siècle de Monte Carlo e no Brasil republicano. Lembrando Jules Massenet (1842-1912)  e Francisco Braga (1868-1945). As reflexões do corrente ano voltadas à atualização dos estudos eurobrasileiros relacionados com o Principado do Monaco (Veja), retomaram um tema que já vem sendo há muito tratado à luz da passagem dos 125 anos da proclamação da República no Brasil - o da música nas suas relações com processos político-culturais e sociais.


Cada visita que se faz a Monte Carlo, cuja fisionomia é determinada pelo seu Casino e pela sociedade que o frequenta, renova a consciência do fascínio que a riqueza, o poder financeiro, político, o luxo e um luxurioso refinamento estético ali desempenhou nas últimas décadas do século XIX e no período anterior à Primeira Guerra e que se manifesta na linguagem visual de sua arquitetura e seus monumentos. Esse fascínio mantém-se até o presente, o que se expressa numa ausência de reserva quanto a ostentações e na presença de prominências do mundo das finanças, da indústria, da política e da mídia.


A história do Casino de Monte Carlo traz à luz o fato de ter sido criado com o intuito de atração de capitais, de capitalistas e de enriquecidos que desejavam demonstrar a sua ascensão e poder, deixando dinheiro na casa de jogos. Monte Carlo diferencia-se assim desde as suas origens quanto a seus sentidos, à sociedade que passou a frequentá-lo e às características de sua vida cultural dos balneários procurados pela nobreza de antiga ascendência, como aqueles visitados por Dom Pedro II, entre outros Bad Gastein (Veja notícia de 16.09).


Aqui revela-se o significado de Monte Carlo para os estudos culturais: o local surge como indicativo por excelência de mentalidade, modos de vida, de expressão e de tendências no pensamento, na cultura e nas artes de grupos sociais em ascenção da burguesia enriquecida através de empreendimentos financeiros, comerciais e industriais da época da industrialização e da expansão em regiões coloniais.


Essas análises podem ser mais facilmente conduzidas na esfera que corporifica esse desenvolvimento de forma concentrada em Monte Carlo do que numa metrópole como Paris, marcada por diferentes grupos sociais e múltiplas tendências políticas e culturais.


Na vida cultural da high society de Monte Carlo a música e em particular a ópera francesa desempenharam papel de central significado, evidenciado na magnificente Ópera integrada no edifício do Casino e nos monumentos a compositores franceses nos seus jardins, o que abre perspectivas para a percepção de elos entre desenvolvimentos histórico-musicais em Paris e determinados círculos sociais e respectivas orientações político-culturais e estéticas.


Além da atenção despertada neste sentido a Hector Berlioz (1803-1869) devido a monumento de alta expressividade que traz o nome do soberano Príncipe Alberto I (1848-1922), o maior significado para os estudos euro-brasileiros adquire o busto a Jules Massenet. Essa efígie recorda que várias obras de Massenet foram executadas em estréias  em Monte Carlo (Amadis, Le Jongleur de Notre-Dame, Chérubin, Thérèse, Don Quichotte, Roma, Cléopâtre) , fato indicativo do prestígio de seu nome e da apreciação de sua linguagem musical e seus valores estéticos pela a sociedade ali representada.


No ambiente de Monte Carlo abrem-se assim possibilidades de análises culturais da obra do compositor tão prominente na sua época que, vindo de encontro a anelos esteticistas de elegância e refinamento de afetos, de cultura marcada por erotismo e religiosidade sensualizada, dirigiu-se às preferências desses grupos sociais enriquecidos e em ascensão, alcançando prestígio e reconhecimento financeiro.


Como professor do Conservatório de Paris, Massenet influenciou a formação de vários compositores, entre êles estudantes latino-americanos, como o venezuelano Reynaldo Rahn (1874-1947) e o bolsista do Govêrno republicano brasileiro Francisco Braga.


Já em 1969, por motivo da publicação de artigo em jornal de São Paulo a respeito do autor da música do Hino à Bandeira („Há 101 anos nasceu Francisco Braga“, O Estado de São Paulo, 15 de abril de 1969), considerou-se, no âmbito dos estudos voltados a processos sócio-culturais, as origens modestas desse compositor: „partindo da extrema pobreza material de seus pais, alçou-se às culminancias da gloria artistica. Por outro lado, Francisco Braga compensou seus infortunios de infância com o reconhecimento publico e oficial de sua obra ainda em vida“. Essas frases chamaram a atenção ao fato de que outros compositores republicanos que estudaram na Europa e alcançaram reconhecimento no país também tinham origem modesta ou de meios sociais em ascensão, como Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Leopoldo Miguez (1850-1902).


O significado de Massenet na formação e na obra de Francisco Braga já tinha sido reconhecido por vários historiadores. Renato Almeida, tratando do compositor, menciona que „Massenet consagrou-lhe a maior estima, a tal ponto que, findo o prazo de dois anos da bolsa que lhe fôra concedida, êle próprio dirigiu uma carta ao então Ministro do Interior, pedindo que fôsse dobrado o prazo, no que acedeu imediatamente o Govêrno brasileiro.„ (História da Música Brasileira, 2a. ed., Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1942, 440-441).L. H. Correa de Azevedo salienta que a obra de Francisco Braga „cativa e tem, sempre, esse acabamento refinado, de tipo francês, que êle hauriu nas lições do mestre parisiense, em cujas obras a hábil manipulação substitui tantas vêzes, e tão felizmente, o vigor fecundo da imaginação“ (Música e Músicos do Brasil, Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1950, 240).


L.H. Correa de Azevedo também lembra os estudos de composição do brasileiro com Massenet e o fato de que „a pensão que lhe concedera o Govêrno foi prorrogada por mais dois anos a pedido do próprio autor de Manon, que justificou essa medida em carta dirigida às autoridades brasileiras.// Algumas das composições que Francisco Braga escreveu, nesse período parisiense de estudos com Massenet, encontram lugar até hoje , no repertório dos concertos sinfônicos brasileiros. Paysage e Cauchemar são duas páginas tipicamente influenciadas pela técnica do mestre francês“ (150 Anos de Música no Brasil 1800-1950, Rio de Janeiro: José Olympio 1956, 179).


Sob muitos aspectos foram considerados os elos assim sugeridos na pesquisa e em seminários de musicologia de orientação cultural desde então desenvolvidos em universidades européias em cooperação com o ISMPS. Um desses aspectos disse respeito a perspectivas que se abrem com o direcionamento das atenções à estudos de Gênero, considerando-se singularidades de conotações femininas na obra de Massenet e do homoerotismo do círculo de Edmond de Polignac (1834-1901) em época que exigia - também pelo recrudescimento de movimentos de restauração religiosa - a manutenção falsa de aparências segundo convenções morais, como no caso de Reynaldo Hahn. (Veja) Os estudos desse complexo de interações entre tendências progressivas e retroativas em círculos sociais franceses e de Monte Carlo pela passagem do século deverão ter prosseguimento no corrente ano marcado pela recordação do regime estabelecido no Brasil pelo golpe de 1889.



26.09.2014

Monte Carlo. Jacarandás, palmeiras e Belle Époque. Trópicos nos jardins da Place du Casino de Monte Carlo . O Principado do Monaco merece ser considerado com especial atenção nos estudos paisagísticos e do urbanismo nas suas relações com o meio ambiente e com a qualidade de vida.


Os seus muitos jardins e parques em tão restritos espaços urbanos contribuem à valorização ainda maior da cidade encravada na paisagem rochosa à beira-mar e à sua imagem de riqueza e bem-estar.


Nos estudos euro-brasileiros atualmente em desenvolvimento com o objetivo de desenvolvimento de estudos de processos culturais de orientação ambiental, tem-se considerado em diferentes países jardins e parques nas suas relações com desenvolvimentos e interações culturais.


Esses estudos no âmbito do projeto Cultura/Natureza a A.B.E. vêm de encontro ao atual interesse por comparações de atmosferas urbanas com o sentido de melhoria de qualidade de vida de seus habitantes em universidades européias, tais como Greifwald e Weimar. (Veja notícia de 09.07.2014)


O brasileiro que visita Monaco fica surpreendido em constatar uma certa familiaridade atmosférica que emana de cidade de tão grande poderio financeiro. Essa sensação explica-se pela presença de plantas tropicais que se encontram nos seus jardins, assim como na sua disposição, sugerindo a pujança que se conhece do Brasil. Essa opulência tropical nos jardins de Montecarlo não é apenas expressão de um gosto pelo exotismo, como tematizado explicitamente no Jardin Botanique com a sua grande coleção de plantas suculentas dispostas pela encosta rochosa. (Veja notícia anterior) Ela é também expressão de refinamento estético, de sentido pela qualidade de vida urbana e de valorização de espaços e edifícios, como testemunha a praça central de Montecarlo, à frente do seu Casino, assim como aqueles que o rodeiam nos seus terraços.


A história desses jardins relaciona-se estreitamente com a do início de jogos no Principado com o intuito de captação de capitais. Após várias tentativas sem sucesso, fundou-se uma Sociedade de Banhos de Mar e do Círculo de Estrangeiros no Monaco que tomou a si o projeto, passando-se a criar um infra-estrutura adequada para um empreendimento de alto nível e repercussão, como rêde viária e de hotéis. O empreendimento da instalação do Casino foi assim estreitamente vinculada com o desenvolvimento urbano da área que, em 1866, passou a ser designada segundo o nome do Príncipe: quarteirão de Monte Carlo.


Esse desenvolvimento urbano de Monte Carlo segundo critérios estéticos e de qualidade de vida contribuiram à imagem que o local adquiriu como polo de atração de pessoas de posses e influências, com repercussões em toda a Côte d‘Azur. O florescimento de cidades do litoral sul-francês - como Nizza - na segunda metade do século XIX deveu muito a Monte Carlo.


O edifício do Casino, com a sua sala de concertos (1878/79) e a Opéra de Monaco, uma das principais obras de Charles Garnier (1825-1898), o arquiteto da Ópera de Paris, não apresenta apenas referências vegetais na sua fachada e decoração interna: êle não pode ser apreciado sem os jardins que o rodeiam. A opulência do seu interior corresponde àquela do luxuriante mundo vegetal dos espaços externos. O brasileiro que se extasia perante a atmosfera de riqueza que emana em Monte Carlo conscientiza-se da opulência que a natureza ofereceu ao Brasil, que representa a sua verdadeira riqueza e que, por familiarizada, não é percebida e valorizada.


Dentre as árvores do jardim da praça do Casino salienta-se o jacarandá. Em placas na qual o Principado lembra que Monaco se empenha contra o de-florestamento tanto no país como internacionalmente, o visitante é orientado segundo um „Percurso de Árvores Patrimoniais“. Assim, o jacarandá ou comumente Flamboyant Bleu, é apresentado com os seus dados botânicos, com a indicação de sua origem, a sua altura, circunferência do tronco e rádio da coroa. Lembra-se especificamente que Pretoria, a capital administrativa da África do Sul, é popularmente e poeticamente conhecida como Jacaranda City pela quantidade de jacarandás plantados nas suas ruas e jardins. Em períodos de florescimento, toda a cidade surge como se fosse pintada de azul.


Particularmente instigante é o jogo de relações entre a arquitetura em estilo Napoleão III do Segundo Império francês (1852-1870) e do Art Nouveau com as plantas tropicais, abrindo novas perspectivas para análises de relações entre o desenvolvimento de formas e expressões do Historismo com a natureza, - da ostentação da época de florescimento econômico do Segundo Império à modernidade do estilo jovem ou arte nova. Essas reflexões em Monte Carlo levam àquelas relativas à recepção das relações entre arquitetura e o mundo vegetal no Brasil, à valorização de plantas tropicais e da pujança na sua disposição em praças e jardins no próprio país em que eram naturais sob impulsos recebidos da Europa.



25.09.2014

Monaco. Papel exemplar do Monaco em questões ambientais e significado dos seus projetos, jardins e parques para os estudos culturais. Le Jardin Exotique. A visita para a atualização dos estudos euro-brasileiros referentes ao Principado de Monaco do corrente ano decorreu sob o signo dos atuais intentos de desenvolvimento de uma ciência da cultura de orientação ambiental no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. (Veja notícias anteriores).


Enquanto a imagem do Brasil, - país grande e possuidor de insubstituível patrimônio natural -, surge manchada por crimes ambientais no Brasil Central e na Amazônia, o Monaco, - país minúsculo e sem similar riqueza natural - , cria cada vez uma imagem de país paladino na promoção de consciência ambiental e no apoio de projetos e iniciativas de proteção do mundo vegetal, animal, da vida nos mares e do clima.


O fomento dessa imagem tem marcado desde 2005 o govêrno do Príncipe Alberto, em particular através da sua fundação de proteção ambiental e sustentabilidade; as iniciativas ecológicas desenvolvem-se sob a organização-teto Monaco Développement Durable (MC2D). A consciência ambiental é porém muito mais antiga e se manifesta nas muitas instituições e jardins do pequeno país. Talvez seja justamente esse pouco espaço que leve a uma maior consciência do valor dos bens naturais.


Se as ações a favor do meio ambiente e da defesa do clima possuem dimensões globais, os projetos voltados à configuração ecológicamente responsável do país-cidade possuem antes significado para os estudos do urbanismo, da arquitetura e da construção de paisagens urbanas nas suas relações com o meio natural. A proteção ambiental surge como critério prioritário para projetos urbanos, mesmo para aqueles que, devido à falta de espaço, obriga a que a expansão da cidade se faça entrando pelo mar.


Os jardins e parques da cidade, criados em diferentes épocas, surgem como exemplos de diferentes concepções e intentos, adquirindo significado para estudos de paisagismo e construções de paisagens em geral.


Deles merece uma particular consideração o Jardim Exótico, aberto ao público em 1933, possuidor de uma grande diversidade de suculentas, sendo assim o mais importante e, pela sua localização, o mais belo jardim de cactos do mundo. Foi criado no início do século XX pelo „Prince savant“ Alberto I (1848-1922), fundador do museu oceanográfico, tendo sido projetado por Louis Notari (1879-1961), então engenheiro-chefe dos trabalhos públicos. A sua instalação prolongou-se por duas décadas, tendo permanecido praticamente inalterado desde 1933, o que justifica ser considerado como uma obra de arte paisagístico-científica.


Instalado em terraços nas encostas rochosas, deles se avista o mar e os cactos se elevam como se estivessem pairando no ar defronte da Côte d‘Azur. Tais dimensões estéticas ou poéticas do jardim não superam porém o seu significado como centro de pesquisas botânicas e de difusão de conhecimentos.


Os exemplares que ali crescem foram trazidos de diferentes regiões sêcas do globo, da América do Norte e Central, da África, da Ásia, mas também da América do Sul, inclusive do Brasil. Como grande parte das plantas é derivada de uma coleção reunida desde fins do século XIX, muitos dos exemplares são centenários, atingindo grandes dimensões, comparáveis ou maiores do que aquelas de seus países de origem. O jardim procura chamar a atenção às relações entre o cacto e o meio-ambiente, lembrando a capacidade das plantas suculentas de estocar água, possibilitando  a sua sobrevivência em climas sêcos e solos pobres. Elas surgem como colonizadoras, úteis para reter solos e na luta contra a erosão.


Muitas das suculentas encontram-se ameaçadas nos seus países de origem, sendo o seu habitat degradado ou reduzido por atividades humanas, extensão de zonas urbanas, agrícolas e industriais, assim como devido a coletas ilegais, apesar da Convenção de Washington que as protege.


No recinto do jardim, encontra-se instalado o Musée d‘Anthropologie Préhistorique e a Association Monegasque de Prehistoire, assim como o Spéléo Club de Monaco. O significado das encostas onde se encontra instalado o jardim é salientado pela gruta do Observatório, uma cavidade natural originada das águas das chuvas há milhares de anos e que abriga restos prehistóricos; ossos de animais permitem conhecer a fauna da região sob os diferentes climas do Quartenario, entre eles o rinoceronte, ali habitando em períodos temperados e quentes, outros, como a rena e a marmota, em períodos glaciais. O seu descobrimento foi um dos grandes feitos da arqueologia e antropologia iniciado em 1916, descobertos durante a implantação do jardim.


O Jardim Exótico do Monaco é agregado aos Jardins botaniques de France et des pays francophones



24.09.2014

La Valletta/Malta. A dedicação a Santiago de Compostela da capela de Portugal. A catedral de São João em La Valletta merece sob diversos aspectos ser considerada em estudos relacionados com Portugal e países marcados culturalmente pelos portugueses. O seu significado é considerado em geral apenas sob o ponto de vista arquitetônico e artístico, assim como histórico-cultural. A igreja é, de fato, uma das mais magníficas da área mediterrânea, surpreendente na sua arquitetura interna, possuidora de grandes obras de arte, de plástica e de pintura, considerada como uma das maiores expressões do período áureo do Barroco.


Levantada na segunda metade do século XVI, entre 1573-78, embora discreta na sua aparência exterior, teve o seu interior ornamentado artísticamente em trabalhos que levaram um século. Se hoje a igreja é por visitantes apenas percebida como catedral, - de fato é co-catedral daquela de Mdina desde a época da Restauração após a expulsão dos Joanitas no período napolêonico -, o seu real significado apenas pode ser compreendido a partir da sua função original como igreja da Ordem de Malta ou de São João.


Explica-se, assim, a sua dedicação ao Precursor, que tem a sua vida representada em pinturas internas na igreja. Com o seu piso forrado de lápides de mármore artísticamente trabalhadas de cavaleiros da Ordem, pelos símbolos militares sempre presentes, pelos seus mausoléus de grão-mestres e pela atmosfera criada pelo tom encarnado predominante, o interior da catedral de São João pode ser considerado como o mais representativo espaço marcado por concepções joaninas de séculos passados, no conjunto de sua linguagem visual e na atmosfera criada.


Essa leitura de sinais, já não mais bem compreendidos no presente, mesmo por teólogos, é favorecida a brasileiros devido à sua permanência em expressões tradicionais de culto e festivas.


Na visita de estudos culturais euro-brasileiros realizada em agosto pela A.B.E., considerou-se sobretudo a dedicação a determinados santos das capelas laterais que, profusamente decoradas, são devotadas a cada „língua“ dos Joanitas. Levando em consideração a coerência de sinais e mesmo a lógica intrínseca que revela a existência de um programa iconográfico das pinturas da igreja, levantou-se a questão dos elos entre as dedicações das capelas e os diferentes ramos dessa Ordem militar e religiosa.


Assim, perguntou-se a razão pela qual na capela da França é lembrada a conversão de São Paulo, na da Provence é venerado o Arcanjo São Miguel, na de Auvergne São Sebastião e na da Aragonia São Jorge. Várias dessas dedicações são imediatamente compreensíveis, uma vez que representam padroeiros de regiões ou de importantes personalidade e fatos da história da Ordem, como Catarina de Siena no caso da Itália, ou venerações que marcaram países que possuiam relíquias de alto significado, como a dos Reis Magos para a Alemanha, conservadas até hoje na catedral de Colonia.


A consideração desses relações surge como significativa como indício das exemplaridades que marcaram a consciência e a identidade dos membros das diferentes „línguas“ na Ordem.


Foco principal das atenções foi a da capela da língua „castelhana“ dedicada a Castela, León, incluindo-se porém também aqui Portugal, o que levanta questões. Significativamente, encontram-se nessa capela os mausoléus dos grão-mestres portugueses Fra Antonio Manoel de Vilhena (1663-1736) e Fra Manuel Pinto de Fonseca (1681-1773), grandes vultos na história da Ordem, de Malta e da história cultural em geral.


Essa capela é dedicada a Santiago de Compostela, que surge assim também como modêlo de exemplaridade para os Joanitas portugueses. Esse fato motiva reflexões e estudos mais aprofundados, uma vez que Compostela, pertencente à Espanha, aqui surge como principal referência de identificação cultural também para Portugal.


Considerou-se, entre outros aspectos, o longo período de União Pessoal entre Portugal e Espanha, e no qual procedeu-se em grande parte a decoração interna da igreja, mas as razões e as dimensões dessa referenciação são mais antigas e profundas. A dedicação a Santiago demonstra o grande significado da „língua“ de Castela, León e Portugal na Ordem militar dos cavaleiros de São João. Como a França, que lembrava o apóstolo São Paulo, essa região ibérica orientava-se não por um santo, mas segundo um apóstolo, o „apóstolo do Ocidente“. A atuação atribuída a Santiago no contexto da Reconquista que se exprime na sua designação e imagem de „mata mouros“, necessariamente adquiria fundamental importância em Malta, sempre confrontada com o perigo muçulmano. Na Capela, Santiago surge como combatente de mouros e venerador de Nossa Senhora do Pilar.


Como o atributo da concha sinaliza, tem-se na linguagem visual compostelana associações com a água e essas conotações devem ser analisadas nos seus múltiplos vínculos com o mundo natural e o ciclo do ano - no caso a água na sua posição mais alta no sistema de relações entre elementos e meses ou signos em antiga tradição de conhecimentos. A luta do apóstolo no combate contra aqueles vistos como filhos da carne procede antes por meios suaves, pela palavra, e por comportamento simples e modesto de peregrino, e esse deveria ser o condutor exemplar dos orgulhosos e auto-conscientes cavaleiros militares de São João, arrefecendo os seus ímpetos fogosos, lembrando a temporalidade das honras do mundo e os seus objetivos assistenciais como hospitalários.



23.09.2014

Gummersbach/Alemanha. Gustavo Brinholi no centro de estudos da A.B.E. No dia 3 de setembro, o compositor, regente e músico brasileiro Gustavo Brinholi esteve no centro de estudos da A.B.E. com o objetivo de discutir planos que desenvolve para um trabalho de doutoramento e tomar conhecimento da situação atual das correspondentes pesquisas e tendências do pensamento.


O primeiro complexo de questões tratado disse respeito à música nas igrejas do Brasil. Nascido em Sorocaba, tendo vivenciado o ambiente eclesial desde a infância, em particular na igreja de São Paulo Apóstolo, em Trujillo, teve desde cedo também o seu interesse despertado para a música popular. Passando a aprender o violão, também chegou a tocar em celebrações litúrgicas. Formou-se Conservatório Dr. Carlos de Campos, em Tatuí, realizando estudos superiores em música a partir de 1999 na Universidade de Campinas. Desde então, aproximou-se cada vez mais da música sinfônica, passando a desenvolver planos em estudar regência. Com a formação obtida em jazz e música popular, o seu caminho foi primeiramente na área, realizando shows, participando de outros grupos e de musicais apresentados no Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2008, foi convidado a tomar parte como músico em apresentações de Edson Cordeiro na Alemanha, destacado cantor que ultrapassa na sua arte as fronteiras entre esferas do erudito e do popular.


Em Munique, procurou conhecer as potencialidades da vida musical da cidade, assistindo a concertos e ensaios de orquestras e realizando um curso de especialização em performance musical. A esse seguiu-se um estudo em composição com bolsa do Serviço de Intercâmbio Católico Alemão. Assistiu paralelamente aulas de regência sob Guido Johannes Rumstadt, segundo regente da Ópera de Nürenberg. Também realizou um curso na Itália com Isaac Karabtchevsky.


Um de seus projetos atuais é o Diáspora Ensemble, conjunto que, com os músicos pernambucanos Armando Lobo e Alípio Neto, mas aberto a outros músicos, tem o objetivo de executar obras próprias e de outros compositores que vivem fora dos seus países, não só brasileiros. Recentemente, esse grupo deu concertos no Sesc Sorocaba e no Sesc Pompéia em São Paulo.


Um dos assuntos discutidos na reunião disse respeito às observações de Gustavo Brinholi sobre o nível da música religiosa no Brasil, em particular a sua orientação comercial e ao grande mercado criado para o gênero; os sacerdotes cantores poderiam desempenhar
pela sua popularidade um papel relevante na formação musical do país, o que não aconteceria. Uma primeira aproximação seria segundo G. Brinholi que posições ideológicas tenham levado a esse desenvolvimento. Foram comentados, com base em publicações, os muitos esforços despendidos nas últimas décadas no âmbito da música religiosa e dos grandes problemas de paradigmas quanto à sua função e das perspectivas adequadas na análise das atividades dos padres cantores da atualidade; esta análise não pode ser orientada segundo critérios qualitativos musicais, mas antes missionários e sociais. Não estudos musicológicos convencionais, mas somente uma pesquisa culturológica ou talvez uma musicologia de orientação teórico-cultural estaria em condições de considerar adequadamente essa produção.


Perspectivas mais amplas abrem-se a Gustavo Brinholi no âmbito da estética e da teoria da mídia e comunicações, uma vez que é grande estudioso da obra de Vilém Flusser (1920-1991) filósofo tcheco que residiu no Brasil.


Brinholi prepara-se para apresentar um concerto pelo Consulado Alemão em São Paulo em novembro do corrente ano, por motivo das comemorações da Universidade de São Paulo. Passando a pertencer à A.B.E., desenvolvem-se planos de uma atuação mais estreita de G. Brinholi na organização, em particular na revitalização de seu centro no Brasil.



22.09.2014

Mdina/Malta. Ordem de Malta e France Antarctique no Rio de Janeiro. Novas aproximações Nicolaus Durand de Villegagnon (1510-1571) e à presença francesa no Brasil do século XVI - o  Vice-admiral joanita e o Precursor. O brasileiro que visite Mdina, a antiga capital de Malta, que é com a sua catedral, igrejas, palácios e instituições culturais conhecida como a mais nobre cidade maltesa, surpreende-se em ler na placa da principal rua da cidade um nome conhecido da história do Brasil: Nicolaus Durand de Villegaignon ou Villlegagnon. Estabelece-se, assim, o mais evidente elo entre Malta e o Brasil e abrem-se novas perspectivas para a consideração de aspectos pouco analisados do episódio da presença francesa no Rio de Janeiro no século XVI (1555-1567).


Rever sob o pano de fundo da história maltesa esse empreendimento francês de 1555 que, com o objetivo de criar uma colonia trouxe centenas de pessoas à baia do Rio de Janeiro e levou fundação do forte Coligny, denominado segundo o admiral calvinista Gaspard de Coligny (1519-1572), é de significado para a história do Rio de Janeiro, do Brasil em geral, das relações entre França e Brasil, para o estudo de encontros culturais, para a história colonial e sobretudo para a história da religião, em particular da Reformação.


O intento francês era de oferecer exílio para os huguenotes franceses,-  ao mesmo tempo diminuindo as tensões religiosas na França -, além de criar um ponto colonial de interesse econômico e significado estratégico no Brasil. Esses primeiros colonos receberam reforço a seguir de outros calvinistas de Genebra.


Assim como a situação francesa que levou à viagem, a vida da colonia foi marcada por conflitos religiosos, nos quais Villegagnon desempenhou papel determinante, sendo os calvinistas reeinviados à Europa em 1558, outros mortos. Coligny foi morto na noite do dia de São Bartolomeu, trágica data na história dos conflitos religiosos à época da Reformação. Essse conflitos refletiram-se em importantes obras para os estudos referentes ao Brasil no século XVI, a do franciscano André Thévet O.F.M. (1516-1590) do lado católico, a de Jean de Léry (1536-1613) do lado protestante.


A imagem de Villagagnon surge como ambivalente, dando origem não apenas a diferentes interpretações de suas concepções e seus atos, como também de sua personalidade: paradoxias e avaliações contrárias, como se não se bem compreendessem as suas ações, motivos e posições. Uma maior atenção necessita ser dada ao fato de Villegagnon ter sido estreitamente vinculado por elos de parentesco com o Grão Mestre da Ordem de Malta, tendo sido êle próprio ordenado cavaleiro em 1521. Como membro da Ordem religiosa militar, não apenas a sua carreira, mas também a sua visão do mundo estava marcada pela luta contra os muçulmanos. Tendo já participado de muitos combates, contribuiu a repelí-los em Malta, em 1551. Essa atuação sua pode ser comparada com a de um altivo cavaleiro paladino defensor da fé em complexo de tensões que era profundamente enraizado no ediifcio cultural, conhecido no Brasil como Cristãos e Mouros. Esse papel marcava a sua auto-consciência, como se depreende da sua posição quanto à vitória de Tripolis, na qual tomou parte em 1553.


Não se pode esquecer que a memória dessa vitória sobre os muçulmanos no norte da África ainda estava necessariamente muito viva à época da expedição ao Brasil, ocorrida apenas dois anos depois.


Nos atuais estudos euro-brasileiros levados a efeito em Malta, considerou-se porém um outro aspecto resultante do pertencimento de Villegagnon à Ordem de Malta: as características de uma religiosidade marcada pelo culto a São João. Este emprestara o nome à ordem que era soberana em Malta e que administrava a ilha em status de vassalagem sob o vice-rei espanhol da Sicília, a Ordem dos Joanitas.


A Ordem de Malta ou de São João tinha essa dedicação provavelmente pela sua atuação em hospital dedicado ao Precursor em Jerusalem, mantendo esse fim assistencial e caritativo de socorro aos pobres, necessitados, doentes e perseguidos, o que se manifesta na denominação de Fraternitas Hospitalaria. É possível que essa finalidade de ajuda fraternal a necessitados em peregrinação dos hospitalários tenha contribuido a que Villegagnon assumisse o encargo de dirigir a expedição ao Brasil, uma vez que socorria os huguenotes perseguidos, esses também „a caminho“, assim como o Admiral. Apenas posteriormente teria Villegagnon tomado consciência das dimensões profundas das divergências teológicas, incompatíveis com o Catolicismo.


Não só a auto-consciência de cavaleiro militar da Ordem pode explicar a atitude criticada como autoritária de Villegagnon no Rio de Janeiro, como também uma cultura religiosa marcada pela exemplaridade de São João Batista para um comandante Joanita, impregnado da mentalidade da Cavalaria Militar religiosa. As características do culto a São João Batista do passado são em grande parte pouco compreendidas na atualidade, podendo aqui auxiliar o conhecimento das concepções e formas de expressão ainda vigentes na tradição brasileira.


São João, o maior homem até então nascido, o que justifica atitude de soberania, o líder auxiliador dos homens atribulados sob o jugo da condição terrena a renascer pelo batismo, o que explica o espírito hospitalário,  repleto do fogo do espírito já antes de nascer, levou a associações com o fogo, o que se manifesta em muitas tradições festivas e que também mantém os estreitos elos do ano religioso com o natural do hemisfério norte. Compreende-se, assim as relações com antigas concepções jupiterianas, como vem sendo analisadas na área de estudos Antiguidade/Cristianismo, em particular com o antigo Sangus. Os brasileiros podem melhor que os europeus compreender essas antigas relações: o vice-admiral Villegagnon orientava-segundo o Precursor - era Joanita, o tipo do seu modêlo de exemplaridade era Xangô.




21.09.2014

La Verena/Malta. Festas religiosas em Malta e no Brasil. Malta é um país profundamente católico, de modo que as suas tradições festivas podem ser comparadas com aquelas  de paíse católicos do Mediterrâneo - Itália, em particular Sicilia , Espanha, França -, assim como Portugal no Atlântico. Também podem ser comparadas com expressões festivas tradicionais da América Latina, onde foram introduzidas pelos colonizadores em passado mais remoto ou por imigrantes a partir do século XIX.


Para além de similaridades derivadas de fundamentos religiosos comuns e da mesma estrutura do ciclo do ano religioso relativamente ao natural, constatam-se diferenças nos vários contextos. As suas razões podem ser estudadas, contribuindo para a compreensão de processos culturais e suas interações, e até mesmo abrindo perspectivas para a interpretação de expressões já desaparecidas em certas regiões, mas ainda sobreviventes em outras.


Como ilha de Ordem militar cristã no passado e de importância ainda no presente, Malta, com a sua posição geográfica estratégica, desempenhou papel de central importância no confronto com o mundo islâmico. Nessa posição, compreende-se a força do Catolicismo na vida e na identidade maltesa, que o faz remontar nada menos do que ao próprio apóstolo Paulo.


Em estudos e colóquios com estudiosos malteses na década de 80, tratou-se das possibilidades que uma cooperação maltesa-brasileira pode abrir aos estudos de folclore comparado e à atualização dessa área disciplinar. Com a atenção voltada para formas de expressão cultural situadas entre esferas convencionalmente categorizadas de erudita, popular e folclórica, dedicou-se particular atenção às bandas de música de Malta em cotejos com as brasileiras e sua participação em procissões e festas nos diferentes contextos.


Ainda mais do que no Brasil, a música de banda assume em Malta uma grande relevância na vida das localidades. Uma das razões dessa importância pode ser vista na influência britânica na ilha, que desde o século XIX foi colonia da Coroa britânica, passando a seguir a membro da Commonwealth, o que se manifesta no repertório e instrumentações.


Os elos com a música de banda da Itália, porém, são determinantes. Estes se manifestam de forma mais evidente em composições que revelam a recepção de óperas italianas, explicável sobretudo pelo fato de compositores malteses procurarem centros na Itália para a sua formação. Essas bandas, como no Brasil, acompanham procissões, estas porém são em muito maior número do que as brasileiras, fato que se explica pela intensidade do culto de santos padroeiros de igrejas, cidades e bairros de Malta.


Sobretudo nos meses da primavera, verão e começo de outono do hemisfério norte - em particular as das festas juninas -, a ilha (e também Gozo) são marcadas por numerosas festas locais em datas dos santos festejados, em geral deslocadas para fins de semana. Se no Brasil se conhece decoração de ruas por ocasião de grandes festas, luminárias e contornos com lâmpadas de igrejas - como por ex. no Bonfim - em Malta estas cobrem praticamente todo o pequeno país, uma vez que as festas das diferentes localidades se sobrepõem ou se sucedem.


As ruas e praças tornam-se palcos de encenação: levantam-se altares, anjos com candelabros e grandes figuras de santos sobre pedestais de madeira, papelão e pappmaché imitando mármore em esquinas e no percurso das procissões. Essa prática pode ser constatada mesmo nas vias centrais do centro de La Valletta, de modo que o espaço urbano passa a ser demarcado segundo esses vultos vistos como exemplares, não havendo separações entre o sacro e o profano, estabelecendo-se complexos vínculos entre o secular e o religioso na vida e na aparência das cidades.


O estilo dessas figuras denota a permanência do Barroco dos séculos XVII e XVIII com transpassagens a formas de expressão sentimentais do século XIX ou mesmo de Kitsch mais recente. Entre os santos representados não se encontram apenas aqueles de passado mais remoto, mas vários do século XIX e XX, entre êles dos recentes papas santificados.


Essa prática, nessa intensidade não conhecida no Brasil, chama a atenção para estudos mais aprofundados de encenações, de monumentos provisórios e arcos triunfais no passado brasileiro. A atmosfera criada no espaço urbano com essas teatralização de santos é triunfalista, pois traz à consciência em cada canto exemplos daqueles que são considerados como vitoriosos, triunfantes, ainda que no martírio. Significativamente, as marchas que acompanham as procissões são designadas como triunfais. Já esse sentido que se depreende das festas maltesas abrem possibilidades para a interpretação do sentido da música de banda nas procissões e nas festas religiosas do Brasil. Também o transportar correndo das padiolas com imagens, em particular de Cristo ressuscitado, não surge apenas como curiosidade sem sentido.


Nas observações agora feitas, constatou-se que a prática da música de banda em Malta continua muito mais vital do que no Brasil, passando, porém, por transformações. Observa-se interações com a cultura popular no repertório, em particular também em encontros de jovens.


A permanência de expressões de uma cultura festiva que demonstra uma continuidade remontante ao Barroco surge como singular, uma vez que o mesmo não se deu nas celebrações nas igrejas. Malta experimentou de forma particularmente intensa a restauração litúrgico-musical a partir sobretudo do Motu Proprio de Pio X (1903) e que levou ao combate da música sacra com acompanhamento instrumental.


Se Malta parece ter podido manter de forma mais intensa do que o Brasil uma diversidade de festas do ciclo do ano que abrange toda a vida do país, manifestando a vigência uma concepção do mundo e do homem ainda integral, o Brasil possui uma riqueza maior de expressões culturais de mais remota proveniência. As grandes figuras de Malta nas encenações de cunho teatral são imagens dos vultos venerados, enquanto que no Brasil tem-se ainda em muitos casos a permanência de linguagem visual de diferentes e mais antigos fundamentos hermenêuticos, representando-se antes tipos dos quais os exemplos santificados sinalizados se diferenciam pelas suas virtudes. Apenas em alguns casos essas formas de expressão se mantém em Malta, como no exemplo de representações de lutas de espadas de crianças - a Parata - à época do carnaval em La Valletta e que é referenciada segundo a luta contra os infiéis que tanto marcou a história de Malta. Esse fato indica que é justamente esse tipo de representação - não a realista de figuras dos venerados - que justifica maior alegria nas festas.



20.09.2014

Mdina/Malta. Cidade e Estado de São Paulo no Brasil e Paulo em Malta na sua polêmica atual. A cidade de São Paulo é conhecida mundialmente como uma mas maiores metrópoles do mundo. Entre as muitas cidades que trazem ou trouxeram o nome do apóstolo - como São Paulo de Luanda, Angola - é aquela que mais torna conhecido e presente o nome de São Paulo, mesmo em países de cultura não-cristã e que pouco estão familiarizados com a história e o significado dos apóstolos.


O nome de São Paulo é identificado com uma cidade e Estado, e estes com o nome. Paulo, porém, nunca esteve no Brasi -  a denominação é um fenômeno cultural, explicada pela sua festa a 25 de janeiro como data de fundação da urbe.


O significado teológico de São Paulo - o „apóstolo de povos“ - surge aqui como de  importância básica para análises de relações entre o nome, a cidade e o Estado, tendo fundamentado - talvez preparado - a sua fundação, sendo continuamente refletido em pregações, no ensino e em discursos de patriotismo regional através dos séculos. A expressão „nomen est omen“ trouxe já há muito à consciência o significado do nome de São Paulo para análises das características de processos históricos que partiram do núcleo da missão de origem, para um ethos de sua sociedade e cultura, para a sua imagem e representação. 


Foi assim uma necessidade que essas relações tenham sido sempre estado no centro dos estudos de processos culturais relacionados com São Paulo desde a década de 70 na Europa e mesmo na cidade e no Estado, lembrando-se aqui de encontros no Patío do Colégio e em outras instituições paulistanas e paulistas, por último no âmbito dos 450 anos de São Paulo, em 2004.


Transcorridos agora 10 anos desses eventos, surgiu como oportuno retomar o complexo de questões culturais relacionadas com o nome de São Paulo no contexto de um país que é particularmente marcado pelo apóstolo e que, profundamente católico,  o considera como protetor nacional: Malta. Esse cotejo de situações quanto à discussão das relações entre nome e processos culturais surge como particularmente atual perante a polêmica nos dias presentes entre pesquisadores da história bíblica e aqueles que defendem tradições da história paulina em nome da cultura, imagem e identidade maltesas.


Diferentemente de São Paulo no Brasil, o apóstolo esteve de fato em Malta, pelo menos segundo a história até agora considerada como verídica. Crê-se que ali tenha ocorrido o sossobramento de sua nave na qual viajava em direção a Roma, salvando-se, assim como da serpente que o mordeu ao alcançar a ilha (Atos  27,24-28,10). Esse episódio da história dos apóstolos, assim como os locais relacionados com a presença de Paulo na ilha, constituem os fundamentos do extraordinário significado de Paulo para Malta e que tem a sua expressão mais evidente em grandes igrejas e monumentos. O naufrágio teria ocorrido nas ilhas São Paulo defronte da baía de mesmo nome, a fonte que teria feito surgir encontra-se próxima à costa e a sua grande estátua, em posição de invencível condutor triunfante encontra-se na ilha Selmunetta.


Entre as igrejas, deve-se salientar a da catedral de Mdina e a da igreja de Rabat, não muito dela distante. Nesta última, o culto do apóstolo tem o seu principal centro,  remontante a uma capela já existente no século XIV e que teria sido construida sobre a gruta na qual Paulo teria sido mantido preso durante a sua estadia. A extraordinária reintensificação do culto paulino teria ocorrido na passagem do século XVI ao XVII, sendo atribuída a um nobre espanhol que viveu na gruta como eremita e que levou à construção de uma capela ao primeiro bispo da ilha, Publius, convertido por Paulo.


A igreja de Rabat adquire particular atenção aos estudos relacionados com Portugal e o Brasil pelo fato de sua configuração monumental de sua fachada barroca cair na época do Grão-Mestre português  Manuel Pinto da Fonseca (1681-1773), o que indica a importância adquirida pela  tradição que justificava o significado transcendente de Malta na história do Ocidente e, assim, da legitimidade e da autoridade que cabia aos cavaleiros da Ordem de Malta.


Esse significado de representantes portugueses da Ordem manifesta-se também na cidade de Mdina, cuja reconstrução após terremoto de 1693 foi possibilitada pelo Grão-Mestre Antonio Manoel de Vilhena (1663-1736). Principal monumento de Mdina é a catedral de São Pedro e São Paulo, obra magna de Lorenzo Gafà (1638-1704), projetada em fins do século XVII para substituir a anterior, destruida no terremoto. Essa igreja é sede episcopal e do arcebispado de Malta, posição que divide desde a época da Restauração com a catedral de La Valletta. Segundo a tradição, essa catedral situa-se no local onde Publius teria encontrado Paulo.


Essa catedral e o museu adjacente em cidade-centro da Universidade de Malta  surgem como locais ideais para a compreender-se as dimensões que assume para Malta o questionamento atual da historicidade da presença de Paulo na ilha. Em dissertação de doutoramento de 1987 aceita em Bremen, defende-se a estadia de Paulo na ilha Kephallenia, o que levou a estremecimentos em Malta e a entusiasmos na Grécia. Entretanto, já há séculos há indícios da insegurança de identificação histórica da ilha mencionada nas Escrituras, o que deu origem a diferentes suposições.


A discussão atual traz à consciência o problema das relações entre a linguagem de imagens e os fatos geográficos e históricos. Com o questionamento da presença histórica real do apóstolo na ilha, os malteses encontram-se em posição similar àquela dos paulistanos e paulistas. Ao invés de lamentar-se o fato e negar-se o resultado da pesquisa histórica, dever-se-ia aqui salientar o relativo significado dessas identificações para questões culturais e para uma cultura voltada a esclarecimentos.


A atenção deve ser dirigida primordialmente ao edifício de concepções e imagens de remotas origens capaz de diferentes atualizações: no caso da cidade de São Paulo o da conversão do apóstolo a 25 de janeiro, no de Malta o do naufrágio, rememorado a 10 de fevereiro. A imagem da barca, de naufrágios e do salvamento é conhecida da Antiguidade, também da não-bíblica, e a sua interpretação deve considerar os conhecimentos já obtidos pela pesquisa cultural, em particular do sistema de imagens, e aqueles em desenvolvimento.


A polêmica atual sugere que uma cooperação maltesa-brasileira poderia aqui chamar a atenção para uma reorientação teórico-cultural dos estudos bíblicos e teológicos, aprofundando, diferenciando e mesmo superando assim aproximações históricas que surgem como expressão de superficial leitura de textos e de compreensão do patrimônio de concepções e imagens do mundo e do homem de remota proveniência.



19.09.2014

Malta/Portugal/Itália/Brasil. O Teatro Manoel em La Valletta do Grão-Mestre Antonio Manoel de Vilhena (1663-1736) nas dimensões globais do seu significado. As reflexões perante as ruínas do teatro onde encenou-se no século XIX o Il Guarany de A. Carlos Gomes em Malta, o Royal Opera House de La Valletta, hoje teatro open-air, dirigiu as atenções para o teatro que o substitui e que é muito mais antigo: o Teatru Manoel, desde 1960 teatro nacional.


A realização da ópera do compositor brasileiro - que pode ser vista como um marco histórico para os estudos Malta-Brasil -, caiu em época na qual Malta era colonia da Coroa britânica. Esse status remontava à Paz de Paris, de 1814, e a presença britânica ao regimento ali estacionado após a retirada dos franceses em 1800. Estes tinham sob Napoleão encerrado dois anos antes a secular administração da soberana Ordem de Malta (dos Joanitas).


O Teatru Manoel, de 1731,  remonta a essa época mais remota e traz à consciência que os estudos relacionados com a vida teatral, operística e musical em geral de Malta nos seus elos com o mundo de língua portuguesa devem considerar contextos epocais muito anteriores, de séculos nos quais o Brasil era colonia de Portugal. Criado como Teatro Pubblico, foi designado como Teatro Reale sob os franceses, passando a Theatre Royal sob os ingleses em 1812; com o surgimento da Royal Opera House, passou a ter em 1866 o nome do seu grande fundador, o Grão-Mestre português Antonio Manoel de Vilhena.


Esse teatro, hoje um dos principais monumentos históricos de Malta, centro da vida musical de La Valletta, abrigando recitais, orquestras - sede da Orkestra Filarmonika Nazzjonali -, festivais de jazz e mesmo rock - onde também já atuaram artistas brasileiros, surge como um dos mais valiosos  exemplos da arquitetura de teatros da Europa, sendo considerado uma „jóia do Barroco“.


Nos estudos de arquitetura de orientação cultural de casas de espetáculos, as atenções não devem assim restringir-se aos elos entre a esfera italiana, Portugal e Brasil representados pelos teatros San Carlo de Nápoles, São Carlos de Lisboa e o antigo Real Teatro de São João do Rio de Janeiro (Veja notícia de 21 de agosto). O Teatru Manoel, que perdera em grande parte o seu significado à época do monumental Royal Opera House, sendo usado para sala de dança, teatro de variedades e cinema, é hoje reconhecido no seu significado local e supra-nacional como um dos mais antigos ainda em funcionamento do globo.


Nele instalou-se um museu, no qual apresentam-se programas de concertos, jornais, fotografias e outros testemunhos da história do teatro e dos artistas que por ali passaram, além de requisitos da técnica de palco e de encenações, como um raro aparelho de produção de efeitos sonoros. Através de demonstrações, pode-se conhecer assim os meios utilizados para a imitação de ruídos, como aqueles da natureza - chuva, trovões, ventanias -, em geral pouco considerados em estudos musicológicos e culturais, mesmo naqueles relacionados com a ópera.


O principal interesse do Teatro Manoel reside no fato de ter sido criado pelo Grão-Mestre Antonio Manoel de Vilhena, filho do conde de Vila Flor,e pertencente ao ramo de idioma de Castela da Ordem. Como tratado na exposição permanente no Teatro Manoel, essa iniciativa assume grande significado na história sócio-cultural e urbana de Malta, e mesmo européia em geral. Anteriormente, as apresentações davam-se em salas das diferentes representações nacionais da Ordem, com a construção do teatro, procurou-se criar um centro para a „edificação nobilitadora do povo“. A atual platéia servia de sala de danças e nas representações atuavam os próprios aristocratas, cavaleiros da Ordem.

Os programas expostos testemunham os estreitos elos com a esfera italiana. Se a arquitetura do teatro parece referenciar-se segundo o de Palermo, na Sicília tão próxima de Malta, a primeira obra ali apresentada, em janeiro de 1732, foi Merope, tragédia de Francesco Scipione Maffei (1675-1755). Esse fato testemunha a inserção cultural de Malta no desenvolvimento histórico-cultural continental da península itálica, uma vez que Merope representou um ressurgimento da sua arte dramática.


A menção a essa grande personalidade da erudição e das artes do Barroco - literato, arqueólogo, músico e teórico - é de especial relevância nos atuais estudos de relações Cultura/Natureza por dirigir a atenção a imagens arcádicas. Maffei foi membro da Academia da Arcadia de Roma e criador de similar academia em Verona. Nesse contexto, explica-se o significado de Maffei na história da arqueologia, reconhecido que é o seu trabalho de colecionador de plásticas, urnas, inscrições e objetos vários do passado pré-romano e romano, em particular veneziano.


A lembrança do movimento arcádico aguça a sensibilidade para a percepção de sentidos das representações de paisagens com cenas de ruínas e idílios campestres, de pastorais bucólicas nos parapeitos de camarotes e balcões da sala de espetáculos do Teatro Manoel. Essas referências pictóricas a paisagens arcádicas emprestam sentidos quanto a relações entre cultura e natureza à sala, ainda que esta tenha sido reformada em 1844 a partir do modêlo do famoso teatro de Veneza - o La Fenice.


Antonio Manoel de Vilhena tem não não apenas a sua memória presente em Malta na denominação do edifício. A sua obra arquitetônica e político-cultural tem um significado mais amplo, abrindo perspectivas também para estudos de teatros e da cultura arcádica e a tradições pastorís no Brasil. O teatro foi um de seus grandes empreendimentos, empenhando-se de forma especial na sua construção, adquirindo o terreno, demolindo casas anteriores ali existentes e acompanhando-a. Historiadores de arte vêem o edifício como exemplar significativo de um estilo maneirista maltês, o seu interior como expressão do barroco tardio ou rococó.


O seu projeto e construção testemunha as dimensões internacionais da cultura maltesa; entre as atribuições autorais, cita-se o arquiteto-militar Charles François Mondion (1681-1733). Entre os seus construtores, salienta-se o de Francesco Zerafa, arquiteto de importância no patrimônio edificado da ilha, autor do monumental Palazzo Castellania, de 1760, levantado durante o govêrno do Grão -Mestre Manuel Pinto da Fonseca (1681-1773), personalidade de grande relevância para o Iluminismo e a história cultural de Malta, tendo-a marcado com a expulsão dos jesuítas.


Da exposição no atual museu depreende-se também o significado do teatro para estudos relativos ao Iluminismo, ou melhor, ao processo esclarecedor no contexto da soberania de ordem religiosa de tão secular tradição. Nele levaram-se obras de cunho crítico a situações eclesiásticas e da tradição da cavalaria, como obra de Girolamo Gigli (1660-1722). Esse desenvolvimento indica os estreitos elos entre o Esclarecimento e a reconscientização da cultura da Antiguidade, surgindo neste contexto como emblemático o fato de ter o Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca comemorado o seu aniversário em 1769 com a apresentação de obra de título „O triunfo de Minerva“.



18.09.2013

La Valletta. O destruído teatro da realização de Il Guarany de A. Carlos Gomes em Malta: The Royal Opera House no debate político-cultural da atualidade - The Antithesis of Reality hoje e no passado. A atualização dos estudos de relações Malta-Brasil levada a efeito em La Valletta e outras cidades maltesas incluiu a retomada de temas anteriormente tratados e a procura de novos dados e novas aproximações para dar continuidade às pesquisas respectivas. Um dos documentos que chamaram a atenção em trabalhos na Biblioteca Nacional de Malta na década de 80 foi o programa  de Il Guarany de Antonio Carlos Gomes, ópera encenada em 1879/80 no The Royal Opera House em La Valletta. (Veja)


A procura de outros dados referentes a esse importante marco na história dessa ópera e da música do Brasil na Europa, apresentada em ambiente cultural marcado ao mesmo tempo pelos elos culturais com a Itália e com a Inglaterra, assim como do contexto em que foi realizada revela-se como difícil, uma vez que o teatro e seus arquivos foram destruídos por ataque aéreo em 1942, no decorrer da Segunda Guerra Mundial.


Esse teatro era um dos mais monumentais edifícios de La Valletta e um dos mais significativos exemplos de arquitetura teatral do século XIX. A sua construção representou um empreendimento de grande relevância para a afirmação cultural inglesa na ilha. Era o mais representativo teatro do Império britânico fora da Inglaterra e mesmo do mundo colonial em geral. À época da apresentação de Il Guarany  a casa de ópera era relativamente nova, uma vez que a sua construção tinha sido iniciada em 1862 e o edificio inaugurado em 1866. Mais novo ainda era o seu interior, pois tinha sido restaurado em 1877 após incêndio ocorrido em 1873. A sua reabertura deu-se com Aida de Verdi.


Foi projetada pelo arquiteto inglês Edward Middleton Barry (1830-1880), arquiteto que havia trabalhado na reconstrução do teatro do Royal Opera House no Covent Garden em 1857, destruído por um incêndio, e na construção do Floral Hall, um exemplo da arquitetura em vidro e estrutura metálica . O seu renome expressa-se no fato de ter atuado no novo Palácio de Westminster e no Town Hall de Halifax. O fato de ter construído o teatro no Covent Garden favoreceu que fosse contratado para o projeto do The Royal Opera House em La Valletta. Sob o ponto de vista da arquitetura, o teatro contrastava estilisticamente com as outras construções da cidade, estabelecendo um marco diferenciador que se tornou emblemático de Malta britânica por décadas. A sua construção exigiu a adaptação por meio de uma plataforma ao terreno inclinado que caracteriza a disposição urbana de Malta.


Hoje, o brasileiro que procure o teatro onde se apresentou o Il Guarany apenas encontra o terraço,  algumas colunas e portais do pavimentoe térreo. Trata-se de um grande areal em ruínas na entrada da cidade, em ponto alto de sua principal via, hoje local de exposição da história do teatro e dos planos de sua reconstrução. O debate a respeito da reedificação do teatro marca a história político-cultural de Malta das últimas décadas, uma vez que o dispêndio de tão elevadas verbas não parece ser razoável perante as outras necessidades do país. Por outro lado, trata-se um local privilegiado e determinador da fisionomia urbana. Um dos principais projetos de reedificação do teatro apresentados é o de Renzo Piano, aprovados mas nunca iniciados. Outros projetos visaram a transformação do local em complexo comercial e cultural ou apenas centro cultural.
Também se propôs recentemente o uso do local para um novo edifício do Parlamento, ao qual entre outros se opôs o arquiteto Renzo Piano, preferindo a criação de um teatro ao ar livre. Não apenas os custos da reedificação, mas também o tamanho da área, insuficiente para um teatro segundo as exigências atuais surgem como razões contrárias à construção. Também argumenta-se que as ruínas do antigo teatro representam hoje um monumento, um memorial do passado britânico e da Guerra. Essa sugestão do arquiteto, porém, foi vista como intromissão externa em questões de memória do país. O teatro ao ar-livro foi inaugurado em 2013 sendo intitulado „Praça Teatro Real“. 


Sob o nome de The Antithesis of Reality - um cartão postal da Royal Opera House, apresentou-se de 23 de julho a 3 de setembro do corrente ano uma instalação fotográfica de Patrick J. Fenech. Essa instalação gira ao redor de um dos muitos cartões postais produzidos pelo Estúdio Richard Ellis que circularam na Europa e que apresentavam o magnífico teatro desaparecido. A partir desse cartão e da placa negativa da fotografia, o artista tece reflexões estéticas: considera a imagem fotográfica como um traço, uma pegada ou máscara mortal de um prédio que não mais existe. A placa com o negativo da foto surge como sendo a única certeza contra a passagem do tempo, preservando, artificialmente a aparência do corpo desaparecido. Esse vestígio material surge como uma garantia contra a última destruição, a da memória do próprio edifício. O artista questiona os pontos de vista divergentes sobre intencionalidade e experiência, ontologia e estética realista. É fascinado pela continuada necessidade de realidade na era digital. A imagem fotográfica torna-se ela própria objeto, o objeto liberta-se das condições de tempo e espaço que o governam. Essa discussão, levada à frente das ruínas do teatro onde há muitas décadas se apresentou o Il Guarany trouxe à consciência questões de imagens nas suas relações com a realidade que também surgem como pertinentes na consideração da obra de Carlos Gomes.



17.09.2014

La Valletta. Atualização de estudos culturais Malta-Brasil no âmbito do projeto Cultura/Natureza - Barroco e trópico nos jardins do palácio presidencial de Santo Antonio em Attard e o projeto Gardmed. Em viagem promovida pela A.B.E. a La Valletta e a outras cidades de Malta, procurou-se retomar de forma atualizada os estudos concernentes a relações entre Malta e o mundo de língua portuguesa, em particular sob a perspectiva do Brasil. A atenção a Malta é já de décadas, remontando a pesquisas em contextos imigratórios primeiramente dirigidos a italianos no Brasil e posteriormente acentuada através de contatos com estudiosos, regentes, compositores e organistas malteses em eventos e em trabalhos internacionais no âmbito da música sacra em instituições romanas. (Veja)


A aproximação a questões culturais de Malta deu-se assim primeiramente através de seus estreitos vínculos com desenvolvimentos italianos, não apenas explicáveis pela sua proximidade à Sicília, mas sobretudo pela importância do Catolicismo em Malta. Compreensivelmente, em viagem de contatos e pesquisas levada a efeito em Malta nos anos 80, a música sacra, a restauração litúrgico-musical do século XIX, questões pós-conciliares, os elos do ensino e da vida musical com a Itália e a ópera estiveram no centro das atenções. Considerou-se, significativamente, sob a perspectiva ítalo-maltesa-brasileira, a apresentação de Il Guarany de A. Carlos Gomes  (1836-1896) em Malta. (Veja)


Já nessa época, porém, constatou-se que esses elos culturais com a Itália apenas representam um aspecto a ser considerado. Malta, pela sua posição geográfica, assume extraordinário significado para o estudo de contatos entre o Oriente e o Ocidente, do Mediterrâneo e do Atlântico, de relações entre a Antiguidade e a expansão do Cristianismo como ilha marcada pela missão do Apóstolo Paulo, de desenvolvimentos interno-europeus e o mundo extra-europeu, de confronto entre o Ocidente cristão e o mundo islâmico, da expansão da presença britânica no mundo em substituição ao predomínio ibérico, assim como das transformações ocorridas nesse país insular tão próximo ao Norte da África após a Segunda Guerra, com a sua independência e integração na Europa. Impõe-se, assim, que os estudos de processos que aproximam Malta e o Brasil sejam conduzidos sob diferentes enfoques e referenciações à luz do desenvolvimento dos estudos culturais mais recentes.


Nos ciclos em diferentes contextos que se realizam em 2014 com vista ao desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental, Malta não poderia deixar de ser também considerada. A sua situação geográfica como ilha foi decisiva na sua história política, de modo que o mar e a terra marcaram e marcam a cultura maltesa de forma explícita ou velada, em expressões culturais e artísticas. Hoje, Malta se defronta com graves problemas de expansão urbana no seu pequeno território insular, o que faz com que questões do uso da terra nas suas implicações para com o patrimônio natural surjam como particularmente atuais. Ao mesmo tempo, Malta distingue-se pelo fato de possuir grandes jardins de particular interesse paisagístico e cultural.


Nesse contexto, o jardim do Palazz ta‘ Sant‘Anton em Attard como residência do Presidente da República assume relevância especial. Na sua arquitetura, o palácio remonta ao período de soberania da Ordem dos Joanitas no século XVII, tendo sido construído como residência de verão do Grão-Mestre Antoine de Paule (1551/2-1636), época de brilho na vida sócio-cultural de círculos político-religiosos que administravam Malta. Esse Grão-Mestre da Provence foi sucessor do português Luís Mendes de Vasconcellos (c. 1542-1623), nascido em Évora e que foi governador de Angola.


Edificando uma grande vila em terreno de sua propriedade junto ao povoado de Attard, esse empreendimento do Grão-Mestre surge como signicativo para o estudo de grandes residências, de villas em ambiente semi-rural e do paisagismo. Essa grande casa  em meio idílico próximo à natureza e à vida campônea ampliou-se posteriormente a palácio. Da sua torre, toda a paisagem envolvente pode ser contemplada.


A sua designação de Santo Antonio (de Lisboa ou de Pádua) é significativa sob diversos aspectos; a devoção a esse santo pelo Grão-Mestre denota elos tanto com Portugal como com a Itália. Esses elos religiosos com as duas esferas culturais manifestam-se também na capela palacial, dedicada à Nossa Senhora do Pilar, demonstrando a cultura mariana da Espanha, assim como armas de mestres portugueses da Ordem, salientando-se aqui Manuel Pinto de Fonseca (1681-1773), grande vulto da história cultural e da época do Iluminismo em Malta.


A designação dos jardins segundo Santo Antonio traz à consciência também os elos dessa residência afastada e seus jardins com o franciscanismo. O silêncio e a posição privilegiada quanto à beleza natural adequada à introspecção dos jardins correspondem a ideais conhecidos de residências e conventos franciscanos em outros contextos, abrindo aqui perspectivas inesperadas à sua interpretação. Abrem-se também novas perspectivas para o estudo dos múltiplos caminhos do franciscanismo no decorrer da história, também nas suas relações com o meio ambiente e a paisagem.


Se a arquitetura do palácio pode ser analisada nas suas transformações em função da história política de Malta, tendo sido à época britânica residência do governador, o mesmo pode ser visto nos seus jardins, abertos ao público já em 1882. Trata-se de início de um exemplo excepcional de paisagismo do Barroco e do papel na arte de jardins da época de plantas sub-tropicais e tropicais, possuindo exemplares seculares, entre êles grandes seringueiras. Os jardins de Santo Antonio adquirem, assim, significado para estudos concernentes ao tropical no Barroco e ao Barroco nos trópicos. Uma particularidade da área consiste nos jardins da cozinha do palácio, uma horta que hoje faz parte do projeto Gardmed, rêde de jardins mediterrâneos, uma instituição que procura fomentar cooperações entre países do Mediterrâneo quanto ao patrimônio de parques e jardins, salvaguardando as suas características próprias e atentando às exigências ambientais da atualidade.


Uma monumental fonte que marca a entrada dos jardins de Santo Antonio denota as relações de concepções culturas de fundamentação religiosa com a natureza, sugerindo a sua metamorfose ascensional e o significado da água, também nos seus sentidos simbólicos ou metafóricos. A designação de Santo Antonio dirige aqui a atenção a sentidos relacionados com a água que sobe da terra, com o amor e os afetos. É significativo que o tema do amor sagrado e do amor profano seja na atualidade tematizado em concertos de música antiga por conjuntos de Malta, registrando-se aqui inserções na esfera espiritual carmelita de Mdina. Tanto no passado como na atualidade, esses jardins servem como local de eventos culturais, em particular musicais. As reflexões encetadas em Malta relativas aos elos entre o paisagismo e a cultura franciscana puderam basear-se em estudos relativos aos franciscanos no Brasil e oferecem, por sua vez, subsídios para o desenvolvimento desses estudos.



16.09.2014

Bad Gastein/Áustria. Traços do Brasil: Dna. Thereza Christina (1822-1889) e Conde d‘Eu (1842-1922) em letras douradas na igreja de S. Primo e Feliciano sob a perspectiva das relações Cultura/Natureza. Por motivo dos 125 anos de falecimento da última imperatriz do Brasil no corrente ano, a A.B.E. promoveu uma visita à estância hidroterápica e de esportes de inverno austríaca de Bad Gastein à procura de seus traços e da atmosfera de um local no qual a família imperial passou temporada e que foi de particular agrado a Dom Pedro II.


Essa visita foi resultado do estudo de obra de Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (O imperador e a atriz: Dom Pedro II e Adelaide Ristori. Caxias do Sul: Educs, 2007, 262 p.; il; ISBN 978-85-7061-457-5). (Veja notícia de 23 de agosto). Nessa obra, o autor menciona a estadia de Dom Pedro II em Bad Gastein, onde chegou no dia 5 de agosto de 1876 e onde ficou um mês. Ali encontrou Guilherme I (1797-1888), rei da Prússia e, desde 1871 primeiro imperador da Alemanha. Esse imperador vinha desde 1863  anualmente passar temporadas em Bad Gastein.


A estadia decorreu poucos anos após a „Convenção de Gastein“ entre a Áustria e a Prússia relativa a questões de soberania em Schleswig-Holstein, o que testemunha o significado político da cidade. Essa convenção teve o sei documento final assinado no Hotel Straubinger, junto à cachoeira, o maior da cidade no passado, um fato lembrado em placa comemorativa. O imperador alemão residiu no palácio balneário (Badeschloss), junto à cachoeira, do lado oposto do Hotel Straubinger, construído em fins do século XVIII (1791-1794) por ordem do Príncipe-Arcebispo de Salzburg.


Em carta ao Conde Arthur de Gobineau (1816-1882), o imperador brasileiro afirmava estar gostando muito do lugar: „amo este pitoresco (lugar), um pouco selvagem, e pertinho do meu Hotel há uma magnífica cachoeira“. (op.cit. 105)


A menção ao pitoresco da paisagem, ao „pouco selvagem“ e à grande cachoeira de Bad Gastein bem próxima ao hotel desperta a atenção sob o aspecto do projeto „Cultura/Natureza em desenvolvimento no corrente ano, sobretudo por encontrar-se Bad Gastein hoje  no Parque Nacional Hohe Tauern. Ela oferece uma possibilidade de aproximação aos critérios estéticos de apreciação paisagística dos soberanos brasileiros, mas possui significados muito mais amplos.


De fato, a grande cachoeira que cai entre rochas de grandes alturas alpinas ao vale e entre construções do século XIX e início do XX é uma das principais características do centro antigo de Bad Gastein. A designação de „pitoresco“ de Dom Pedro II é plenamente adequada para a descrição das poucas ruas e praças ao redor das montanhas com os seus edifícios apalaçados nas encostas do vale cercado de florestas. A designação de „pouco selvagem“ também surge como adequada, uma vez que a vegetação natural mistura-se com a dos jardins com a fonte de água, com a queda e as corredeiras da cachoeira, criando um contraste com os edifícios de hotéis que ainda manifestam nobilidade e passada elegância, assim como algumas casas indicativas de um já longinquo passado camponês alpino.


Essa configuração urbana de cidade encravada em altas encostas de fundo do vale do rio Gastein, aos pés do Graukogel, torna manifesta a transformação de um mundo quase que inacessível de florestas em remoto passado a um mundo de cultivo camponês de montanhas que o seguiu (Alm), ao da extração de minérios e àquele de nobre estância do século XIX.


Pela falta de espaço, os edifícios, de muitos andares, encostados às montanhas, descem até os fundos dos vales, criando uma fisionomia que relaciona uma configuração de aldeia com a de grande cidade com arranha-céus, um exemplo histórico de situações urbanas que se conhecem no Brasil.


Em exposição de fotografias num dos principais prédios locais toma-se conhecimento que a cidade foi visitada até meados do século XX por grandes vultos da política e da cultura e das artes. Do século XIX, cumpre mencionar o compositor Franz Schubert (1797-1828) que ali compôs em 1825 os Lieder “Die Allmacht“ e „Das Heimweh“ segundo poesias de Ladislaus von Pyrker (1772-1847), que ali realizava tratamento de cura, assim como a desaparecida „Sinfonia de Gastein“. Em 1854 e em 1855 ali esteve Johann Strauss Filho (1825-1899). Para além de estância de águas e de esportes de inverno, Bad Gastein tornou-se com o seu Cassino Áustria um centro de jogo, sendo cognominado de Monte Carlo dos Alpes.


Hoje, o romantismo de Bad Gastein adquire uma sombra acentuada de nostalgia e melancólica tristeza, pois muitos dos edifícios encontram-se vazios e abandonados, indicando a decadência que atinge muitas estâncias termais e que é, no caso local, em parte resultado de especulação imobiliária e de desastrosos empreendimentos arquitetônicos dos anos 60 e 70, ainda que então premiados.


A mudança de hábitos e interesses leva a que uma outra zona da cidade seja mais procurada, aquela dos altos, junto à estação de estrada de ferro e à estrada de rodagem, dos quais sobem aos cimos os esquiadores nos meses de inverno. Ali se encontram hoje as modernas termas nas rochas.


A igreja que domina o parque das fontes é a de São Primo e Feliciano, construída em 1866 e 1876 em estilo neogótico. Esses irmãos, martirizados sob Diocleciano ao redor de 297, eram muito venerados no Sul da Alemanha e na Áustria, ainda que a hagiografia apresente versões diferentes de suas vidas. Na Baviera, são lembrados como legionários romanos que teriam missionado no Chiemgau, onde Primo teria encontrado uma fonte de águas curativas em meio a uma floresta, até hoje existente (Adelholzen). A pregação cristã dos dois irmãos relaciona-se segundo essa tradição com as qualidades medicinais das águas, o que explicaria a dedicação da igreja junto à fonte em Bad Gastein e o seu significado no âmbito da restauração católica da época.


A Primo e Feliciano foram dedicadas várias igrejas na Áustria, entre elas em Maria Wörth, próxima a Klagenfurt. Segundo tradição local de Bad Gastein, registrada em pintura com características românticas à entrada da igreja, Primo e Feliciano foram eremitas que viviam junto a uma fonte de água encontrados por caçadores ao redor de 680. Estes haviam lançado uma flecha em cervo, perseguindo os seus rastros de sangue, até que o encontraram junto aos eremitas que dele tratavam.. Estes, pediram aos caçadores que poupassem o animal, difundindo antes pelo mundo as virtudes das águas quentes da fonte para a cura dos homens. Essa lenda de Primo e Feliciano adquire, hoje, particular significado sob o ponto de vista de estudos culturais de orientação ambiental e de defesa de direitos de animais.


A essa época distante contada pela hagiografia local remontaria uma primeira igreja, cuja fonte histórica mais antiga é de 1412. A velha igreja foi demolida em 1858, dando lugar à atual. Na sua configuração interna, a igreja neo-gótica então levantada é de nobre simplicidade, lembrando ao observador brasileiro aquela de Caxambu edificada em cumprimento de promessa pela gravidez da Princesa Isabel (Veja notícias de 5 e 7 de março de 2013), podendo lembrar também a da catedral de Peotrpolis.


À entrada, do lado direito, de ambos os lados de um altar a São Judas Tadeu, encontram-se placas com os nomes dos benfeitores que possibilitaram a sua construção. Numa delas, encontra-se, em primeiro lugar, o nome da imperatriz brasileira. Na placa fronteira, entre os nomes registrados, o do Conde d‘Eu. Nota-se que nessas placas não surge o nome de Dom Pedro II, o que é significativo como testemunho da religiosidade da imperatriz e para a consideração da posição distanciada do soberano brasileiro - personalidade das ciências, da cultura e da tradição esclarecedora - quanto ao movimento restaurador católico sob Pio IX (1792-1878).


O nome da imperatriz do Brasil abre como personalidade de posição mais elevada uma longa lista, sendo seguida pelo Arquiduque Sigismund, pelo Príncipe-Arcebispo Franz Albert Eder, pelo Príncipe Adolf Schwarzenberg e Princesa Iulie zu Oettingen-Wallerstein, entre muitos outros. Entre os nomes dos benfeitores da outra lápide de mármore, com letras em ouro, aberta pelos imperadores Franz Joseph e Ferdinand, incluindo o rei da Prússia e imperador da Alemanha Guilherme I, surge o nome do Conde d‘Eu.



15.09.2014
Velden no lago Wörther/Áustria. Popularidade e resignificações da cultura popular regional alpina e forró brasileiro: folclore no Pink Lake Festival em interpretação queer. Constata-se na atualidade uma crescente popularidade do uso de trajes tradicionais em festas populares e na vida social da Áustria e da Alemanha. Tanto ocasiões tradicionais festivas - por ex. de Atiradores - como também em eventos oficiais e de alta sociedade, o traje tradicional vem sendo usado não apenas por pessoas de mais idade, como também por jovens. Se em alguns círculos manifesta consciência de tradição, em outros tornou-se moda, chic, trendy ou hip.


No Brasil, trajes alpinos são usados em festividades de coloniais de língua alemã no sul do Brasil, em particular nas „festas de outubro“, não apenas por descendentes de alemães. Tem-se registrado, na Alemanha e na Áustria, que estrangeiros, - também brasileiros sem origem alemã-, passam hoje a usar trajes considerados como característicos de determinadas regiões, da Bavária ou do Steiermark.


Esse fato merece a atenção como indícios de integração ou assimilação de residentes nas respectivas regiões, o que, porém, não esgota as possibilidades de análises. Eles trazem de novo à discussão um complexo de questões já considerado nos últimos anos, entre outros em sessão realizada no Teatro S. Pedro de São Paulo por ocasião do encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil, em 2002: o da resignificação de expressões folclóricas ou da cultura popular.


Na época, a atenção concentrou-se em problemas relativos à permanência e ao fomento do folclore no Brasil. A preocupação nesse sentido levou, no passado, ao uso de termos como defesa do folclore ou proteção, o que se reflete ainda ainda em concepções que permanecem vivas na consciência atual da necessidade de preservação da cultura imaterial.


Considerou-se,e porém, que muitas e das mais significativas das expressões culturais tradicionais do Brasil são manifestações lúdicas de festas do ciclo religioso do ano.


As pesquisas desenvolvidas nos últimos anos revelaram que, na sua linguagem visual, essas tradições, embora nem sempre compreendidas no seu sentido, inclusive por teólogos, transmitem conteúdos de um edifício consuetudinário de concepções e imagens, tendo sido usadas no passado para fins missionários. Não cabendo a campanhas oficiais e aos Estudos Culturais em geral promover remissionações ou a revitalização e solidificação de concepções religiosas a partir de suas formas exteriores, que apresentam imagens em parte até mesmo questionáveis quanto a discriminações, levanta-se a questão da resignificação de linguagens visuais.


Uma renovada aproximação a esse debate deu-se na cidade de Velden às margens do lago Wörther, na  circunscrição de Villach na Caríntia, visitada no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. em agosto (Veja notícias anteriores).


Velden, localidade de antiga história, tornou-se em fins do século XIX balneário prestigiado pelas suas belezas naturais, qualidades de água e ar e local de veraneio de austríacos de posses, o que é documentado pelas suas muitas mansões em „arquitetura do lago de Wörther“. Esse passado de balneário mantém-se hoje de forma modificada em cidade que se transformou na mais elegante e mundana da região, procurada não apenas pelo antigo palácio Velden - hoje hotel - mas sim também pelo cassino fundado em 1922 e que, substituido por nova construção inaugurada em 1989,  ocupa área central. Esse cassino faz de Velden uma espécie de Monte Carlo da Áustria. Compreensivelmente, a vida sócio-cultural é marcada por apresentações de moda, estréias de filmes, exposições de veículos históricos e presença de estrelas, modelos e de artistas de entretenimento, de cinema ou de televisão.


Em Velden deparou-se com vários brasileiros que, sem ascendência austríaca ou alemã, vestindo trajes típicos alpinos - ainda que com alterações e sinais humorísticos de distância quanto ao representado  - dirigiam-se à festa de abertura ao ar livre do „Pink Lake Festival“ na praça Gemona, no centro da cidade. Essa abertura, sob o nome de „Almdudler Trachten-Party“, leva à vinda de centenas de visitantes de várias regiões da Áustria e de outros países trajando roupas características da vida camponesa de pastores alpinos com elementos de transvestismo, o que indica uma resignificação queer da cultura tradicional.


Essa reinterpretação transformadora de sentidos através da performação lúdica diz respeito não apenas a trajes, mas também à música e a dança regionais. É significativo notar que nas elaborações musicais de DJs ou mesmo em apresentações ao vivo de cantor-animadores como Franky Leitner do Steiermark ou de grupos tradicionais, como o de sapateado (Schuhplatter) de Almraush Sattendorf, integram-se elementos latinos, em particular da música popular do norte e do nordeste do Brasil. Essa aproximação do Brasil a expressões tradicionais alpinas representa não apenas mais um testemunho da difusão do forró na Europa, com as suas respectivas implicações para uma transformação da imagem do Brasil, mas sim a sua inserção em processo transmodificador de sentidos que abrange outras manifestações da country culture. Tem-se, aqui uma continuidade modificada de um processo já secular de transformação cultural não dirigida e que levou ao surgimento de expressões regionais similares nos seus sentidos - apesar de suas diferenças - em diversas regiões, o que já foi considerado em estudos comparados, por ex. entre o Brasil e o norte do México ou Texas. Os caminhos transmudados da polca, do shottisch, do galope e de outras músicas e danças do século XIX são muitos.



14.09.2014

Hagen/Alemanha. Atualidade do „impulso de Hagen“ e da idéia „Folkwang“: arte e vida e o ideal da obra de arte integral em contextos industrializados - „fazer de novo o Belo tornar-se fator determinante na vida“. Os estudos euro-brasileiros desenvolvidos em agosto na Eslovênia e na Áustria, e que se inseriram nos atuais intentos de desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental, dedicaram particular atenção à arquitetura nos seus elos com a natureza. Ljubljana surge como uma das principais cidades do Art Nouveau na Europa e de ideais de transformar metrópoles em „obra de arte total“, salientando-se aqui o arquiteto  Joze Plecnik (1872-1957), discípulo de Otto Wagner (1841-1918), o grande teórico e arquiteto-planejador de Viena.


Em Klagenfurt, a consideração de Gustav Mahler (1860-1911) (Veja notícia anterior) trouxe à tona os elos entre a música, a arquitetura da „Secessão“ austríaca e as artes industriais: a sua esposa - Alma Mahler (1879-1964) - manteve relações com Walter Gropius (1883-1969), um dos principais arquitetos das tendências que marcaram o século XX, o Bauhaus. É justamente no centro principal dos estudos universitários do Bauhaus que se constata na realidade um particular interesse por questões de relações entre a arquitetura e o meio ambiente e o de comparações de atmosferas para o melhoria da qualidade de vida (Veja notícias anteriores, em particular de 9 de julho).


O estudo da arquitetura e de concepções construtivas e urbanas em fins do século XIX e início do XX, em particular nas suas relações com um amplo movimento de Reforma que influenciou várias esferas da cultura e da vida, surge como particularmente atual em ano marcado pelos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. Ela é de interesse para estudos relacionados com o Brasil, país que possui exemplos significativos do Art Nouveau (p.ex. edifícios da Escola de Comércio de São Paulo e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo no bairro de Higienópolis) e que, para serem considerados adequadamente nos seus significados, exigem ser analisados nas suas inserções em movimento de amplas dimensões internacionais.


As observações feitas na Eslovênia e na Áustria foram consideradas em visita realizada no dia 10 de setembro a um dos principais centros de impulsos do amplo movimento de reforma arquitetônica, urbana e da vida em seus múltiplos aspectos da época que precedeu a Guerra e que teve consequências para os desenvolvimentos posteriores: a cidade de Hagen no centro industrial do Ruhr, Alemanha.


De modo muito significativo, fala-se nas últimas décadas do „Impulso de Hagen“, o que não apenas deve ser entendido historicamente, mas também no seu significado no presente. O principal motor desse impulso foi Karl Ernst Osthaus (1874-1921), personalidade proveniente de família tradicional e de posses que atuou como mecenas e realizador de visões, reunindo em torno de si arquitetos, intelectuais e artistas de desenho industrial. Do ponto de vista histórico-arquitetônico, Hagen adquire um significado de particular relevância, pois é considerada como sendo a primeira cidade do Jugendstil - o Art Nouveau - na Alemanha. Consequentemente, a casa de Karl Ernst Osthaus em Hagen-Eppenhausen inclui dependência dedicada à vida e obra de Henry van de Velde (1863-1957), o grande arquiteto belga desse estilo tão marcado pelo mundo vegetal.


Essa mansão surge como modêlo de um intento de concepção global da organização do espaço: o seu interior, planejado nos seus detalhes de ornamentação e mobiliário, não é arbitrário relativamente a seu exterior, mas com este forma um todo indissolúvel. Esse intento empresta uma nova qualidade estética e relevância à forma de objetos de uso diário, demonstrando o significado desse movimento de reforma para o design.


A casa de Osthaus - o Hohenhof -, de Henry van de Velde, foi pensada para ser centro de uma Colonia de Artistas em Cidade-Jardim. Esta Cidade-Jardim Hohenhagen, de 1909, não representava apenas um contraste com as situações urbanas, arquitetônicas e de vida lamentáveis de cidades industriais da região, mas sim como obra-modêlo de uma concepção integral, da qual deviam sair impulsos para uma reforma renovadora de amplas proporções, também sociais. Assim, Osterhaus fomentou a construção de um bairro operário e um plano geral construtivo para a região industrial da Renânia-Vestfália.


As reflexões deverão ter prosseguimento, marcando-se para o início de outubro sessões de estudos em Bruxelas para a consideração contextualizada da obra de Henry van de Velde.



13.09.2014

Maiernigg. Música, Cultura e Natureza - A casa de composição de Gustav Mahler nas florestas às margens do Wörthersee. Nos atuais  estudos voltados ás relações Cultura/Natureza do projeto da A.B.E., a Caríntia não podia deixar de ser particularmente considerada. A natureza da região é decantada explicitamente não apenas na canção popular sul-austríaca, também conhecida no Brasil através sobretudo do repertório coral  (Veja notícia anterior), mas de forma talvez mais sutil e não explícíta na obra de compositores que procuraram a região para compor, como Johannes Brahms, Gustav Mahler, Arnold Schönberg e Alban Berg.


Dando continuidade a estudos desenvolvidos em seminários de universidades alemãs, tratou-se de refletir in loco sobre as razões que levaram à escolha da região, em particular do Wörthersee por compositores à procura de inspiração, e as possiveis influências da natureza da região nas obras ali criadas.


Em primeiro lugar, considerou-se Gustav Mahler, o compositor de „A canção da terra“. O desejo do retiro isolado, do silêncio e da proximidade à natureza marcou a vida do compositor desde a sua juventude, que sempre procurou passar férias de verão distante da movimentação de Viena. A estadia em pensões, ainda que em regiões privilegiadas de florestas, montanhas e lagos, não propiciava a atmosfera que procurava. Assim, entre 1893 e 1896, passou essa época do ano em Steinbach no lago Attersee, primeiramente numa pensão, construindo a seguir uma pequena casa onde podia compor de forma concentrada e em contemplação da natureza.


Gustav Mahler adquiriu em 1899 um terreno em Maiernigg às margens do Wörthersee; já em 1900, enquanto construia uma grande mansão junto ao lado, levantou uma casinha para compor na floresta. Nessa época, dirigia os Filarmonicos de Viena. Nesse retiro originaram-se várias de suas sinfonias (V, VI e VII) e Lieder.


Hoje, ali se encontra instalado um pequeno museu que oferece informações, cartas e relatos de contemporâneos e outros materiais sobre a sua vida e o seu trabalho em Maiernigg. Entre os aspectos estéticos considerados, salientou-se o da interação de gêneros - o da canção e o da sinfonia - na obra de Mahler e as suas possíveis relações com a paisagem. Tendo a morte de sua filha em Maiernigg turvado a atmosfera local e transferindo-se a New York, a sua mulher, Alma Mahler, encontrou uma nova casa de veraneio em Alt-Schluderbach, próximo a Toblach nos Dolomitas. Ali, também numa pequena casa de retiro, nasceu, - além da nona Sinfonia e o fragmento da décima -, „A canção da terra“. As reflexões giraram em torno da imagem sugerida por essa denominação, lembrando-se de designações similares em obras brasileiras, em particular de Villa-Lobos, como a Aria das Bachianas Brasileiras N° 2 (O canto da nossa terra), Canção da terra (1925) ou o ballet Dança da terra (1943).



12.09.2014

Pörtschach. Música na identidade do sul da Áustria e sua presença no Brasil: coros masculinos e a „Canção de Caríntia“.Lembrando presença de D. Pedro II na festa de coros masculinos na inauguração do monumento a Humboldt na Filadélfia (1876). A Caríntia, em particular a esfera do Wörthersee orgulha-se não apenas pelo fato de ter sido escolhida por muitos compositores de renome internacional que ali residiram e criaram obras, como pelo seu canto popular e pela tradição de coros masculinos. Ela pertence assim às regiões da Europa que mais possuem uma imagem marcada pela música, celebrando-se até mesmo como região musical por excelência da Áustria.


Esse fato, que se manifesta em vários festivais de música, concertos, museus, monumentos e designações de ruas, desempenha papel de central importância em processos de identidade da Caríntia e da Áustria em geral, repercutindo em comunidades e colonias austríacas e na representação cultural da região e do país no mundo. Sobretudo a tradição do canto coral masculino da Caríntia merece ser considerada sob este aspecto, uma vez que marcou o repertório de associações masculinas de canto em colonias austríacas e alemãs também no Brasil.


Ela se relaciona com o redescobrimento e a revalorização do canto popular no século XIX, a publicação de coleções e sua reelaboração na música coral. Assume assim especial relevância para estudos culturais, em especial para aqueles de folclore, de relações entre o popular tradicional e o erudito, do nacional e do nacionalismo. Também assume significado para estudos em geral do século do Romantismo, uma vez que esses cantos se caracterizam em geral por expressões sentimentais de apego à terra, à natureza e às tradições, contribuindo com essas conotações nostálgicas e melancólicas compreensivelmente à atmosfera cultural saudosista e à memória histórica de comunidades da imigração.


O canto popular em língua alemã foi alvo de reintensificado cultivo - e instrumentalização - na década de 30 do século XX, também em colonias alemãs e austríacas no Brasil, o que traz à consciência a necessidade de uma particular atenção diferenciadora às suas implicações políticas no passado e no presente. Embora provindos de diferentes origens e épocas, os cantos tradicionais e suas elaborações levam a que se fale de um todo: a „Canção Popular Caríntia“.


O interesse pela canção tradicional da região leva hoje a novas pesquisas, edições e reelaborações, dando origem ao que se chama indistintamente de „Nova Canção Caríntia“. Hoje, a tradição é mantida e divulgada por coros de cidades da região, entre outros a Sängerrunde Klagenfurt-Emmersdorf e a sociedade de canto coral mixta Koschat Hamat Viktring (1890), que se dedicam à memória e à difusão de obras de Thomas Koschat (1845-1914 ), nascido em Viktring. A passagem dos cem anos do seu falecimento foi lembrada em concertos no corrente ano, entre outros em Strassburg,


Esse músico, mestre e compositor, lembrado no museu a êle dedicado em Klagenfurt, em monumentos, em nomes de ruas e jardins, também em Viena e em outras cidades, foi um dos principais representantes e promotores do canto coral masculino austríaco, sendo que obras suas também em versões para salão foram divulgadas no Brasil, entre elas a popular valsa „Schneewalzer“.


No monumento ao compositor e maestro Johann von Herbeck (1831-1877), de 1879, nos jardins da peninsula de Pörtschach às margens do Wörthersee considerou-se o significado do canto coral masculino na imigração e nas colonias de língua alemã no continente americano. Johann von Herbeck foi portador da Ordem da Rosa, justificando a sua consideração especial sob a perspectiva brasileira.


Por motivo do 7 de setembro, lembrou-se a presença de Dom Pedro II num dos maiores eventos da história das associações de canto coral masculino de alemães e austríacos nas Américas: a da festa de inauguração da estátua de Alexander von Humboldt no Parque Fairmount na Filadelfia, em 1876. Esse monumento, projetado pelos arquitetos alemães Collins & Autenrieth, atuantes na colonia de imigrantes alemães na Filadelfia, foi criado para a Comissão do Festival Humboldt (1869) e completado para a Centennial Exposition em 1876. A obra foi financiada em parte por meios levantados em festa das associações corais masculinas alemãs e austríacas no Parque dos Atiradores da Filadélfia, a 7 de setembro de 1874. 


O imperador brasileiro, que se encontrava presente na Filadelfia para a Exposição, assistiu a essa congregação festiva de sociedades corais sob a regência de W. Künzel no Parque Fairmount. Como tratado por Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança na sua obra „O Imperador e a Atriz“ (O imperador e a atriz: Dom Pedro II e Adelaide Ristori. Caxias do Sul: Educs, 2007, 262 p.; il; ISBN 978-85-7061-457-5, Veja notícia de 23 de agosto),  a viagem aos Estados Unidos de Dom Pedro II teve o seu itinerário co-preparado pelo Ministro da Áustria, o Barão Schreiner, tendo os americanos notado „o modo interessante com que ele unia o antigo e a tradição com o moderno“ (pág. 102). O que levanta questões é a menção de ter o imperador assistido a essa festa no dia 4 de julho segundo as Mittelungen des Deutschen Pionieer-Vereins von Philadelphia (caderno 25, por C.F.Huch) e já encontrar-se no dia 6 de julho em Bruxelas, de onde escreveu uma carta à atora italiana Adelaide Ristori (1822-1906).


O imperador brasileiro surge aqui no contexto de uma problemática norte-americana de associações de canto alemãs, causada por diferenças e tensões entre sociedades em New York e que, repercutindo em particular na Filadelfia, chegou a causar a dissolução de Liga de Cantores do Nordeste dos EUA e das Festas gerais de Cantores. A lembrança da sua presença no Parque Fairmount assume relevância no âmbito dos estudos Cultura/Natureza da A.B.E., uma vez que foi a origem histórica do atual sistema de parques Fairmount, celebrado como o maior parque paisagístico urbano do mundo.



11.09.2014

Klagenfurt. O dragão ou serpente tortuosa de Klagenfurt, o boitatá e o minhocão no Brasil. O emblema de Klagenfurt oferece-se de forma privilegiada a análises culturais em cotejos internacionais. Trata-se de um dragão alado, serpente ou minhoca serpentuosa (Lindwurm) representado nas armas da cidade e em grande conjunto plástico em fonte que domina uma das praças principais da cidade, - a praça nova onde se encontra a Casa de Conselho -, e que é um dos maiores atrativos da capital da Caríntia.

Nesse chafariz encontra-se encenado de forma monumental e teatral o combate a um dragão que jorra água pela boca, sendo este a figura a maior e mais expressiva do conjunto. Com a recente reconfiguração da praça por um renomado arquiteto de praças da atualidade, - Boris Podrecca -, a plástica adquire uma posição de absoluta predominância no espaço urbano.


Esse monumento testemunha elos entre a história, a história cultural e os estudos de tradições orais, pois refere-se à fundação da cidade segundo uma lenda e relaciona-se eventualmente com a sua própria denominação.


No âmbito das reflexões euro-brasileiras encetadas em Klagenfurt, foram considerados alguns aspectos da interpretação dessa imagem em função de estudos anteriores referentes ao combate do dragão em diferentes contextos e em referenciações com imagens conhecidas de Portugal e do Brasil. Lembrou-se aqui sobretudo do dragão de São Jorge, cujo exemplo mais impressionante encontra-se em Estocolmo (Veja). Os fundamentos desse culto a santo de tanto significado para países como a Inglaterra, Portugal e para o Brasil foram considerados na própria região de origem de S. Jorge, na Capadócia, constituindo o seu estudo até mesmo o principal motivo dessa de ciclo de estudos desenvolvido na Turquia em 2013. (Veja)


Em Klagenfurt, devido a atenção dirigida às relações entre cultura e a natureza do projeto da A.B.E., deu-se continuidade a esses estudos considerando-se um aspecto pouco lembrado na interpretação do monumento e que a êle empresta um significado supra-regional para estudos de processos culturais em orientação ambiental: o dos elos da imagem com as condições naturais da região e concepções culturais ou civilizatórias.


Essas relações depreendem-se da própria saga de fundação do local, registradas por um folclorista no século XIX. A estória se desenrola em situação marcada pelo contraste entre montanhas e várzea. Enquanto nos altos os camponeses e pastores podiam viver, cultivar e criar os seus animais - até hoje imagem idealizada da vida alpina -, os baixos aquosos, nebulosos, cobertos de vegetação intraspassável, desconhecido e misterioso não permitiam o assentamento e as atividades humanas, ali desaparecendo homens e animais. Esses pântanos ofereciam riscos de vida, sendo o maior perigo aquele representado por monstro serpentuoso que devorava reses e homens. Embora esse monstro nunca tenha sido visto, dele podia-se escutar rumores e uivos. Essa serpente foi vencida por um duque através de uma estrategia: levantou uma torre e prometeu liberdade de servidão e as terras dominadas pelo o monstro àqueles que o trouxessem à luz. Estes prenderam um boi em correntes no alto da torre e, quando o monstro procurou apanhá-lo saindo das trevas, prendeu-se nas correntes pontiagudas, podendo ser então morto. Foi nesse local do combate que surgiu então o povoado, sendo a torre substituida pelo castelo ducal.


A conotação negativa da baixada aquosa da região anterior à sua drenagem e cultivo expressa-se também na referência a lavadeiras que desciam para lavar roupas nos rios e que entoavam lamentos sobre perigos, mortos e desaparecidos. Esses lamentos (Klagen), seriam segundo essa tradição a origem do nome de Klagenfurt.


É significativo que essa tradição tenha sido atualizada de forma monumental no chafariz edificado na segunda metade do século XVI, cuja construção foi encomendada em 1583  pelas esferas constituintes da ordem social. A sua ereção, em 1593, foi um dos grandes atos festivos da história cultural da cidade, nela tomando parte centenas de jovens vestidos de branco. A saga de fundação foi reinterpretada em espírito humanista segundo a antiga mitologia, provavelmente a do combate de Hercules à hidra de Lerna. A artística grade que envolve o conjunto é de 1634, a figura de Hercules de 1636. A figura de Hercules personifica de forma individualizante o coletivo dos combatentes do monstro da tradição oral.


Essa referência mitológica abre caminhos para análises de sentidos mais aprofundadas com base em estudos anteriores referentes a relações Antiguidade/Cristianismo. A imagem refere-se aqui o homem velho, decaído segundo o modêlo de Adão expulso do Paraíso, que se orienta segundo o mundo perceptível pelos sentidos e procura heroicamente combater os seus perigos, sendo porém por último vencido. O seu anti-tipo é aquele homem que se se dirige em veneração à Sabedoria e, assim, recupera a coroa perdida da dignidade original; supera a escravidão e ganha a liberdade. Essa leitura aproxima assim o monumento emblemático de Klagenfurt da interpretação do homem trino na imagem dos três reis magos de central significado para diferentes cidades e universidades - como a de Colonia. (Veja) Relacionando-se com a constelação de Hércules, próxima à da Lira, torna-se aqui evidente os seus elos com uma visão do mundo e do homem de conotações musicais.(Veja)


As reflexões em Klagenfurt dão prosseguimento a esses estudos e abrem novas perspectivas para interpretações de tradições brasileiras. Não apenas aquelas mais especificamente relacionadas com os Reis, mas também imagens que aparentemente não apresentam elos com esse contexto interpretativo passam a revelar sentidos não suspeitados.


Esse parece ser o caso do Boitatá ou do „Minhocão“. Este último, estudado por Martha Haug e considerado na sessão de Parati no término do triênio pelos 500 anos do Brasil, em 2002, já havia sido referido como possível animal real a Charles Darwin (1809-1882) pelo seu correspondente de Santa Catarina Fritz Müller (1822-1897). (Veja)


Essa referência em época marcada por tensões entre concepções tradicionais de fundamentação religiosa e a ciência aguça a sensibilidade para a percepção de sentidos do monumento de Klagenfurt. A sua história remonta a uma época marcada pela Contra-Reforma em cidade e região que passara à Reforma, sendo a recatolização acompanhada por medidas de superação do ensino reformado, da procura de conhecimentos através da leitura e dos novos conhecimentos da época da Renascença, incluindo queima de livros. A serpente dos pântanos da revitalizada tradição popular servia aqui para representar os conhecimentos adquiridos através do ler, da razão baseada no visível ou do mundo perceptível pelos sentidos, e, assim, o perigo de um processo secularizador que devia ser combatido. Essa interpretação empresta um sentido global para a configuração da praça onde se situa a fonte, uma vez que nela também se encontra um monumento à imperatriz Maria Theresia (1717-1780) que, embora muito posterior, insere-se em coerência de sentidos com o monumento do combate ao dragão, uma vez que o seu govêrno foi marcado por uma política religiosa restritiva para com protestantes e não-católicos, assim como contrária ao josefinismo e à secularização.


A figura do dragão alado encontra-se também em Ljubljana, marcando a sua fisionomia em representações em ponte que corta a sua área central, determinando perspectivas do seu burgo nas alturas a partir dos baixos cortados pelo rio. Um edifício imagológico emblemático da área de Klagenfurt transporta-se, assim, para a atual Eslovênia.



10.09.2014

Klagenfurt/Áustria. Literatura, música e natureza nos parques da Caríntia e a presença do Brasil no Minimundus. As atividades e os estudos desenvolvidos na Áustria e na Eslovênia e que, por motivo dos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial consideraram sobretudo questões do nacional, do nacionalismo e de minorias étnicas e culturais, não poderiam deixar de incluir Klagenfurt, a capital da Caríntia.

Nessa cidade austríaca, cujo patrimônio arquitetônico testemunha o seu significado no decorrer dos séculos, dá-se particular atenção às relações com a cultura e o idioma esloveno, assim como à minoria eslovena na sociedade austríaca da atualidade, o que se constata em cursos e programas da Universidade Alpes-Adria, em escolas e na vida cultural. A história local do século XX, por outro lado, é  marcada pelo luta dos „Kärtner Windischen“ contra ocupação eslava e  plebiscito que levou à sua permanência na Áustria em lugar de integrar-se à Iugoslávia em 1920.


Klagenfurt surge, assim, como cidade significativa para a discussão de questões relativas a identidade, à memória e à integração de minorias, a questões etno-culturais em geral na política cultural, entre outras o da consideração de idiomas e da cultura de grupos populacionais minoritários na educação. O maior escritor esloveno é significativamente lembrado em placa comemorativa.


Klagenfurt adquire também sob outro aspecto um particular interesse para os estudos culturais. A sua história e o seu presente - também no concernente a questões populacionais e etnoculturais - são fundamentalmente determinados pela sua posição geográfica. Compreende-se, assim, que a natureza esteja sempre presente na percepção da cidade e da região para o observador externo e que tenha marcado fundamentalmente a história cultural, literária e sobretudo musical da Caríntia.


É significativo que muitos compositores de significado mundial tenham escolhido essa região para viver ou passar temporadas criadoras, ali surgindo grandes obras do patrimônio musical da humanidade. Nascidas na paisagem local, são impregnadas de uma forma ou outra pela vivência de seus criadores, levando assim sob diferentes aspectos a natureza local ao mundo através dos sons.


A observação das relações entre cultura e natureza na Caríntia não pode resumir-se apenas à consideração de seus lagos e rios cercados pela monumental moldura alpina de suas montanhas. Essas relações se manifestam nos grandes parques de Klagenfurt, que se contam entre os maiores da Áustria e os mais significativos da Europa.


Condições geográficas e desenvolvimentos urbanos e histórico-culturais elucidam esse significado dos parques de Klagenfurt: o terreno marcado pela água de rios e fontes e a abertura de áreas livres com a demolição dos antigos muros rodeados de fossos de água que, como em muitas cidades européias, seguiu-se à perda de sua função de defesa no século XIX.


A transformação urbana de Klagenfurt assim determinada levou - como em outras cidades - ao aproveitamento dessas áreas livres para a abertura de anéis viários e a instalação de jardins e parques. A demolição de muros significou também uma abertura de urbes em diferentes sentidos, não apenas possibilitando a expansão da cidade e o surgimento de novos bairros, mas sim também de uma abertura quanto à atmosfera urbana, à percepção da cidade e à qualidade de vida.


Klagenfurt salienta-se entre outras cidades que experimentaram similar desenvolvimento pelo fato de seus parques manifestarem explicitamente conotações culturais através de suas designações segundo nomes de grandes vultos da literatura e da música alemã e austríaca: parque Schiller, parque Goethe ou parque Schubert. Também se encontram parques com nomes de músicos e intelectuais locais, como parque Koschat - denominado segundo o compositor Thomas Koschat (1845-1914) -, e o parque Rauscher, segundo Ernst Rauscher von Stainberg (1834-1919).


Os elos entre o clássico e a cultura regional manifestam-se nessas denominações e em monumentos, entre êles sobretudo aqueles que celebram Friedrich Schiller (1759-1805) ao lado de personalidades da história política - como o parque Maria Teresa ou bustos de militares. É significativo para a avaliação do significado dos parques e jardins no século XIX e XX no período anterior à Primeira Guerra o fato de ter-se celebrado uma visita do imperador Franz Joseph (1830-1916) com uma obra paisagística: um parque natural com torre panorâmica, prado para festividades e passeios.


Representando já a fase posterior à Segunda Guerra e de especial atualidade no contexto mais recente da integração européia, salienta-se o grande Parque Europa, situado próximo ao lago Wörthersee e a um balneário com praia. Também dele próximo situa-se o Minimundus, um parque de fantasia e diversões com modêlos em miniaturas de obras arquitetônicas de todo o mundo e no qual também o Brasil se encontra representado.


Esse parque, inaugurado em 1958, mantido por uma socieade beneficiente de auxílio a crianças necessitadas, constitui hoje um dos principais atrativos de Klagenfurt, sendo procurado privilegiadamente por turistas. Nesse seu sentido voltado à criança, esse parque da região alpino-adriática poder ser comparado com aquele do Cabo Norte, na Noruega, onde também o Brasil se encontra representado. (Veja) A presença do Brasil no Minimundus é, porém, singular. Se no Cabo Norte encontra-se o Cristo Redentor, no Minimundus de Klagenfurt criou-se uma miniatura da catedral de Brasília. Assim, ao lado de considerável número de construções de significado para a Áustria e de modelos de grandes obras da história da arquitetura mundial, entre elas as pirâmides e a Esfinge do Antigo Egito, a Basílica de São Pedro em Roma, o castelo Neuschwanstein na Baviera ou o Taj Mahal na Índia, encontra-se a obra de Oscar Niemeyer como edifício representativo do Brasil, fazendo com que esta adquira um sentido emblemático.

Esse sentido, vivenciado de forma lúdica e impregnando-se na memória das crianças, não é sem relevância para estudos referentes à imagem do Brasil e suas transformações no decorrer do tempo. Êle ultrapassa as fronteiras do Minimundus de Klagenfurt através de parques similares em outros países, como até passado recente no Lago de Constança e na cidade alemã de Wiesbaden, geminada de Klagenfurt. Pode-se partir da suposição que a dedicação mariana da catedral de Brasilia (Nossa Senhora Aparecida) venha de encontro à profunda devoção mariana que se observa em Klagenfurt, cidade marcada pelas águas de rios e do Wörthersee, estabelecendo-se assim também uma ponte virtual com o rio Paraíba. As palmeiras que agora ornamentam as praças centrais de Klagenfurt contribuem a essa aproximação atmoférica com o Brasil.




09.09.2014

Ljubljana. Estudos comparados de relações entre nacionalismo e ações eclesiásticas restaurativas. Nas reflexões encetadas na capital da Eslovênia tratou-se primeiramente de procurar caminhos para o desenvolvimento de estudos de processos culturais em relações Eslovênia-Brasil (Veja notícia anterior).


Considerando ser a Eslovênia um país no qual questões de identidade nacional desempenham fundamental papel, cotejos de desenvolvimentos históricos do nacional oferecem-se como um dos primeiros pontos de partida de análises.


Essa atenção a questões de grupos nacionais ou étnicos nessa região de encontros do mundo eslavo com o centro-europeu e o italiano assume no presente brisante atualidade, uma vez que se rememora os cem anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial, início do fim do „Império de Muitos Povos“ Áustro-Húngaro. O término dessa configuração de Estado, singularmente moderna sob diferentes aspectos, foi resultado de tensões internas de seus diferentes grupos populacionais, de intuitos de emancipação que deram origem a tendências separatistas, cujo potencial de conflitos se faz até hoje sentir nessa parte da Europa.


No centro da capital eslovena, o observador externo encontra já na fisionomia da cidade interações entre referenciais nacionais e religiosos. Os primeiros manifestam-se na presença central do monumento ao mais celebrado poeta esloveno France Preceren (1800-1849) e na decoração da fachada de vários edifícios. Os segundos, entre outros, na grande catedral de S. Nicolau, no barroco de sua arquitetura, criado pelo jesuíta Andrea Pozzo (1642-1709), e na igreja franciscana da Anunciação de Nossa Senhora, de meados do século XVII, um marco emblemático da cidade.


O convento franciscano nas proximidades dessa igreja, remontante ao século XIII, possuidor de valiosa biblioteca com livros raros e manuscritos, testemunha o pêso do franciscanismo na cidade. As pinturas no interior da igreja, criadas após destruição causada por terremoto em fins do século XIX, indicam a força da renovação católica restaurativa na cidade então austríaca.


Essa leitura traz à consciência o papel desempenhado no século XVII e XVIII pela Contra-Reforma, conduzida sobretudo por jesuitas em combate ao Protestantismo da população teuto-austríaca, e o da ação missionária franciscana de combate ao secular, intensificada na luta contra o Iluminismo josefinista, e posteriormente na restauração católica, cujo marco foi o Primeiro Concílio Vaticano I.


O „anti-modernismo“ aqui proclamado e estabelecido surge em grande contexto histórico marcado por visões voltadas ao passado, de reação e de combate a desenvolvimentos secularizadores na sociedade, no pensamento, na cultura e nas artes sentidos como de perigo ao poder eclesiástico, ainda que com diferentes estrategias de ação: o esplendor barroco a serviço contra-reformador, reconquistador por meios sensoriais do homem simples e revitalizador por meio dos afetos a religiosidade popular, e o da modéstia, simplicidade e amor dos franciscanos, empenhados na revitalização da vida sacramental do homem em sociedade secularizada.


Assim como nos estudos que vem sendo desenvolvidos relativamente ao Brasil, o movimento nacional na cultura e nas artes, paralelo na sua contemporaneidade ao movimento restaurativo católico, não deve ser considerado como sendo deste contrastante ou oposto, criando paradoxos na obra de artistas e músicos, mas sim como uma das faces de uma mesma moeda: a de uma orientação ao passado, à tradição, de militância retroativa por diferentes meios em contexto cosmopolita, secularizado, marcado por transformações culturais e sociais. (Veja)


Esses cotejos com a situação brasileira em fins do século XIX surgem como de particular atualidade em ano que se rememora os 125 anos da proclamação da República no Brasil e a por ela causada eclosão da restauração católica com a revitalização dos conventos e a vinda de missionários dedicados ao combate à secularização.


Lembrando-se que os anos que antecederam a Primeira Guerra foram marcados por grande prosperidade e desenvolvimentos culturais e científicos nos ambientes cosmopolitas das grandes metrópoles tanto da Alemanha como no Império Austro-Húngaro, essas análises de processos trazem à consciência a necessidade de visões e avaliações mais diferenciadas na consideração dos pressupostos dessa grande tragédia do século XX e que exigem uma disposição em colocar em questão interpretações convencionais. O tema voltará a ser tratado em alguns de seus aspectos no quarto número da Revista Brasil-Europa.



08.09.2014

Ljubljana. Auto-visões histórico-culturais e questões de identidade na Eslovênia em estudos relacionados com o Brasil. Questões metodológicas e de perspectivas. As reflexões encetadas em Ljubljana para um início de estudos de processos culturais em perspectivas referenciadas pelo Brasil partiram de conferência sobre situações passadas das relações entre grupos populacionais no Império Austro-Húngaro e as atuais de minorias e da política cultural correspondente na Áustria, em particular na Caríntia. (Veja notícia)


Em Ljubljana, tratou-se de procurar caminhos para o tratamento dessas questões a partir de outra perspectiva, a de um país de recente independência mas que se define em grande parte segundo critérios étnico-culturais, a dos eslovenos - no passado conhecidos como eslavos alpinos.


Nessa fase de tateios e aproximações para o estabelecimento adequado de perspectivas para estudos de processos em contextos globais referenciados segundo o Brasil considerou-se que o olhar não poderia restringir-se à emigração eslovena. Se imigrantes eslovenos representam importante parcela populacional em certas regiões no USA, no Brasil o seu número parece ser reduzido, as estimativas falando de ca. de 1500 a 2000.


Uma perspectiva que parta do passado da região quando integrada no Império Áustro-Húngaro tenderia a considerar privilegiadamente os habitantes de língua e cultura alemãs, hoje em grande parte reassentados na Áustria ou emigrados. Abrir-se-iam aqui apenas possibilidades para o estudo de imigrantes de língua alemã procedentes do antigo Império dos Habsburgs no Brasil, o que seria restrito, como é o caso nos estudos até agora referentes à Boêmia (Veja) ou à Romênia (Veja).


Esse direcionamento das atenções seria unilateral, pois estaria dirigido a um grupo populacional de presença histórica - não mais atual -, não correspondendo adequadamente às exigências colocadas pela situação de um país agora independente e membro da União Européia.


Um ponto de partida que parece ser adequado é o do estudo de questões de identidade dos próprios eslovenos. Uma aproximação à complexa problemática da identidade eslovena é possibilitada pela observação de representações do passado, uma vez que estas manifestam visões historiográficas. Para esse intento, o burgo que domina Ljubljana surge como significativo ponto de partida, uma vez que é hoje não apenas alvo turístico com os seus resíduos arqueológicos - dos ilírios, celtas e romanos -, e testemunhos do passado medieval do país de Krain e de séculos posteriores, mas sim centro cultural, museu, local de festivais culturais, concertos, simpósios, congressos e de uma exposição permanente de história eslovena. Significativamente, o burgo é administrado hoje pelo Festival Ljubljana. Nele constata-se a secular história da presença alemã no local, em particular dos Habsburgos, salientando-se aqui as pinturas do interior da capela do burgo com as suas armas de famílias alemãs.

Nessa exposição apresenta-se um desenvolvimento histórico marcado por cortes e que surge como relevante nas suas dimensões globais por ser a região, pela sua posição geográfica alpino-adriática de um lado e com a Panonia do outro, encruzilhada de esferas e de interações culturais. Essa exposição traz à consciência a importância da Eslovênia para estudos de encontros de culturas.


As décadas posteriores à recente independência do país são marcadas por grandes trabalhos de restauração do burgo, também estes apresentados em exposição de fotografias. Essa exposição indica os estreitos elos entre a pesquisa histórico-arqueológica, o patrimônio cultural e questões de identidade. Significativo para a percepção de uma visão históriográfica eslovena surge a presença de atores com costumes medievais que, recitando textos literários e teatrais, se locomovem pelo pátio do burgo. Esse uso de elementos dramáticos através de atores em espaços históricos pode ser constatado em outros países do Leste que se integraram na União Européia, como por exemplo os bálticos. (Veja)


Seria, porém precipitado ver nessa prática expressão de um desejo local de trazer à consciência a já longa história de elos com a Europa, do pertencimento a um contexto histórico-cultural europeu, uma vez que também em outros países, por exemplo na Inglaterra, constata-se a tentativa de revitalização museológico-pedagógica de castelos através de atores que, declamando e com gestos teatrais, perambulam por corredores e salas.


Algumas complexas questões de identidade de gerações mais jovens de eslovenos podem ser esboçadas em diálogos com estudantes da tradicional universidade de Ljubljana. Espera-se, para o futuro, a continuidade desses diálogos através de contatos mediados por Sonja Hahne com Aljaz Krivec.



07.09.2014

Ljubljana(Lubiana)/Eslovênia. Estudos culturais Eslovênia-Brasil - dez anos da ampliação da União Européia ao Leste. A cidade de Ljubljana ou Lubiana, a antiga Laibach da época do Império Áustro-Húngaro, capital, centro cultural e sede de importante universidade da Eslovênia, foi visitada pela A.B.E. em agosto e essa visita merece ser considerada no presente dia de comemorações nacionais no Brasil e em círculos brasileiros na Europa.


Com essa estadia deu-se início aos estudos culturais referenciados pelo Brasil nesse país. Já em 1975 Ljubljana, então ainda integrante da República Federal Socialista da Iugoslávia, foi visitada no âmbito do programa de contatos e interações que possou a ser desenvolvido em vários países europeus. Desde então, porém, a Eslovânia, que alcançou a sua independência apenas em 1991, foi um dos poucos países pouco presentes nos trabalhos euro-brasileiros em relações bilaterais. Desde o início das atividades da educadora infantil eslovena Sonja Hahne na administração do Centro de Estudos Brasil-Europa, dominando o eslovano, abriram-se novas possibilidades para contatos.


Pela sua posição central na Europa, pelas suas fronteiras com vários países - Áustria, Hungria, Itália, Croácia e Ádria -, pela tradição de sua universidade, fundada em 1919 , e pelo fato de ter passado a integrar a União Européia há dez anos, em 2004, a Eslovênia não pode deixar de receber a atenção de estudos de processos culturais referenciados pelo Brasil. Além do mais, como um dos países europeus de maior patrimônio natural, na sua topografia e na sua biodiversidade, a Eslovênia não pode deixar de ser considerada nos esforços de desenvolvimento de estudos culturais de ambientação cultural.


Esse início dos trabalhos inseriu-se no ciclo de estudos pela passagem dos cem anos da Primeira Guerra Mundial levado a efeito na Caríntia por ser região central, limítrofe de esferas alemãs, italianas e eslavas, e que teve como ponto de partida conferência sôbre minorias étnicas e de língua nessa região austríaca e das quais a eslovena é a mais significativa. Áreas limítrofes com esse país são marcadas pela cultura e língua eslovena. (Veja notícia anterior). 


Por outro lado, na Eslovenia encontram-se importantes testemunhos arquitetônicos e histórico-culturais do passado alemão e austríaco, da Idade Média, da época do reino da Boêmia e, sobretudo, do periodo dos Habsburgs, sobretudo da época em que a região integrava Dupla Monarquia Áustro-Húngara, o que chegou a seu fim com o término da Primeira Guerra.


A cidade de Ljubljana é um dos mais significativos exemplos de cidade „real e imperial“ do Império Áustro-Húngaro ( k.-und k.), ao mesmo tempo uma das mais belas metrópoles da Europa, marcada pela diversidade de culturas, manifestando na sua fisionomia o passado e a cultura austríaco-alemã, na atmosfera e na vida de suas ruas o sul europeu, lembrando cidades italianas.


Ljubljana adquire significado para estudos de arquitetura e urbanismo de orientação cultural, assim como no âmbito dos atuais projetos voltados a relações entre cultura e natureza, em particular de análises comparadas de atmosferas ambientais a serviço de melhorias de qualidade de vida. (Veja notícias anteriores). Para a história da arquitetura no século XX, a cidade destaca-se pelas obras de Josef Plecnik (1872-1957), arquiteto que marcou com as suas edificações e pontes o centro da cidade eslovena e várias outras da Europa Central.


Lubiana oferece-se para estudos relativos à Primeira Guerra por ter sido cidade de guarnição militar, ali se encontrando estacionadas tropas e regimentos do exército, tendo a cidade, já pela sua posição geográfica, desempenhado papel importante na linha da Itália. Assim como tratado na Caríntia, também a história mais recente da Eslovênia é marcada por deslocamentos, exílios e reassentamentos populacionais. Essas duas regiões vizinhas testemunham o perigo representado por um pensamento étnico-racial voltado a homogeneizações em situações de diversidade na política e na cultura. Através de pacto entre o regime nacionalsocialista alemão e o fascista italiano, procedeu-se a um reassentamento da população de fala alemã na Áustria; hoje, os habitantes de cultura austríaco-alemã representam uma pequena minoria no país.


As reflexões em Ljubljana foram inicialmente dirigidas aos complexos temáticos e aos enfoques de estudos culturais em relações com o Brasil, procurando-se caminhos para a sua fundamentação refletida. O nome da cidade é conhecido no Brasil em particular pelo romance Veronica, de Paulo Coelho, o Brasil estando presente na Eslovênia sobretudo na área dos esportes. O significado da cidade e da Eslovênia em geral necessita ser porém estudado em suas dimensões mais abrangentes.


De significado simbólico é a presença da bandeira do Brasil e do brasão nacional no Consulado Geral Brasileiro numa das principais praças da cidade. A representação do Brasil situa-se em logradouro que não é apenas um dos jardins mais belos da cidade, mas sim também em conjunto de edifícios de interesse arquitetônico e artístico, salientando-se a universidade e o histórico edifício da Academia dos Filarmônicos, a Academia Philarmonicorum Labacensium, de 1701, uma das primeiras do gênero na Europa. A música, em geral, desempenha um papel fundamental na história cultural e no presente de uma região que representa sob vários aspectos fronteira divisória e de interações de esferas culturais, do Ocidente e do Leste, do mundo centro-europeu e eslavo, do germânico e do latino.




06.09.2014

Pörtschach am Wörthersee/Caríntia. Conferência e diálogos nos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial -  Fim de „Estado de muitos povos“ e a atualidade da questão de minorias em estados nacionais. Nos meses de junho, julho e agosto do corrente ano rememoraram-se cem anos de acontecimentos cruciais que determinaram a primeira das grandes tragédias da Humanidade que marcaram o século XX e cujas sombras se levantam hoje. causando receios na presente situação de conflitos e tensões do cenário político internacional.


No dia 28 de junho completaram-se cem anos do atentado de Serajevo contra o Príncipe Herdeiro Arquiduque Franz Ferdinand, no dia 28 de julho da declaração de guerra do Império Áustro-Húngaro à Sérvia, nos primeiros dias de agosto a da trágica sequência de mobilizações e declarações de guerra que tornaram transcontinental e a seguir mundial um guerra local que tinha como um de seus principais motivos a emancipação de regiões sul-eslavas - da Bósnia-Herzegowina -  sob a liderança da Sérvia.


A consideração dos pressupostos, do decorrer e das implicações e consequências da Primeira Guerra Mundial representa uma exigência para os estudos de processos culturais relacionados com o Brasil. Esse significado decorre não apenas do fato de ter também o Brasil entrado na Guerra, tomando partido ao lado daqueles países que seriam vencedores.As dimensões que devem ser consideradas sob a perspectiva das relações euro-brasileiras são muito mais abrangentes. Basta aqui lembrar o grande número de imigrantes alemães no Brasil, as colonias alemãs então em pleno desenvolvimento em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e em outros Estados, os influentes círculos de língua alemã nas grandes cidades, a função relevante de intelectuais, artistas e músicos alemães e austríacos na vida cultural do Brasil, os estreitos elos de personalidades brasileiras com instituições alemãs e austríacas, em cujas universidades, escolas técnicas e conservatórios obtiveram a sua formação e, em particular, os vínculos religiosos e eclesiásticos do Brasil com a Alemanha, tanto na confissão Luterana das colonias alemãs, como no Catolicismo, aqui sobretudo devido à atuação de grande número de missionários alemães no Brasil.


Múltiplas são assim as possibilidades quanto a estudos dos efeitos da Guerra nas esferas da imigração, nos círculos alemães e austríacos das grandes cidades, na vida cultural e religiosa do Brasil, na educação e não por último no comércio e na economia. Entre elas encontram-se não apenas as sempre lembradas dificuldades criadas pelo impedimento do uso da língua alemã com as suas consequências para a imprensa, o ensino e o culto, mas também, paradoxalmente, as possibilidades abertas para a expansão empresarial teuto-brasileira entregue às suas próprias forças.


As dimensões do significado do estudo da Primeira Guerra sob a perspectiva brasileira revela-se também em sentido mais abstrato ou teórico da análise de processos político-culturais em contextos globais: a Guerra trouxe uma reestruturação dos países europeus, o fim de uma antiga ordem e implantação de novas configurações, de novas referenciações e relações, criando também situações e desenvolvimentos de graves consequências futuras.


Um aspecto do complexo de questões que podem ser aqui tratadas constituiu pela sua atualidade o cerne das reflexões incentivadas pela A.B.E. por ocasião desses 100 anos da grande tragédia: o do fim de um „Estado de muitos povos“ - o da Dupla Monarquia Austro-Húngara - sob a pressão e intentos separatistas de diferentes grupos étnico-culturais e o surgimento de novos estados nacionais.


Ponto de partida das reflexões foi conferência de título „100 anos após a primeira Guerra. A respeito da situação das minorias étnicas e de língua na área Alpina-Adriática“ proferida por W. Wadl no 63° Congresso-Seminário Interdisciplinar Internacional de Especialização de Médicos levado a efeito em Pörtschach no lago Wörther, de 24 a 29 de Agosto de 2014. Esse historiador, renomado especialista em história regional da Caríntia, destacado também como organizador de publicações relativas à cultura musical de cidades da região, em particular de Klagenfurt, ofereceu um panorama dos desenvolvimentos históricos das tensões internas étnico-culturais que levaram ao fim do „Império de Muitos Povos“ dos Habsburgs - configuração que surge como de singular modernidade aos olhos atuais - e dos deslocamentos em diferentes dimensões de grupos populacionais devido a expulsões, exílios, fugas e assentamentos.


Após considerar também os deslocamentos populacionais ocorridos na Segunda Guerra, entre outros de grupos alemães do Tirol que foram levados a passar para a esfera alemã-austríaca ou forçados a integrar-se na Itália, o historiador tratou da situação atual das minorias na Caríntia, em particular nas suas regiões de fronteira com a Eslovênia e a Itália. Entre outros aspectos, mencionou a introdução do esloveno em escolas austríacas da região, a ser aprendido também por austríacos de língua alemã, denominações de cidades e ruas em duas línguas e outras medidas intencionadas como promotoras da integração.


Em encontro que se seguiu à conferência com membros da diretoria da A.B.E., consideraram-se elos entre essas reconfigurações populacionais na esfera do antigo Império Áustro-Húngaro com o Brasil, entre outros devido às correntes imigratórias que tais deslocamentos causaram e que levaram numerosos ex-súditos da antiga Dupla Monarquia a procurar melhores condições no Novo Mundo. Também consideraram-se fatos relacionados com a própria tradição a que se prende a A.B.E.: a de Martin Braunwieser (1901-1991).


Tematizados foram sobretudo os em parte assustadores paralelos com situações e tendências da atualidade relativamente a concepções étnico-culturais e raciais que, sob outro signo, também se constatam no Brasil. Embora sendo resultado de intenções justas, determinadas concepções e medidas político-culturais correm o risco de constituirem retrocessos, levando a revitalizações, sob novas aparências, de idéias étnicas, raciais e nacionalistas que foram causas das grandes tragédias do século passado. A necessária consideração cultural e político-cultural de minorias - de fundamental significado para democracias - exige constantes e aprofundadas reflexões diferenciadoras, atentas ao risco de perpetuação de concepções racistas e étnico-nacionais do passado. O estudo do passado e do presente de desenvolvimentos na Europa Central pode oferecer subsídios para um debate esclarecedor, e aqui a Caríntia surge como um contexto adequado por ser região de fronteira entre o mundo de língua alemã, a esfera latina da Itália e o contexto cultural eslavo. Para considerar os outros lados da problemática dessa região marcada pelo encontro de línguas e interações culturais, a A.B.E. promoveu, ao lado de ciclos de estudos realizados na Itália, uma visita à Eslovênia, o que será relatado em próximas notícias.



05.09.2014

Catanea-São Paulo. O „jardim Bellini“ e melodramático lírico-trágico no paisagismo de urbes. A referência a Stesichoros/Tisia (ca.629/32-ca.553/56 a.C.), o Homero lírico. A cidade siciliana de Catanea merece ser considerada com atenção sob a perspectiva das relações Cultura/Natureza por trazer à consciência um aspecto pouco estudado na configuração paisagística de cidades e no atual interesse por cotejos de atmosferas ambientais a serviço da qualidade de vida: o melodramático.


Catanea é uma cidade marcada pela presença de V. Bellini (1801-1835) e suas óperas: o seu túmulo na catedral, o Teatro Massimo Bellini, o grande monumento criado por Giulio Monteverde (1837-1917) em 1880/82 com representações de figuras de suas obras com gestos plenos de pathos em praça central da cidade conferem à cidade um sentido músico-teatral que transpassa os diferentes estilos de sua arquitetura, das mais diversas épocas, conferindo uma unidade operística ao todo heterogêneo.


Aquele que percorre as ruas de Catanea não apenas vê os seus espaços, mas sim os percebe ao som das melodias e da experiência dramática das óperas de Bellini. As grandes transformações por que passou a cidade na arquitetura e no seu traçado urbano adquirem um sentido de dinâmica dramatúrgica.


Ponto alto dessas relações entre música e arquitetura, ópera e paisagismo é o Jardim Bellini ou „Villa Bellini“ em posição privilegiada em encosta junto à principal artéria urbana de Catanea, a Via Etnea, que corta a cidade a partir da praça da catedral com o chafariz do elefante, o seu símbolo.


Dessa artéria, que atravessa com as suas construções monumentais largos e praças, abrem-se  as vastas escadarias e passeios monumentais do Jardim de Bellini, um oáse no centro da cidade, o que, quase que de um vale, dirige o olhar teatralmente ao grande símbolo da música nas alturas: o coreto.


Para além de ser esse coreto uma das mais significativas construções do gênero do ponto de vista artístico, a sua relevância reside na posição que confere à música na encenação dramática desse parque.


Por muitos anos sem uso e silencioso, esse significado da música na percepção urbana representado pelo coreto veio de novo à luz em 2010, quando, por ocasião das rememorações da morte de Vincenzo Bellini, o Jardim foi reaberto ao público com um concerto de banda militar.


Essa celebração apoteótica trouxe à luz também o papel unificador da música na diversidade dos espaços do parque, que não pode ser percebido como projeto estático, mas quase que musicalmente como processo que decorre no tempo. A história do parque no século XIX é marcada significativamente por intuitos de emprestar unidade à diversidade de suas diversas partes, tanto históricas, como naturais devido à topografia acidentada do terro, como de função, unindo concepções de diferentes séculos, jardim botânico, zoológico e de passeios para a sociedade.


Essa preocupação de criação da unidade na diversidade marcou a obra dirigida pelo engenheiro Filadelfo Fichera (1850-1909). Ponto de partida histórico do conjunto foi um jardim em forma de labirinto, posto em relação com novos terrenos adquiridos. O procedimento encontrado não foi apenas aquele de vinculação  dos diferentes espaços através de caminhos, pontes e escadas, grutas e fontes, vasos e estatuetas em superficial estética decorativa, mas sim de interpretação e encenação músico-dramatúrgica do todo. Vários dos elementos do jardim já não existem ou foram modificados no seu sentido, o que dificulta a consideração do projeto. Para além do coreto nas alturas, havia também um quiosque de madeira, com características orientais, presenteado pelo imperador da China, e ao qual ligava-se uma biblioteca. Os estudos e a erudição - a palavra - eram assim unidos à música na configuração lírico-dramatúrgica do parque, acompanhada por uma instrumentação botânica.


A obra, inaugurada em 1883, passou porém por substanciais reinterpretações no século XX, o que diz respeito sobretudo à entrada apoteótica a partir da via Etnea e que leva à praça sobre um tunel viário com um grande monumento às artes. Mudanças viárias posteriores trouxeram também modificações para os jardins nos diferentes pesos dados a seus componentes botânicos e de vida animal. Com o aumento do número de pássaros exóticos e de animais salientou-se os elos naturais do parque com o mundo subtropical e tropical, sempre presente na sua grande diversidade de palmeiras. Não só riscos de Kitsch, mas aqueles de associações com o mundo circense manifestaram-se nos mal-entendidos, falta de compreensão e insensibilidade arquitetônica e urbanística dos anos 60 e 70.
Significativamente, nessa época, um circo ofereceu ao parque um elefante, animal símbolo de Catanea.

A uma recuperação adequada de seus sentidos segundo as concepções do romantismo trágico-lírico italiano do século XIX contribui a „Galeria dos homens ilustres“ que marca uma parte do conjunto. Se em muitos jardins urbanos do mundo tem-se monumentos de vultos históricos levantados no século XIX - no Brasil o exemplo mais significativo foi o da estátua equestre de D. Pedro I no Rio de Janeiro - o de Catanea distingue-se pelo fato de transferir ao ar livre uma galeria de bustos de personalidades, relacionando corredores de palácios, museus e academias com passeios de um jardim.


Em cotejo com exemplos similares de séries de bustos em outras cidades - em Roma ou na rotunda de vultos famosos no parque de Béziers nas suas relações com o integrativo Canal du Midi na França (Veja), - a via dos homens ilustres de Catanea, inaugurada em 1880, não é apenas um exemplo da erudição de professores e alunos de liceus da época do Historismo. Ela adquire um significado musical e dramatúrgico por partir de Stesichoros, autoridade histórica e simbólica da antiga ilrica e tragédia, conferindo uma fundamentação histórica à melodramática configuração do parque e mesmo de toda a cidade de nascimento de Bellini.


O observador brasileiro não pode deixar de reconhecer no Jardim Bellini de Catanea paralelos com parques e jardins brasileiros, de modo especial com a configuração paisagística do Vale do Anhangabaú em São Paulo. O parque, do qual infelizmente apenas restam resíduos devido às múltiplas e insensíveis alterações, também revela uma encenação melodramática com o Teatro Municipal nas alturas, com o monumento a Antonio Carlos Gomes (1836-1896), com as estátuas de personagens de suas óperas que muito lembram na sua géstica as do monumento de Bellini em Catanea, com as relações criadas com o monumento a G. Verdi do outro lado do vale.


Considerando-se Catanea, tem-se a sensibilidade aguçada para a percepção de sentidos e dimensões abrangentes e que conferem novo significado também à obra arquitetônica de Ramos de Azevedo (1851-1928), que tanto marcou a imagem de São Paulo e que é frequentemente tão inadequadamente compreendida (Veja notícia de 23.04.2014).


As profundas transformações por que passava São Paulo com a industrialização e a imigração européia - em particular italiana - relacionadas com a encenação lírico-trágica do romantismo operístico ítalo-brasileiro representada no parque do Anhangabaú adquirem um sentido musical de decorrência no tempo. O processo de transformação urbana, marcado pela diversidade de seus diferentes estilos e espaços adquire uma unidade possibilitada pela concepção lírico-trágica e faz de São Paulo exemplo dos estreitos elos entre arquitetura e música, e excepcional objeto de estudos de relações entre cultura e natureza, entre a compreensão da cidade, a percepção e a vivência de seus espaços e a qualidade de vida.


Esse sentido do tempo e das artes do tempo nas suas relações com transformações urbanas e empréstimo de unidade na diversidade é tematizado no Jardim Bellini de Catanea pelo grande relógio-calendário floral no seu ingresso monumental e que tem a singularidade de ser modificado diariamente.



04.09.2014

Catanea. Música brasileira na Sicilia - cinco anos de falecimento de Silvio Sergio Bonaccorsi Barbato (1959-2009). O maior evento de música brasileira já realizado em Catanea foi a apresentação de „Colombo“, poema coral sinfonico de Albino Falanca e de Antonio Carlos Gomes (1836-1896) na Stagione Sinfonica 2005-2006 doTeatro Massimo Bellini daquela cidade. Esse poema coral sinfônico foi dirigido por Silvio Barbato - coro por Tiziana Carlini -, músico, compositor e regente brasileiro descendente de italianos, nascido no Rio de Janeiro e falecido em acidente aéreo há cinco anos. Nessa época, Silvio S. B. Barbato era regente da orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, diretor artístico do Teatro Nacional de Brasília e diretor musical da Sala Palestrina di Palazzo Pamphilj em Roma.


O empenho de Silvio S. B. Barbato pela intensificação musical das relações Itália-Brasil, em particular pela difusão da obra de A. Carlos Gomes explica-se pela sua ascendência familiar como descendente de imigrantes e pela sua formação na Itália. Após ter realizados estudos de composição e regência na Universidade de Brasília, tendo entre os seus professores Claudio Santoro, aperfeiçoou-se no Conservatorio Giuseppe Verdi de Milão na classe de Azio Corghi, diplomando-se em 1985. Tornou-se assistente de Romano Gandolfi no Teatro alla Scala. Foi regente do Teatro Nacional em Brasilia de 1989 a 1992 e de 1999 a 2006.


Pelo centenário de Carlos Gomes em 1996, Silvio S. B. Barbato reconstruiu a partitura original de Il Guarany segundo a versão apresentada no Teatro alla Scala em 1870. Em 2003, compôs o bailado Terra Brasilis, estreado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com Corpo de Baile e Orquestra Sinfonica „Opera Brasil“ por êle criada. O mesmo bailado foi apresentado no Teatro Massimo Bellini de Catania em 2005, com o corpo de baile Ópera Brasil e orquestra do Teatro Massimo, precedendo o grande empreendimento do ano seguinte.


A apresentação de O Colombo nesse teatro representou o redescobrimento  de uma obra de alto significado histórico-cultural, contribuindo para a revalorização do compositor brasileiro nos meios musicais e musicológicos da Europa. Esse teatro é uma das mais representativas casas de ópera da Europa, tanto na sua arquitetura externa, na magnificência de seu interior e na qualidade de sua programação. Sendo o principal teatro da cidade de nascimento de Bellini, do qual traz o nome, salienta-se naturalmente pela encenação das óperas do grande compositor de Catanea, tendo sido inaugurado significativamente com Norma, em 1890.


O significado de O Colombo foi considerado em conferência realizada no foyer do Teatro Massimo por Fulvio Lo Presti por ocasião da apresentação da obra no dia 18 de maio de 2006. Lembrou-se que a obra foi criada à época da presença de Carlos Gomes em Milão, executada pela primeira vez no Teatro Lirico do Rio de Janeiro pelos 400 anos do aniversário do Descobrimento da América a 12 de outubro de 1892. Referindo-se nas suas quatro partes à vida do navegador genovês, a obra vinha de encontro ao interesse italiano em salientar o papel dos navegadores do país na história dos Descobrimentos, em geral considerada antes da perspectiva ibérica. Pretendia-se, assim leva-la na Itália durante as comemorações relativas a Colombo, o que não se tornou possível. Lembrou-se que toda a obra poderia ser vista como criação brasileira, apesar da sugestão italiana do nome Albino Falanca, que seria Aníbal Falcão, um deputado amigo do compositor. Também o nome daquele que teria feito a redução para canto e piano - G. Loscar, nada mais seria do que uma inversão do nome Carlos do próprio Carlos Gomes. A obra, executada depois de tantas décadas de esquecimento no Teatro Massimo, teve como cantores, entre outros, Alexandre Agache (Colombo), Rossana Potenza (Isabel da Espanha), Gustavo Porta (Rei D. Fernando), Teresa Nicoletti (Dona Mercedes), Leonardo Alaimo (D. Ramiro), Dario Russo (Don Diego) e Francesco Palmieri (frade).


À divulgação da obra contribuiu um CD gravado na ocasião e produzido pela editora musical Bongiovanni de Bolonha, lançado em 2013 e que atualiza a apresentação de O Colombo no Teatro Massimo de 2006.


O empenho de Silvio S. B. Barbato pelos elos musicais entre a Itália e o Brasil teve continuidade nos anos seguintes com trabalhos de orquestração de obras para o Teatro Olimpico de Vicenza, na realização de concerto „Tributo a Pavarotti“ em Brasília e na apresentação da sua ópera „Carlos Chagas“ em Roma.


Durante o ciclo de estudos realizado pela A.B.E. em Catanea, visitou-se também o Cine Teatro Sangiorgi, dito de Exercícios Sangiorgi (1900-1938), edifício construido pelo arquiteto Salvatore Giuffrida e que também se distingue pela sua decoração interior, em particular pelas pinturas de seus tetos de Salvatore de Gregorio (1859-1928). Hoje, o teatro é utilizado sobretudo para ensaios e atividades auxiliares do Teatro Massimo, para concertos de câmara e de projetos inovativos. Tendo sido utilizado para cinema, cabaret, espetáculos de dança no passado, o Teatro Sangiorgi adquire particular interesse para estudos culturais.



03.09.2014

Catanea/Sicilia. Recepção de óperas de Vincenzo Bellini (1801-1835) no Brasil - homenagem no túmulo do compositor. O que G. Puccini e J. Boccherini são para Lucca (Veja notícias de 17 e 18 de agosto), A. Scarlatti e S. Mercadante para Nápoles (Veja notícia de 22 de agosto), - entre os vários compositores celebrados em cidades de seu nascimento na Itália -, é Vincente Bellini em escala ainda maior para Catanea.


Nesse importante porto de mar e centro cultural da Sicília, Bellini é lembrado no seu túmulo na catedral, em monumentos, denominações de espaços públicos, no teatro e em estabelecimentos de ensino, assim como na vasta programação musical da cidade.


Os trabalhos euro-brasileiros do corrente ano, em parte motivados pela passagem dos 125 do falecimento de Dona Thereza Christina, a imperatriz brasileira de origem napolitana (Veja notícia de 20 de agosto), não podiam ser acompanhados apenas por visitas a Nápoles, mas sim precisaram incluir também a Sicília. Ambas as regiões, hoje subsumidas na Italia unificada, exigem ser consideradas nas suas estreitas relações no passado, sobretudo no contexto do submerso reino de Nápoles e Duas Sicílias, configuração política e histórico-cultural do Mediterrâneo marcada por estreitos vínculos com o mundo ibérico.


Também V. Bellini como vulto musical por excelência de Catanea merece ser considerado nos estudos referenciados segundo o Brasil pela extraordinária difusão de suas óperas e pela influência que exerceu a sua obra na música brasileira do século XIX.


A recepção de Bellini no Brasil vem recebendo atenção nos estudos musicológicos de orientação cultural desenvolvidos pelo ISMPS, assim como em cursos e seminários em universitades alemãs. Esses estudos não se limitam à propagação e à popularidade de suas óperas no mundo, e que alcançou o Rio de Janeiro com particular intensidade em meados da década de 40 do século XIX, mantendo-se desde então muitas no repertório operístico e na vida musical de concertos, de salão e doméstica no Brasil. Bellini, a sua música e sua irradiação no Brasil, se tratados sob uma perspectiva dirigida a processos culturais, contribuem para uma História da Música em contextos globais, um intento que se mostra necessário devido às delimitações dessa área de estudos à Europa central e à França que se constatam em instituições européias.


A consideração dos caminhos de difusão, intercâmbio e interações de suas obras no âmbito europeu é de particular interesse para o estudos que relacionam o mundo de língua alemã com o latino, em particular para aqueles voltados aos vínculos musicais entre a Alemanha e a Itália, e que, embora já há muito em desenvolvimento, adquirem especial atualidade na área dos estudos euro-mediterrâneos no contexto do processo integrativo da Europa intensificado nas últimas décadas.


Essa perspectiva interno-européia adquire uma abertura e passa por transformações com a consideração da presença de Bellini em países extra-europeus, no âmbito dos quais o Brasil merece uma particular atenção. Esses estudos não podem ser exclusivamente histórico-musicais no sentido convencional do termo, mas devem também abranger de forma interdisciplinar aspectos tratados nas diferentes esferas dos estudos culturais. Um deles diz respeito àos pressupostos culturais - entre outros demopsicológicos - que levaram ao desenvolvimento da linguagem musical belliniana e ao caminho percorrido pelo compositor nas suas relações com aqueles que possibilitaram a extraordinária recepção de sua obra no Brasil.


Perante o mausoléu do compositor na catedral de Catanea, vem à memória do pesquisador sobretudo os elos entre a música sacra e a ópera no século XIX, uma vez que V. Bellini, como muitos outros compositores - também brasileiros - provieram de famílias de músicos de igreja, tiveram a sua formação em coros e orquestras de igrejas, procurando a seguir o caminho do reconhecimento no mundo lírico após primeiros sucessos na prática musical familiar e de salão.


Essas relações entre o sacro e o profano têm sido avaliadas de forma por demais negativamente através do prisma da reforma católica e da restauração litúrgico-musical de décadas posteriores e que marcou a literatura. O caminho de sua apreciação adequada deve ser aqui outro, devendo ser a atenção dirigida às características da religiosidade e suas formas de expressão que possibilitaram tal desenvolvimento, no caso, do Catolicismo popular no contexto napolitano-siciliano.


A vida de Bellini apresenta similaridades com aquela de alguns compositores brasileiros do século XIX. Bellini recebeu a sua formação com o seu avô, mestre-capela da catedral de Catânea, atuou quando jovem nos salões da cidade, e dirigiu-se para estudos ao principal conservatório de sua época: o Reale Collegio di Musica di San Sebastiano em Nápoles.


Se a estreía de Il Pirata, em 1827, é considerada como principal marco da ópera romântica italiana, esse marco tornou-se conhecido no Brasil em 1848, quando a obra foi levada no Teatro S. Pedro de Alcântara no Rio. Entretanto, o Brasil já conhecia obras posteriores de Bellini, o que demonstra as dificuldades de determinação do momento de transformação da ópera italiana no Brasil sob a perspectiva do romantismo lírico, do melodrama trágico italiano. Assim, já em 1844 levaram-se no Rio I Capuleti e i Montecchi, Romeo e Giulietta e Norma; em 1845 subiu à cena Il Pirata, em 1846 apresentaram-se Beatrice di Tenda  e La Straniera, ocorrendo a apresentação de Il Pirata juntamente com a La Sonammbula.


A consideração diferenciada desse desenvolvimento adquire significado que ultrapassa a esfera propriamente musical, pois diz respeito à história da intensificação de sentimentos e modos de expressão passionais e trágicos no Brasil, estes últimos revitalizando de forma transformada recepções do antigo drama.


Ter-se-ia aqui indícios e motores de uma possível mudança de visões e percepções do mundo e da realidade, de uma intensificação da melancolia, o que teria marcado desenvolvimentos, inclusive políticos. A assimilação da linguagem de Bellini por músicos brasileiros - também em modinhas - apresenta aqui significados muito mais amplos do que aqueles de mera imitação. Não apenas a técnica de dar a cada nota uma sílaba, as longas melodias, mas também o melodismo de raízes populares em óperas de Bellini merecem aqui ser estudados a partir dos próprios pressupostos culturais no contexto brasileiro. A introdução de elementos populares na prática e na criação musical passa então a ser considerada em contextos globais, contribuindo à diferenciação nos estudos respectivos, ainda hoje por demais marcados anacronicamente por posições nacionalistas posteriores.



01.09.2014

Capri. Fatores sinestésicos na comparação de atmosferas ambientais: perfumes de Nápoles e Rio de Janeiro - a essência mediterrânea de Capri - Adventus Pomorum Citreorum in Insulam Capreas. No âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. tem-se considerado em diferentes contextos questões relativas ao meio ambiente, a parques, jardins e à configuração de paisagens em geral nas suas inserções em processos culturais em relações internacionais (Veja notícias anteriores). Essas intentos vêm de encontro ao interesse atual por comparações de situações naturais e urbano-culturais em cursos de arquitetura, urbanismo e paisagismo em universidades européias, sobretudo em projetos voltados  à otimização de qualidades de vida (Veja notícia de 9 de julho).


Nessas reflexões, tem-se lembrado que não apenas aspectos visuais devem ser levados em consideração em cotejos de situações ambientais nas suas relações com a cultura, mas também outros fatores da percepção sensorial. Como o termo „atmosfera“ em dissertações comparativas de situações urbano-ambientais e de construção de paisagens sugere, a aproximação adequada deve ser sinestésica, o que vale também para estudos culturais de orientação ambiental.


A consideração privilegiada de Nápoles nas suas relações com o Brasil por motivo da memória de Dona Thereza Christina, a Imperatriz de origem napolitana do Brasil pelos 125 anos de seu falecimento, trouxe à lembrança o fator do olfato, da fragrancia ou do perfume de Nápoles na fascinação que exerceu essa cidade e o seu golfo em fins do século XVIII e no século XIX e de suas ressonâncias em cotejos com a baia da Guanabara e mesmo no reconhecimento de suas qualidades paisagísticas.


Como mencionado (Veja notícia anterior), a obra magna do Romantismo brasileiro, a Confederação dos Tamoios de Domingos Gonçalves de Magalhães(1811-1882), estabelecendo uma comparação entre Napoles e Niterói, decanta, entre as muitas qualidades de Nápoles, os seus „bosquetes e odorosas tempes“, o seu „céu voluptuoso, / onde o ar perfumado amor inspira“.


Na estadia em Nápoles de Dom Pedro II e Dona Theresa Christina, em abril de 1888, estudada por Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Veja notícia de 23 de agosto), foi um dos alvos da visita imperial brasileira. Através de carta e sua correspondente italiana, a atriz Adelaide Ristori (1822-1906), de 19 de abril, sabe-se que Dom Pedro II a ela mencionou visitas a famosos museus napolitanos, às ruinas de Pompéia e excursões a diversas encantadoras ilhas do Golfo nesse início da primavera européia (op.cit. 181).


A ilha de Capri oferece-se de modo particular à consideração de questões sinestésicas, pois o fascínio que exerceu e ainda exerce não é apenas devido às suas qualidades visuais, mas a seu perfume. Esse aspecto da imagem e da fruição de Capri tem origens culturais. Segundo a lenda, teria sido o prior do mosteiro de cartuxos de S. Tiago que, tomando conhecimento da chegada da rainha Joana de Anjou, realizou arranjos das mais belas flores da ilha. Após alguns dias, tendo a água assimilado a fragrância das flores, um monge alquimista lançou as bases do „Garofilum silvestre caprese“, o primeiro perfume de Capri. A tradição assim justificada forneceu as bases à revitalização da indústria de perfumes de Capri. Após a Segunda Guerra Mundial, o prior do mosteiro, redescobrindo as antigas fórmulas, e com permissão pontifícia, revelou-as a um químico de Turim, que criou o pequeno laboratório Carthusia (Certosa), origem atual do comércio da „essência“ de Capri.


O reconhecimento e a valorização das qualidades naturais e culturais de Capri estão estreitamente relacionadas com a Alemanha, o que vem hoje à consciência através da presença do nome de Friedrich Alfred Krupp (1854-1902) como um dos grandes benfeitores da ilha. Ali esteve durante os invernos de 1899 a 1902, construindo um caminho em serpentina pelas encostas rochosas - a Via Krupp - e um jardim em situação que oferece  extraordinário panorama. Essa sua atuação em Capri - marcada pela pesquisa de mares - assume significado para os estudos culturais não apenas devido ao intercâmbio com outros cientistas, tais como Ignazio Cerio, cientista natural e médico (1840-1921) e Felix Anton Dohrn (1840-1909), zoólogo. Neste contexto, cumpre lembrar os elos de Dom Pedro II com a firma Krupp, visitada em 1871.









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coordenação e redação: Centro de Estudos Brasil-Europa da A.B.E.
Direção geral: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia, Alemanha



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