Brasil-Europa: Notícias atuais da organização de estudos de processos culturais em relações internacionais - A.B.E.

Brasil-Europa
Notícias atuais
Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (NG)
Academia Brasil-Europa (A.B.E.)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.e.V.)
 
 

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31.08.2014

Capri. O Golfo de Nápoles e a Baia da Guanabara em comparações na história cultural. Constata-se, na atualidade, uma intensificação de interesses por comparações de atmosferas criadas por condições naturais e urbano-culturais em estudos de arquitetura e urbanismo de importantes centros europeus, por exemplo nas universidades alemãs de Greifswald e Weimar (Veja notícia de 9 de julho).


Nas reflexões euro-brasileiras levadas a efeito recentemente em cidades italianas, não poderia faltar neste contexto a consideração da principal comparação de paisagens entre a Europa e o Brasil, e que marcou a história do pensamento no século XIX: a do cotejo entre o golfo de Nápoles e a Baía da Guanabara.


A paisagem que envolve o porto de Nápoles, localizado em baía emoldurada por cadeia de montanhas com o Vesúvio ao fundo e fechada por um lado pela península de Sorrento, com as pequenas povoações no litoral e nas suas ilhas, foi decantada por poetas e fixada por pintores como uma das mais belas, senão a mais bela da Europa.


Em dimensões mundiais, esse papel privilegiado de mais belo porto passou a ser desempenhado de forma crescente pelo Rio de Janeiro, fato documentado em relatos entusiásticos de viajantes europeus no decorrer do século XIX (Veja), uma fascinação que se intensificou nas primeiras décadas do século XX e que se prolonga até o presente. Mesmo que outros portos e outras baías do mundo possam distinguir-se pela sua extraordinária beleza paisagística, por exemplo na Polinésia (Veja), nenhuma outra adquiriu imagem comparável àquela de Nápoles na história cultural européia e àquela do Rio de Janeiro em dimensões globais.


Para o observador brasileiro do presente, o significado desse cotejo entre as duas baías não é totalmente compreensível numa primeira aproximação. Vista a paisagem de Nápoles a partir do golfo, pode-se constatar, de fato, similaridades quanto à silhueta topográfica das duas regiões. Talveu a principal razão da sensação de diferença entre os dois contextos paisagísticos no presente reside na maior ausência do manto verde de cobertura vegetal das montanhas de Nápoles. Vendo-se antigas pinturas, porém, constata-se que também em Nápoles os morros hoje com construções que sobem as encostas foram, no passado, cobertos de verde, ainda que nunca tão pujante como nos trópicos. Pode-se, assim, compreender que marinheiros, viajantes e artistas europeus, ao aproximarem-se do porto do Rio de Janeiro, tenham-no apreciado através de referenciações com Nápoles.


Somente a consideração de aspectos culturais nas suas relações com a natureza possibilita, porém, compreender esses cotejos e reconhecer as dimensões do seu significado. A fascinação despertada pelo golfo de Nápoles na Europa dos séculos XVIII e XIX foi devida em grande parte às ruinas de antigas cidades romanas, Baiae, Pozzuoli e sobretudo daquelas de Pompéia e Herculaneum. Esses resíduos de antigo passado que passava a ser redescoberto pela arqueologia em região marcada pela beleza natural e habitada por gente simples e de costumes tradicionais da Campania corresponderam a um estado de espírito e a anelos do Romantismo. Compreende-se, assim, que brasileiros que - seguindo tendências de centros europeus de sua época - realizaram estudos na Itália, tenham procurado comparar as duas situações paisagísticas, procurando um substituto no caso brasileiro às ruínas de Nápoles.


O principal exemplo desse intuito encontra-se na Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães (1811-1882): „Niterói! Niterói! como és formosa! / Eu me glorio de dever-te o berço!/ Montanhas, várzeas, lagos, mares, ilhas, / Prolífica natura, céu ridente, / Léguas e léguas de prodígios tantos, / Num todo tão harmônico e sublime, / Onde os olhos verão longe deste Éden? / Não és tão belo assim, cerúleo golfo / Onde a linda Partênope se espelha, / (...) Não és tão belo assim, quando torrentes / De puríssima luz vão esmaltando / Tuas mágicas ribas, apinhadas / De garbosas cidades, de palácios / Entre bosquetes e odorosas tempes, / E combros de ruínas gloriosas / De romana grandeza, que inda choras; / Ou quando no teu céu voluptuoso, /Onde o ar perfumado amor inspira / Entre os círios da noite alveja a lua, / No mar mostrando ao longe a bela Capri / E a saudosa Sorrento (....) / Meu pátrio Niterói te excede em galas, / Na grandeza sem par muito te excede!“ (Canto VI, 171-173, ed. 1856).


Se nessa comparação, o erudito e diplomata brasileiro , apesar de decantar a natureza, a atmosfera e sobretudo as ruínas do passado antigo de Nápoles exalta a maior beleza de Niterói pela grandiosidade da paisagem, outra apreciação pode-se constatar na correspondência entre Dom Pedro II e a artista dramática italiana Adelaide Ristori (1822-1906), publicada por Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Veja notícia anterior). A atriz, que passava temporadas na pequena localidade de Castellammare no golfo de Nápoles, apesar da impressão que tivera da baía do Rio de Janeiro, sentia nela a falta do conteúdo poético derivado da presença do antigo passado perenizado nas ruinas romanas. Em carta de 21 de julho de 1883, Dom Pedro II, que sempre salienta a beleza do Brasil, compara a vista do palácio de São Cristóvão com aquela de Castellammare, acrescentando que „a imaginação pode fazer lembrar um pouco a Tijuca (...)“. (op.cit. 149)



23.08.2014

Dom Pedro II (1822-1891) e Adelaide Ristori (1822-1906) por Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança. Em meio aos estudos e reflexões referentes a regiões e cidades italianas nos seus elos com o Brasil do corrente ano (Veja notícias anteriores) recebeu-se providencialmente obra de Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança relativa às relações entre Dom Pedro II e uma das maiores senão a maior artista dramática italiana do século XIX: Adelaide Ristori (O imperador e a atriz: Dom Pedro II e Adelaide Ristori. Caxias do Sul: Educs, 2007, 262 p.; il; ISBN 978-85-7061-457-5).


Com a sua grande documentação, em particular da correspondência entre o imperador e a atriz, e com as suas muitas ilustrações, essa obra, para além de suas excepcionais qualidades visuais, de impressão e de estilo do autor, representa uma contribuição de grande relevância para os estudos culturais de relações Itália/Brasil, ou melhor, Europa/Brasil em referenciação italiana.


O significado atual da recordação de Adelaide Ristori pode ser constatado na presença dessa artista em monumentos, denominações de ruas, teatros, escolas e instituições várias na Itália, destacando-se aqui o cultivo da sua memória no Teatro Mercadante de Nápoles (Veja notícia anterior) e o Istituto Comprensivo Statale Adelaide Ristori da mesma cidade. Sobretudo a designação desta última instituição, apoiada pela União Européia, e que contribui com os seus trabalhos ao fomento da integração, à superação de discriminações e ao esclarecimento, testemunha a aura marcada por abertura de mente, clarividência e progressividade que envolve a memória de uma artista que não foi apenas extraordinária na sua arte, mas também ativa politicamente e influente nos meios diplomáticos, sendo hoje celebrada como um dos grandes vultos do Risorgimento, do processo de unificação italiana.


Na sua introdução, o autor relata as circunstâncias que possibilitaram os seus estudos. Em Roma, com os Marqueses Capranica del Grillo, teve a oportunidade de tomar conhecimento que a bisavó da Marquesa Maria Adelaide, Adelaide Ristori, tinha estado duas vezes no Brasil e mantido relações cordiais com Dom Pedro II e a Imperatriz Dona Theresa Christina. A correspondência de 22 anos - 77 cartas e muitas fotografias - tinham sido conservadas e o arquivo da atriz doado ao Museo del Teatro de Gênova.


O autor considera na sua obra não apenas esta correspondência, até então desconhecida, como também quase todas as respostas às cartas enviadas por Dom Pedro. Isso tornou-se possível graças ao apoio do Príncipe Dom Pedro-Carlos de Orleans e Bragança, responsável pelo arquivo de Dom Pedro II, conhecido como Arquivo Grão-Pará.


Como o autor menciona, trata-se de uma correspondência dedicada à cultura, versada em italiano - também escrevendo Dom Pedro II nesse idioma -, de significado para os estudos históricos em geral e para a história do teatro em particular.


Após apresentações do Presidente da Lupatech S.A., que apoiou a publicação, do Reitor da Universidade de Caxias do Sul e do autor, os documentos comentados são tratados em 25 capítulos, aos quais se seguem notas, índice das cartas, traduções e referências.


Na atualidade dos atuais estudos referentes a Nápoles, cumpre mencionar o capítulo XXI da publicação, no qual o autor relata a ida dos Imperadores de vapor de Gênova a Nápoles em 1888, onde subiu o Vesúvio, visitou Pompéia, Capri e a Universidade de Nápoles. O autor procura situar-se empaticamente na posição de Dona Thereza Christina:


„A Imperatriz devia sentir um misto de alegria e tristeza visitando a sua terra natal. Sua família ali reinou, introduzindo inovações, como a primeira estrada-de-ferro da Itália e a adoção do selo postal (....). Ela passou a sua juventude naquela terra, e hoje pouco se sabe sobre quem foram os seus mestres e como se realizou a sua educação. // O Reino das Duas Sicílias foi, abusivamente, anexado ao resto da Itália pelos Reis do Piemonte, os Savoia, que sempre procuraram denegrir a administração Bourbônica. Esta foi a última vez que Dona Theresa Christina esteve na ‚sua Nápoles‘“ (op. cit. 181).


Trata-se - como outras obras do historiador - de uma publicação indispensável para os estudos culturais do século XIX. De grande atualidade em ano da passagem dos 125 anos do falecimento da Imperatriz Dona Theresa Christina, oferece, para além numerosos subsídios documentais, perspectivas que orientarão estudos e reflexões.



22.08.2014

Nápoles. A Ópera e a cultura musical de Nápoles nas suas relações com Portugal e o Brasil. Um dos temas principais tratados recentemente em Nápoles foi o da música e da ópera na história cultural napolitana sob a perspectiva de suas dimensões internacionais, em particular daquelas relacionadas com Portugal e com o Brasil.


Esse tema não é recente, uma vez que já há muito tem-se reconhecido e „influência“ napolitana na vida musical, operística e teatral de Portugal do passado e suas extensões no Brasil. Na literatura mais antiga, de conotações nacionalistas, esse reconhecimento é acompanhado não raro por alusões negativas a uma vida musical italianizada na Corte portuguesa e no Brasil, a um poder excessivo de mestres e músicos italianos na esfera musical e a qualidades estéticas que seriam questionáveis de obras de compositores que tiveram a sua formação em Nápoles ou que  se orientaram segundo a vida musical napolitana.


O combate à influência operística na música sacra parece ter também contruibuído indiretamente a essas posições desvalorizadoras de uma época, de obras e compositores do século XVIII e parte do XIX.


Uma sensível diferenciação desse quadro deu-se no Brasil com o despertar de interesses pela música antiga, em particular também pelo cravo na década de 60 do século XX. As sonatas de G. D. Scarlatti (1685-1757) - que também fizeram parte de programas de piano - dirigiram a atenção a um compositor que atuou como compositor e mestre-de-capela na Corte portuguesa. Chamado pelo rei D. João V a Lisboa, acompanhando posteriormente a sua discípula - a princesa Maria Bárbara - a Madrid, teve como um de seus discípulos o compositor português J.A. Carlos Seixas (1704-1742). Filho do renomado compositor siciliano Alessandro Scarlatti (1660-1725), cujo nome ficou ligado à história musical de Nápoles, tendo ali falecido, D. Scarlatti dirigiu como este a atenção à longa de uma esfera da cultura musical centralizada em Nápoles e a redes de contatos e caminhos de atuações e difusão de repertórios que necessitam ser considerados nos seus condicionamentos e nas suas inserções em processos político-culturais, em particular ítalo-ibéricos. Em 1982, fundou-se a Associazione Domenico Scarlatti com a finalidade de pesquisa e difusão da cultura musical do século XVIII napolitano, sendo os estudos desenvolvidos pelo Istituto internazionale di studi del 700 napoletano.


O fato de ser Nápoles principal centro de origem e cultivo da opera buffa ou comica - diferenciando-se de Florença e Veneza - foi já há muito considerado no estudo da História da Música no Brasil, levantando questões sobre as razões de tais distinções ou mesmo de diferenças de mentalidades que apenas podem ser tratadas sob perspectivas culturais.


Como já reconhecido na década de 70 e tratado em eventos posteriores do I.S.M.P.S., em particular também no Congresso Internacional pelos 500 anos do Brasil, uma das personalidades musicais injustiçadas por perspectivas nacionalistas na historiografia musical tem sido Marcos Antonio da Fonseca Portugal, nascido em Lisboa (1762) e falecido no Rio de Janeiro (1830). De renome internacional, maestro do Teatro de São Carlos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se encontrava a Corte em 1811. Foi, entre as suas muitas atividades, professor de D. Pedro e autor de obra comemorativa do casamento de D. Pedro com a Arquiduquesa Leopoldina em 1817. Devido ao fato de sempre salientar-se supostos aspectos negativos de sua personalidade - arrogância e vaidade européia em contraposição à modéstia do Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) -, a pesquisa diferenciada tem encontrado dificuldade em reconsiderar um compositor que foi o de maior projeção internacional que viveu e atuou no Brasil na sua época.


Desenvolvendo-se os trabalhos atuais referentes a Nápoles no âmbito dos preparativos dos 125 anos do falecimento da Imperatriz Dona Teresa Cristina (Veja notícia), a atenção foi dirigida sobretudo à atuação de cantores e à apresentação de obras de compositores relacionados com Nápoles no Brasil do Segundo Império. Neste contexto, mereceu particular atenção Saverio Mercadante (1795-1870). Nascido próximo de Bari, e falecido em Nápoles, Mercadante teve a sua formação nesta cidade, tendo atuado em cidades da Espanha; como compositor de óperas e diretor do conservatório real de Nápoles foi uma das personalidades mais influentes da vida musical de sua época. A sua obra „Exulta, Oh Brasil“, executada sob a regência de Alceo Bocchino e gravada há décadas em série que marcou época na pesquisa musical brasileira (Música na Côrte Brasileira 4: Na Côrte de D. Pedro II, Angel 3-CBX 413) chama a atenção aos elos de Mercadante com o Brasil e à necessidade do aprofundamento de estudos específicos sob perspectivas adequadas.



21.08.2014

Nápoles. O Teatro San Carlo de Nápoles no seu significado para Portugal e o Brasil. Ponto alto da estadia em Nápoles no contexto dos trabalhos da A.B.E. do corrente ano foi a visita do Teatro San Carlo, a maior e mais renomada casa de ópera da Europa do passado e ainda um dos maiores centros internacionais da vida musical do presente. Esse teatro, inaugurado em 1737 e que traz o título do santo de mesmo nome do rei, reconstruido posteriormente após incêndio, desperta ainda hoje admiração pela sua arquitetura e decoração interna, cujas qualidades deram impulsos a casas de ópera em outras cidades e países.


Constata-se hoje um renovado interesse pela história do teatro que foi palco de estréias de muitas óperas internacionalmente conhecidas, apresentando-se o edifício remodelado em algumas de suas instalações e com exposição permanente de documentos da vida teatral. Uma particular atenção merece a disposição neoclássica de seu exterior,de seus saguões de entrada e do foyer que se abre aos jardins, resultado de sua recuperação após o incêndio de 1816 e que contrasta estilisticamente com a suntuosa sala de espetáculos.


Se hoje as atenções são voltadas sobretudo ao Scala de Milão - no Brasil devido sobretudo à literatura referente a A. Carlos Gomes (1836-1896) - o Teatro San Carlo de Nápoles revela-se cada vez mais como merecedor de particular atenção, não apenas na história da arquitetura.


O Teatro San Carlo foi discutido em colóquios do I.S.M.P.S., sobretudo nas suas relações com o Teatro  São Carlos de Lisboa, inaugurado em 1793. O seu arquiteto, José da Costa e Silva , nascido em Vila Franca do Xira em 1747, faleceu no Brasil, em 1821.


Esse debate não deixou de ter aspectos polêmicos de cunho político-cultural. Significativas neste sentido são as palavras do Dr. Manuel Ivo Cruz:


„A sua elegante traça terá sido, ao que parece, inspirada no antigo Teatro Real S. Carlos de Nápoles, destruído por incêndio (como habitualmente) em 13 de Fevereiro de 1816. Familiar dos teatros italianos, José da Costa e Silva não ‚copiou‘, como correntemente se diz, o S. Carlos de Nápoles; nesse tempo os arquitectos não tentavam singularizar-se a fazer ‚diferente‘, mas sim através de obras de qualidade, bem concebidas e ajustadas às suas finalidades (...). Bom oficial do seu ofício, Costa e Silva aplicou as regras e juntou-lhe aquilo que a sua cultura, o seu talento e a sua sensibilidade mais recomendavam - e surge-nos assim o nobre e funcional edifício neoclássico, modernidade a gosto europeu, pois na época ainda se construia em Lisboa dentro dos preceitos e estética barrocos. A afirmação de que o nosso S. Carlos ‚é uma cópia do S. Carlos de Nápoles‘ não mais traduz do que a perversa tendência portuguesa em apoucar tudo e todos quanto de melhor temos e criamos (...)“ (O Teatro Nacional de S. Carlos, Porto: Lello & Irmão, 1992, 16).


Considerando-se que o Teatro de São Carlos de Lisboa - conhecido por Opera do Theatro Moderno, Nova Ópera ou Ópera Italiana - foi assim denominado com referência ao nome de D. Carlota Joaquina (1775-1830) por ter dado à luz à princesa que garantia a continuidade da casa de Bragança, tendo havido a sugestão de ser denominado de „Teatro da Princesa do Brasil com o título de São Carlos“ (loc.cit), pode-se reconhecer o significado desse debate para o Brasil.


Esse significado torna-se ainda mais evidente considerando-se que o seu arquiteto foi chamado ao Brasil em 1812, tendo provavelmente feito o projeto do Real Teatro de São João no Rio de Janeiro, inaugurado em 1813. (op.cit. 14)


Na visita ao Teatro San Carlo de Nápoles pôde-se considerar similaridades com o de Lisboa (e ao de São João) quanto ao exterior e à sala de espetáculos, marcada em ambos os casos pelo camarote real.


Para além de questões arquitetônicas e artísticas em geral, o Teatro San Carlo de Nápoles evidencia o papel desempenhado pela casa de ópera no contexto da organização urbana dos espaços centrais da cidade nas suas dimensões político-culturais e sociais. Junto ao Palácio Real com os seus jardins, próximo à grande praça que se abre à monumental igreja de S. Francisco de Paula, defronte à também monumental galeria comercial posteriormente construída, o teatro se inscreve no centro de poder e da vida sócio-cultural de Nápoles. A consideração da sua arquitetura deve ser assim relacionada com o do urbanismo e esse com o paisagismo, sendo essa organização de espaços apenas analisável adequadamente sob enfoques teórico-culturais.


Uma particular menção deve ser feita à função de controle social exercida por espelhos colocados nos camarotes, possibilitando à família real observar as famílias da aristocracia presentes nos camarotes laterais e, a essas, o rei. Enquanto que a nobreza ocupava os andares superiores da sala de espetáculos, a platéia era destinada ao povo, que obrinha condições especiais para a assistência às representações. Sendo de uso no passado comportamentos informais, jogos e conversações durante os espetáculos, essa presença de governantes e famílias da aristocracia ao lado do povo na mesma sala evidencia não apenas a vigência de costumes que diferem dos atuais, mas sim também o significado da  ópera na contexto político e social do passado.



20.08.2014

Nápoles. Diferenciações nos estudos culturais Itália-Brasil. Pelos 125 anos de falecimento da Imperatriz Dona Teresa Cristina (1822-1889) no corrente ano. Preparando a passagem dos 125 anos do falecimento da última imperatriz do Brasil Dona Teresa Maria Cristina (28 de dezembro), napolitana de nascimento, princesa de Duas Sicílias, esposa de Dom Pedro II, realizou-se uma visita a Nápoles e à Sicilia no âmbito das atividades da A.B.E. do corrente ano.


Essa renovada estadia na região teve como objetivo trazer à consciência a necessidade de uma mais diferenciada consideração das relações Itália-Brasil nos estudos culturais em contextos globais. Talvez ainda de forma mais acentuada do que em outros contextos europeus constata-se nesses estudos o risco de projeções anacrônicas de situações político-culturais posteriores em anteriores, de uma referenciação mental segundo a Itália como estado nacional surgido no decorrer das lutas unificadoras do século XIX na consideração de configurações culturais, fatos, acontecimentos, personalidades e obras inseridas em processos que exigem ser analisados a partir de seus próprios pressupostos e no seu vir-a-ser temporal.


Sem colocar em questão os valores culturais comuns garantedores da unidade na diversidade regional nas suas mutáveis organizações de estado no decorrer dos tempos, - unidade fundamentada já pelo próprio idioma - e que foi alvo das lutas pelo seu ressurgimento no espírito do século do Romantismo, uma visão anacrônica do passado encobre e nivela diferenças, prejudicando a percepção mais sensível de complexos culturais e a análise adequada e mais aprofundada de processos históricos.


Esse intento diferenciador do passado tem consequências também para o presente, surgindo até mesmo como pressuposto para a consideração mais sutil e a compreensão da diversidade na unidade italiana e que é muitas vezes de forma por demais simplificada resume-se a constatações de tensões Norte/Sul e de tendências separatistas.


O aguçamento da sensibilidade à diversidade e o olhor dirigido a processos político-culturais italianos tem consequências para o estudo da emigração italiana e do papel desempenhado por imigrantes italianos e seus descendentes na vida cultural em metrópoles e regiões coloniais de vários países do continente americano.


Como vem sendo discutido em colóquios da A.B.E./I.S.M.P.S. e em cursos universitários, esse problema da nivelação de diferenças culturais faz-se sentir no estudo da imigração e colonização italiana no Brasil e  naqueles voltados à influência italiana na vida cultural e musical de Portugal e do Brasil e das relações culturais Itália-Brasil em geral.


Os colonos-imigrantes, músicos, artistas, intelectuais e homens de negócios que vieram e atuaram no Brasil trouxeram a marca de sua formação determinada por diferentes contextos, por diferentes perspectivas nas relações com outras regiões da Itália e outros países, diversas referenciações históricas locais e regionais, repertórios, práticas, tendências, tradições e modos de expressão distintos.


Considerar adequadamente esse diversidade surge como uma necessidade para o desenvolvimento da pesquisa nas suas implicações para a memória de comunidades, para o ensino e a política cultural. Se na esfera colonial pela delimitação territorial, pela convivência de imigrantes de diferentes regiões mas de mesma lingua processou-se um nivelamento de diferenças, essa unificação deve ser objeto de estudos, também nas suas relações com o movimento unificador na própria Itália.


Cada vez mais toma-se consciência nos estudos culturais do extraordinário significado de o Brasil ter tido uma princesa nascida em Nápoles como imperatriz. Por longo tempo subestimada devido às características de modéstia, discreção e reserva de sua personalidade, as qualidades de sua formação cultural e aptidões artísticas, assim como a relevância do papel que desempenhou na história da imigração e na vida cultural - em particular também musical - do Brasil passam a ser cada vez mais reconhecidas.


Esse reconhecimento exige estudos mais aprofundados do seu contexto de nascimento e formação e estes contribuem a uma melhor compreensão de obras, estilos e tendências de artistas e músicos que atuaram no Brasil. O olhar dirigido ao mundo político-cultural submerso de Nápoles e Duas Sicílias abre novas perspectivas para a reconsideração de processos culturais no Brasil do século XIX e à superação de perspectivas desqualificadoras da vida artístico-musical marcada por elos com a Itália na sua diversidade cultural.


Na visita a Nápoles, consideraram-se vários aspectos do contexto cultural da época de formação da princesa Teresa Cristina e de desenvolvimentos posteriores sob o aspecto de suas relações com o Brasil. Desenvolvendo-se à luz do projeto Cultura/Natureza da A.B.E., sobretudo questões relacionadas com a paisagem, o mar e jardins sob o pano de fundo do patrimônio antigo de Nápoles e sua região foram considerados, procurando-se caminhos para a melhor compreensão do interesse da imperatriz brasileira pela arqueologia e pela configuração paisagística de jardins através da técnica de mosaicos em bancos e muros. Nesse sentido, foram considerados em particular os jardins do palácio real, que se distinguem também pelas suas plantas tropicais. Alguns dos aspectos considerados serão referidos em notícias.



19.08.2014

Lucca. O Volto Santo nos estudos da imigração e da influência italiana na cultura brasileira e suas dimensões teórico-culturais em relações Lucca/Toscana-Brasil. A grande porcentagem de italianos e descendentes de italianos na população de várias cidades e regiões do Brasil, assim como nela a de famílias remontantes à Toscana justifica uma atenção especial a ser concedida a Lucca nos estudos culturais euro-brasileiros.


Essa atenção não deve limitar-se ao estudo histórico de fatos e de grandes nomes que testemunham de forma mais evidente os elos entre a Toscana e o Brasil (Veja notícias anteriores), mas sim também incluir aqueles relativos a modos de vida, ao quotidiano, à prática religiosa, a expressões festivas e a outras esferas culturais que exigem aproximações antes empíricas no estudo cultural de imigrantes e seus descendentes no Brasil.


O significado de Lucca transcende esta sua relevância para estudos histórico-culturais, folclóricos ou de cultura popular em geral. Uma consideração mais profunda do culto ao Volto Santo que marcou e marca a vida religiosa da cidade e tornou-a centro procurado por peregrinos através dos séculos dirige a atenção a aspectos fundamentais do edifício de concepções relacionados com o visual e a plástica nas suas múltiplas implicações quanto á vida do homem e da sociedade.


Se muitas cidades européias tiveram a sua identidade no passado definida em grande parte pelo culto de relíquias, a principal relíquia de Lucca diz respeito nada menos do que ao vulto de Cristo crucificado. Segundo a tradição, essa imagem teria vindo em 782 por mar em navio sem tripulação e também transportada por terra a Lucca em carro sem condução humana. Após disputa entre as cidades de Luna e Lucca, passou a ser conservada na catedral desta última. Para ela construiu-se posteriormente (1484) um artistico templo no templo, que possibilita, através de suas grades, a sua contemplação.


Ainda segundo a tradição, a imagem remonta a Nicodemos, que a teria esculpido em madeira. Através dos séculos foi a imagem levada pelas ruas de Lucca em procissão na festa de Santa Cruz a 14 de setembro. Considerando-se o significado das expressões tradicionais relacionadas com a festa de Santa Cruz de primeiro de maio no Brasil - a „Terra de Santa Cruz“ - percebe-se que o Volto Santo insere-se na simetria da ordenação do ciclo do ano religioso vigente na Idade Média que foi transportado ao Brasil e que pode ser analisado nas suas relações com os equinócios do ano natural.


A face de Cristo encontra-se presente nas tradições brasileiras da forma mais evidente na presença da Verônica em procissões de Sexta-Feira Santa. O ato do desenrolar o lenço com a efígie ao som de canto de cunho hierático, que vem sendo objeto de análises sob diversos aspectos há décadas e recebe na atualidade renovada atenção no Brasil, traz à consciência os elos entre visão e música: tema do congresso internacional que marcou a passagem dos 500 anos do Brasil. O Volto Santo de Lucca pode contribuir aos estudos desenvolvidos a partir da imagem da Verônica, dirigindo aqui a atenção à plástica, à escultura.


O Volto foi modêlo de representações similares que se encontram em igrejas de vários países, entre êles a Alemanha. Êle mostra na sua aparência um determinado tipo de homem - magro, de tez escura, cabelos longos e barba preta, trajando túnica - que difere da representação despida mais difundida, o que permite estudos sob a perspectiva da História da Arte e o reconhecimento de vínculos e influências. Não, basta, porém, também aqui procurar e constatar similaridades entre imagens e representações esculpidas européias e aquelas de igrejas brasileiras.


A presença atual de concepções mais profundas do Volto Santo no Brasil é testemunhada sobretudo pelas atividades de religiosos da Sagrada Face (Suore e Fratelli del Santo Volto) e seus amigos em alguns Estados do Brasil, em particular no Nordeste e no Norte - Ceará, Paraíba, no Rio Grande do Norte e Pará (Fortaleza, Cajazeiras, Martins, São Miguel, Muana). O instituto das Suore del Santo Volto, fundada pela beata M. Pia Mastena em 1930, destaca-se sobretudo na área da assistência médica e de uma concepção abrangente de cura a partir de uma imagem interna no homem, em particular junto a  pobres e abandonados. Um de seus centros é a  Casa di Cura Santo Volto, em Roma, ativa desde 1954. O lema que conduz essas ações condensa as concepções e indica o sentido das atividades: o de propagar, reparar e restabelecer a imagem de Cristo no interior do homem, uma imagem que é caracaterizada como doce. O homem que tem essa imagem divina em si pode ser reconhecido metaforicamente no perfume que o Espírito Santo exala de seu comportamento e de suas ações.


Sob o ponto de vista dos estudos culturais, a tradição da veneração do Volto Santo e suas interpretações mais recentes traz à consciência a fundamental necessidade de estudos e de compreensões de sentidos diferenciadamente refletidos, não superficialmente literais da explanação bíblica sobre a criação do homem à imagem e semelhança de Deus.



18.08.2014

Lucca. Luigi Boccherini (1743-1805) - dimensões européias e significado para a pesquisa musical referente ao Brasil.  Como lembrado ns reflexões euro-brasileiras encetadas em Lucca, o estudo das relações entre Lucca e a Toscana em geral e o Brasil não pode restringir-se a G.Puccini (1858-1924) e à recepção de suas óperas no Brasil, por mais importantes que sejam sob a perspectiva de desenvolvimentos internacionais, sobretudo sob o aspecto da imigração italiana no Brasil e da influência italiana na vida e no ensino musical brasileiro no século XX, em particular em São Paulo e no Rio Grande do Sul.


As atenções devem ser dirigidas não só ao irmão de Puccini falecido no Rio de Janeiro, mas também à tradição familiar a que pertenceu. (Veja notícia anterior) Esta traz à consciência a intensidade da vida musical da cidade e da região no século XVIII e início do XIX. Lucca não é apenas cidade musical como terra natal de G. Puccini - fato considerado pela UNESCO, que a distinguiu nesse sentido com mais duas outras cidades de nascimento de grandes compositores italianos -, como por ser também de Luigi Boccherini, cujos restos mortais se encontram na igreja local de S. Francesco.


Esse fato é relembrado por estátua de bronze que representa o compositor como violoncelista na Piazza del Suffragio, levantado em 2008. A cidade sedia também o Istituto Musicale Luigi Boccherini (G. Pacini) e um Centro Studi Luigi Boccherini, criado em 2005. Desenvolve-se a edição completa da obra do compositor e publica-se o periódico Boccherini Studies. Esse Centro foi precedido pela constituição da Associación Luigi Boccherini em Madrid, em 2003.


Já a existência desses centros em Lucca e em Madrid indicam a atenção que hoje adquirem o compositor e a sua obra tanto na Itália como na Espanha. Não se pode, porém, esquecer a Alemanha, tendo sido o compositor alvo de particular consideração na série de preleções dedicadas à História da Música em contextos globais levada a efeito na Universidade de Colonia a partir de 1997. Essa série, tendo como objetivo contribuir ao desenvolvimento de uma Musicologia Histórica em dimensões não só européias através da consideração particular das relações entre o Centro europeu, a Itália e a Península Ibérica, mas também nas suas dimensões superadoras de limites geográficos do continente, considerando nela também resultados da pesquisa etnomusicológica, não podia deixar de considerar L. Boccherini.


A vida desse compositor surge como exemplo das relações interno-européias, adquirindo a sua obra significado paneuropeu. Formado e tendo atuado na Itália e em Viena (1743-67), em Paris (1767/68) - cidade de impressão de suas obras -, na Espanha (1768-1805), esteve a serviço do príncipe e rei Friedrich Wilhelm II da Prússia (1744-1797). Este último fato explica também o significado do seu tratamento especial no ciclo promovido pela Universidade de Colonia e relacionado com trabalhos do ISMPS. Vivendo em época de grandes transformações, marcada pela Revolução e o Império napoleônico, o estudo de sua vida exige a consideração de processos históricos e mudanças político-culturais.


Uma atenção especial no âmbito de intuitos voltados á superação de limites disciplinares entre a musicologia histórica e a empírica da etnomusicologia/folclore musical é o fato de Boccherini ter considerado elementos da música popular ibérica na sua obra, destacando-se aqui o Fandango no quinteto de cordas op. 40 Nr. 2, o quinteto de guitarras e o quinteto op. 30 Nr. 6 (Música noturna das ruas de Madrid). O minueto do quinteto de cordas op. 50 Nr. 5, composto à moda da seguidilha espanhola, indica as relações entre danças de diferentes contextos sociais e a superação de esferas do erudito e do popular nas suas diferentes matizes.


O Fandango em Boccherini surge aqui como significado para uma pesquisa mais aprofundada, interdisciplinar do Fandango. A essa podem contribuir os estudos culturais referenciados pelo Brasil. A tradição do termo no Brasil indica que o Fandango não apenas se refere específicamente à dança - como no Sul do país - mas também se insere em contexto mais complexo de expressões festivas - como no Nordeste - e cujos sentidos e inserções no ciclo do ano vêm sendo objeto de análises. Nesse sentido, essa pesquisa serviu à orientação de trabalho de mestrado de estudante brasileiro relativo ao Fandango no Brasil apresentado ao Instituto de Musicologia de Colonia.


No Brasil, o nome de Boccherini foi no passado lembrado sobretudo pelo seu Minueto do quinteto op. 11 Nr. 5. Foi e é altamente difundido e conhecido, tendo sido alvo de edições revistas e facilitadas por autores brasileiros. Marcou a concepção do minueto e inspirou composições de minuetos por autores acadêmicos e voltados ao ensino, tais como Souza Lima, J. Baptista Julião e M. de L. Campelo Ribeiro. Já esse fato justificaria uma consideração de Boccherini nos estudos musicais de orientação cultural no Brasil. A relevância de sua obra é, porém, mais abrangente. As interações estilísticas que podem ser constatadas nas suas composições abrem novas perspectivas para estudos da recepção musical e para a análise de obras de fins do século XVIII e início do XIX no Brasil. A sua consideração contribui a uma visão mais diferenciada de uma linguagem musical que tem sido muitas vezes de forma pouco diferenciada considerada apenas nos seus elos com a Escola de Mannheim e com a cultura musical orientada segundo a „escola napolitana“. Para o prosseguimento dessas reflexões, a A.B.E. promoveu uma visita a Nápoles e à Sicília, a ser relatada em notícias seguintes.



17.08.2014

Lucca. Significado e atualidade de G. Puccini (1858-1924) nos estudos músico-culturais em contextos internacionais - Follow Puccini in Lucca. No recente programa de atividades da A.B.E. em cidades italianas (Veja notícias anteriores relativas a Pisa), a visita à cidade toscana de Lucca foi dedicada sobretudo a questões relativas à música em processos culturais nas suas dimensões globais com especial consideração das relações ítalo-brasileiras.


Essa focalização das atenções justificou-se pelo fato de ser Lucca a cidade natal de G. Puccini, cuja memória é mantida como um dos principais valores da história da comunidade através de monumento, do museu estabelecido na sua casa de nascimento, em exposição no teatro local e na programação musical, intensificada no corrente ano pela passagem dos 90 anos de seu falecimento.


A cidade é sede do Centro Studi Giacomo Puccini, instituição cultural constituída em 1996 e que procura reunir especialistas e promover a sua obra, considerando-a nas suas relações com a música e com o teatro do seu tempo e no seu contexto cultural. Entre os projetos de maior relevância dessa instituição conta-se o da edição nacional das obras de Puccini, iniciado em 1997.


Para um compositor que se dedicou ao tratamento de sujeitos relacionados com outras culturas e encontros culturais (Madame Butterfly, La Fanciulla del West,Turandot), enfoques musicológicos de orientação teórico-cultural surgem como indispensáveis. Entre êles, adquirem particular relevância aqueles voltados à emigração italiana a países do Novo Mundo. Essa emigração e as relações entre os seus principais centros como Buenos Aires, São Paulo e New York vem sendo alvo de estudos no âmbito dos trabalhos do ISMPS das últimas décadas e tratados em seminários universitários.


Considerando a grande porcentagem de descendentes de italianos na população de São Paulo - estimada em ca. de 5 milhões na capital - e no interior do Estado, muitos dos quais de proveniência de Lucca, assim como as regiões de colonização italiana no Sul do Brasil, compreende-se o acentuado interesse pelo Brasil em Lucca, cidade que possui também considerável comunidade brasileira.


Notícias negativas que marcam a imagem do Brasil no presente devido a atos sofridos por cidadão de Lucca no país não podem obscurecer o significado dessas relações no passado e no presente. Estas fazem parte rselevante dos trabalhos da Associazione Lucchesi nel Mondo. Essa entidade, sediada em Lucca, possui representações em vários países europeus (Alemanha, Suiça, Irlanda do Norte, Bélgica), no USA, Canadá, Austrália, África do Sul, Tailândia e na América do Sul (Argentina, Uruguai, Venezuela, Colombia, Peru), salientando-se aqui o Brasil (São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Marília, Rio de Janeiro, Mococo, Jacutinga, Porto Alegre). Os elos são promovidos no país pelo Istituto Culturale Lucchese-Toscano, pela Associação Lucchesi Toscani del Brasile e pela Associação do Litoral Paulista.

Entre os eventos relativos a Puccini dos últimos anos no Brasil pode-se citar a apresentação da ópera Gianni Schicci em 2007 no Teatro da Paz em Belém dio Pará, regida por Mateus Araújo no âmbito do I Festival Internacional de Ópera da Amazônia. Em 2008, por motivo da passagem dos 150 anos de nascimento do compositor, realizou-se um concerto do pianista Fabio Marra e da soprano Angela Papale na Sala Irmã Sania Cosmelli de Nova Friburgo em promoção do Istituto Italiano di Cultura do Rio de Janeiro e em cooperação com a Società Dante Alighieri de Nova Friburgo. O pianista e regente Fabio Marra vem-se salientando nas relações musicais ítalo-brasileiras através de apresentações na Itália - entre outras para a Radio Televisione Italiana - tendo dirigido orquestras da Accademia Strumentale Italiana, da Sinfonica di Bari, da Nuova Sinfonica di Milano, da orquestra Scarlatti di Napoli e da Orquestra de Camera di Merano.

O mais significado testemunho dos elos entre Lucca e o Brasil deu-se em 2009 por ocasião da celebração dos 35 anos do Circolo Lucchese di San Paulo. Por iniciativa de Claudio Pieroni, do Lucchesi nel Mondo de São Paulo, personalidades de Lucca tiveram a sua atenção despertada para a oportunidade de oferecimento de um busto do compositor ao Teatro Municipal de São Paulo, suprindo assim uma lacuna sentida em centro de metrópole e de Estado tão marcados pela cultura musical italiana. A Associazione degli industriali di Lucca, com o seu presidente Andrea Guidi, e o Rotary Club possibilitaram assim a realização de uma reprodução de parte do monumento a Puccini levantado em 1994 na Piazza Cittadelle, trabalho do escultor Vito Tongiani de Pietrasanta. No concerto inaugural participou Mauro Favilla, Sindaco del Comune di Lucca e Presidente da Fondazione Giacomo Puccini. Esse oferecimento foi considerado agora em Lucca perante o monumento a Puccini.


Por ocasião da visita à exposição dedicada a Puccini no teatro de Lucca, constatou-se os esforços voltados a contextos e à vida musical local na consideração do compositor e sua obra. Os quadros com documentos e fotografias tomam a entrada e os saguões do teatro, e personagens das óperas de Puccini são apresentadas em tamanho natural na sala de espetáculos.


Nesse contexto, lembrou-se que os elos músico-culturais entre Lucca e o Brasil não podem restringir-se a Giaccomo Puccini, devendo-se considerar os seus pressupostos, em particular aqueles de sua origem e formação, em especial familiares. Não se pode esquecer os seus antepassados músicos, entre êles Giacomo Puccini (1712-1781), Antonio Benedeto M. Puccini (1747-1832), Domenico V. Puccini (1772-1815), Michele Puccini (1813-1864), compositores que se dedicaram sobretudo à música sacra.


Especial atenção merece o seu irmão Michele Puccini (1864-1891), uma vez que imigrou para Buenos Aires e faleceu muito jovem no Rio de Janeiro, vítima de febre amarela. Presume-se que mesmo G. Puccini, em situações difíceis, tenha pensado em seguir o seu irmão na imigração. Vindo ao Rio de Janeiro em 1891, Michele Puccini assistiu à encenação de Carmosina, ópera de João Gomes de Araújo (1846-1943), compositor paulista que conhecia de Milão. É possível que pretendesse procurar campo de atividades mais amplo em São Paulo. As reflexões em Lucca evidenciaram a necessidade de prosseguimento das pesquisas, ainda em estado insatisfatório.



16.08.2014

Toscana-Portugal-Alemanha-Brasil. O rinoceronte na porta da catedral de Pisa nos seus múltiplos sentidos e seu significado. Nas reflexões encetadas em Pisa sob o signo do projeto Cultura/Natureza da A.B.E., uma atenção particular mereceu o programa visual da catedral e de outras edificações, em especial a representações de animais e vegetação nas suas relações com aqueles de vultos e fatos das Escrituras, ou seja, a seus sentidos como sinais, signos, símbolos, emblemas e alegorias.


Entre essas imagens, salientam-se aquelas da tartaruga, de cães e, principalmente, do rinoceronte da porta  de bronze do portal ocidental esquerdo, um animal que surge como inesperado nesse contexto religioso.


Para o leitor informado, esse rinoceronte estabelece uma das mais evidentes pontes com Portugal e o mundo descoberto pelos portugueses. Documenta a presença de Portugal e do mundo extra-europeu não só na catedral de Pisa, mas na Toscana e em amplo contexto europeu em geral, em particular na Alemanha. Surge, assim, como de especial relevância para estudos de processos culturais desencadeados pelos Descobrimentos nas suas dimensões internacionais.


A imagem refere-se ao rinoceronte da Índia trazido para Lisboa em maio de 1515 e enviado como presente a Roma pelo rei português D. Manuel I (1469-1521). Tanto em Portugal como na França, o animal foi alvo de grandes atenções; perecendo em naufrágio, foi empalhado e reenviado nesta forma a Roma, ali chegando apenas em 1516.


O rinoceronte havia sido oferecido como preito do sultão de Cambay (India) a Afonso de Albuquerque (1453-1515) - o conquistador de Goa (1510) (Veja) - e enviado a seguir ao rei D. Manuel. Despertando grande interesse na Corte e na população de Lisboa, o animal seria posteriormente representado em plástica na Torre de Belém.


No espírito da Renascença, o rinoceronte foi considerado à luz de concepções de antigos autores, em particular da Naturalis historia de Plinius O Velho referentes a um antagonismo entre esse animal e o elefante. A presença do rinoceronte em Lisboa despertou atenções  também na Toscana, motivando  uma obra de médico e erudito de Florença relativa a esse animal, publicada já em julho de 1515 em Roma .


D. Manuel, que já em 1514 enviara ao Papa Leão X (1475-1521) - significativamente da família dos Medici de Florença, formado na Universidade de Pisa - um elefante da Índia, presenteou-o com o rinoceronte que já havia sido motivo de tanto interesse. O presente foi enviado em dezembro de 1515, ou seja, no contexto da época natalina. Ainda que atingindo Roma por fim apenas como animal empalhado, motivou representações em obras de arte em palácios pontificais, um indício de que foi antes a sua imagem - mais do que o animal vivo em si - a justificativa do extraordinário significado do rinoceronte na Europa.


A imagem de Pisa encontra-se em uma das novas portas de bronze criadas por Giovanni da Bologna entre1596 e 1603 e que substituiram anteriores danificadas em incêndio em 1595. O programa visual das imagens foi projetado por Fra Domenico Portigiani (1536-1601), arquiteto e escultor, tendo sido as portas fundidas na sua oficina. A representação do rinoceronte indica a recepção de gravuras alemãs e estas da recepção da chegada do animal em Lisboa. Trata-se aqui em especial da obra Rhinocerus de Albrecht Dürer (1471-1528), de 1515, criada com base em descrição em carta de Valentim Fernandes (+1518/9) enviada a Nürnberg e em esboço também proveniente de Lisboa.
Esses elos entre Lisboa e o sul da Alemanha,  em particular Nürnberg e Augsburg, explicam-se pela rêde de contatos comerciais. O rinoceronte tornou-se emblema de Alexandre de Medici (1510-1537), cognominado de „o Mouro“, primeiro duque de Florença. O aspecto marcial do rinoceronte como animal „blindado“ e a sua capacidade de subjugar o elefante segundo a tradição documentada pela obra de Plinio razão de sua escolha no sentido do lema „eu não retorno sem vencer“ do duque florentino.


Nas reflexões em Pisa do programa Cultura/Natureza da A.B.E., lembrou-se da vasta literatura concernente ao tema e os múltiplos aspectos já há muito considerados, também e sobretudo por autores portugueses.


Ao mesmo tempo, porém, constatou-se que a atenção não devia tanto restringir-se a pormenores históricos da trazida do rinoceronte à Europa, mas sim dirigir-se antes aos sentidos do animal no edifício de concepções e imagens da cultura cristã, uma vez que são esses sentidos que explicam a sua representação em contextos religiosos, do qual a porta da catedral de Pisa é um dos mais significativos.


No programa imagológico da porta, o rinoceronte surge abaixo da cena do presépio, com a representação de Maria ao lado do seu Filho na mangedoura, cercado de animais, pastores e por aqueles que vieram adorá-lo.


O reconhecimento do complexo de sentidos é muito mais fácil para leitores brasileiros do que para europeus, uma vez que no Brasil manteve-se até o presente expressões tradicionais já desaparecidas na Europa e que se referem àqueles representantes de nações vindas de longínquas regiões - do „Oriente“ - para adorar a Sabedoria encarnada e que, readquirindo a coroa perdida por Adão, retornam como Reis em alegria. Cortes e populações com atributos orientais e africanos, com referências e emblemas de animais exóticos são representadas em cortejos festivos que marcam o período que vai de Natal e Reis até o Carnaval. Deve-se considerar aqui cordões de bichos e, entre outros, o Maracatu. Ainda que essas expressões não tenham sido adequadamente interpretadas por insuficiente consideração dos sentidos do ano religioso nas suas relações com o natural, levando a falsas suposições de origens, o leitor com formação cultural brasileira tem condições particularmente favoráveis para o entendimento de sentidos da linguagem visual da porta da catedral de Pisa. Pode entender também as dimensões mais abrangentes da atmosfera festiva que marcou a presença do rinoceronte da Índia no século XVI na Europa.


Esses pressupostos culturais possibilitam também reflexões mais aprofundadas dos dizeres que se encontram na porta da catedral entre as imagens do presépio e do rinoceronte: securus accedo.



15.08.2014

Catedral e torre de Pisa - Santa Maria Assunta na Toscana e a festa de 15 de agosto no Brasil. A festa da Assunção de Nossa Senhora (Assumptio Beatae Mariae Virginis) é uma das principais expressões do culto mariano e ponto alto do calendário festivo de vários páises do Ocidente e do Oriente.


No Brasil, a devoção e suas expressões marcaram a formação colonial do país desde o seu início, manifestando-se na dedicação de numerosas igrejas, no patrocínio de cidades e instituições, em obras de arte e de música, assim como em concorridos atos paralitúrgicos e festas populares.


Essa veneração a Nossa Sra. da Assunção no Brasil revela sobretudo a extensão às regiões extra-européias da extraordinária força do culto mariano em Portugal. À beira do Atlântico, é até mesmo cognominado de „Terra de Santa Maria“, Portugal marcou a sua presença cultural nas regiões extra-européias alcançadas principalmente através do culto da Imaculada Conceição, cuja festa celebra-se no dia 8 de dezembro e que representa  início e pressuposto de um caminho ascensional que tem o seu ponto culminante na morte, subida ou retorno de Maria aos céus.


Através de imigrantes de outros países europeus, o Brasil recebeu também formas de culto e expressões festivas marcadas pelos diferentes contextos culturais de origem e épocas, destacando-se  aqui a veneração da Assunta dos colonos italianos. Ordens religiosas contribuiram à propagação do culto segundo tradições de diversas proveniências através da sua atuação educativa e de difusão religiosa à época da revitalização dos conventos e mosteiros brasileiros de fins do século XIX. Sobretudo Franciscanos e Beneditinos alemães introduziram no Brasil expressões contextualizadas culturalmente da festa da subida ou ascenção aos céus de Maria (Mariä Himmelfahrt), de tanta importância em várias cidades da Alemanha.


As expressões tradicionais e populares da festa no Brasil apresentam porém características que nem sempre são bem compreendidas no seu sentido por religiosos de formação obtida em épocas mais recentes e por pesquisadores culturais que não consideramm suficientemente o complexo das concepções e imagens marianas na sua fundamentação teológica e no seu vir-a-ser histórico-cultural no processo de cristianização de linguagem visual de remotas origens da Antiguidade.


O estudo de práticas e da linguagem visual mantidas pela tradição no Brasil - ainda que deslocadas relativamente ao ano natural - podem assim abrir caminhos para a compreensão de sentidos da cultura mariana do hemisfério norte, em particular da Idade Média européia, perdidos em parte pelas transformações de procedimentos hermenêuticos no decorrer dos séculos.


Nesse sentido de reciprocidade da relevância de estudos relacionados entre a Europa e o Brasil, a A.B.E. vem desenvolvendo em diferentes contextos análises de fundamentos do edifício de concepções e imagens do mundo e do homem do qual um dos polos máximos - o seu cimo - é aquele celebrado no dia 15 de agosto. (Veja)


O conjunto arquitetônico constituído pela catedral, pela famosa torre inclinada do campanário, pelo batistério e pela necrópole (Camposanto Monumentale) de Pisa merece aqui uma especial atenção, sendo por esse motivo considerado em visitas a essa cidade, da qual a última realizou-se agora no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E..


A catedral que serviu de modêlo de outras da Toscana, como as das cidades rivais de Florença e Siena, e que foi por séculos uma das mais mais monumentais do Ocidente, representa um verdadeiro tratado edificado de concepções e da imagologia marianas. É apenas através de uma leitura adequada de seus sinais é que ornamentações consideradas como sem sentidos ou mesmo desintegradas de contextos podem ser compreendidas na sua coerência. Os atributos marianos estão sempre presentes, sendo um deles a própria torre tão procurada por visitantes de todo o mundo.


A inclinação da torre - e a sua correção estática nos andares mais altos - traz à consciência um importante fator a ser considerado quanto aos aspectos numinosos do local: a instabilidade do terreno onde as construções se levantam. A própria questão histórica da razão da construção da catedral, seguida à vitória da batalha marítima em Palermo contra muçulmanos pode ser analisada a partir de conhecimentos ganhos em outros contextos e no qual lutas e representações de combates acompanham o caminho ascensional, como ainda constatável em tradições brasileiras. (Veja) Os sentidos simbólico-antropológicos dessas lutas entre „cristãos e mouros“, se considerados nos seus fundamentos bíblicos e não-bíblicos, podem contruibuir à elucidação de aspectos vistos como de difícil explicação na linguagem de imagens, tais como referências visuais a mesquitas e a turcos, persas, africanos e pagãos na sua construção. (Veja)


Muitos outros aspectos considerados durante a visita da A.B.E. demonstraram mais uma vez a importância de uma condução culturológica da História da Arte e da Arquitetura em contextos globais para a solução de questões que surgem como obscuras e enigmáticas. Demonstraram, sobretudo, que nessa orientação as relações entre concepções espirituais e o mundo natural devem ser particularmente consideradas, surgindo como de relevância atual no necessário intento de desenvolvimento de estudos culturais desenvolvidos sob o signo de uma maior responsabilidade do homem perante a natureza.



14.08.2014

Pisa. Plantas sulamericanas no jardim botânico mais antigo de uma Universidade. Um nova fase do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. do corrente ano é dedicada à visita a parques, jardins e instituições de diferentes países da área do Mediterrâneo. As observações e as reflexões complementam aquelas levadas a efeito em países do Norte e do Centro europeu, em particular da Inglaterra e da Alemanha, como relatado em notícias anteriores. O objetivo é também aqui contribuir ao desenvolvimento de uma ciência da cultura de orientação ambiental.


Tanto do ponto de vista histórico-cultural e da atualidade dos problemas das relações entre o homem e a natureza, a consideração de centros de estudos, de parques, jardins e obras paisagísticas em países da área mediterrânea diferencia-se sob diferentes aspectos daquela dos outros contextos europeus estudados. As diferentes condições climáticas, as consequências de explorações exaustivas do meio ambiente de antiga proveniência e que levou a deteriorações que se apresentam hoje como graves, assim como as interações estreitas com a Ásia Menor e o Norte da África são apenas alguns dos fatores que devem ser considerados. A êles se somam a permanência, transformação e retomada de concepções e formas de expressão relativas ao mundo natural da Antiguidade, assim como as influências mais intensas de contextos culturais extra-europeus, tanto de países vizinhos como daqueles alcançados pelas viagens comerciais e de descobrimentos, colonizações e migrações.


Esse complexo de fatores é tratado no âmbito dos estudos euromediterrâneos institucionalizados em vários centros e que, sob o ponto de vista de uma referenciação brasileira são desenvolvidos no projeto Mediterrâneo/Atlântico da A.B.E..(Veja) As atuais visitas puderam assim basear-se em trabalhos anteriores desenvolvidos em vários países do „mar interno“ nas suas relações com o grande oceano ocidental e que estabelece a ponte com a esfera atlântica e com o Brasil. (Veja


A cidade italiana de Pisa merece sob diferentes aspectos ser considerada em posição privilegiada nos estudos culturais em contextos globais. Como cidade que abriga uma das mais antigas e renomadas universidades da Itália, o seu nome encontra-se particularmente presente no debate universitário e acadêmico europeu, lembrando-se aqui a recepção dos Estudos de Pisa da OECD quanto a questões de avaliações de nível e do alcançado por alunos nos diferentes países.


Sob o ponto de vista das relações Cultura/Natureza, essa saliência de Pisa justifica-se pelo seu Jardim Botânico, hoje pertencente ao Departamento de Biologia da Universidade e que, pela data de sua criação - 1543/44 -, é celebrado como o mais antigo jardim botânico de uma universidade do globo. Entre os seus principais iniciadores salienta-se o médico Luca Ghini (1490-1556), formado em Bolonha. A sua instalação tornou-se possível com o apoio financeiro do Grão-Duque Cosimo I de Medici (1519-1574), fato explicável pela constelação política na Toscana de sua época. Para a recolha de plantas, em particular medicinais, Ghini realizou excursões a regiões itálicas mais distantes.


Esse jardim histórico não é porém aquele que se apresenta atualmente no centro antigo de Pisa, encravado na densa malha urbana de construções da cidade. A sua história distingue-se pelo fato de ter sido transferido para diferentes locais no século XVI. O jardim serviu através dos séculos ao Instituto de Botânica e a um museu de Ciências Naturais, este tornando-se instituição autônoma a partir de 1814.


Essas mudanças institucionais foram acompanhadas com transformações nas ordenações dos canteiros e do patrimônio vegetal. Um período de florescimento iniciou-se em fins do século XVIII, prolongando-se no século XIX. Correspondentemente, os exemplares de maior interesse para estudos voltados às relações entre a Itália e a América do Sul remontam a essa época. Uma particular menção deve ser feita a palmeiras trazidas do Chile e que hoje são monumentos vivos.

Essa palmeira (Jubaea chilensis (Mol.) Baill.) foi plantada 1890, atingindo hoje uma altura de 19 metros, com diâmetro de 3,45 metros à base. Os exemplares cultivados no horto botânico representam uma fonte para a conservação e a difusão da espécie, uma vez que uma parte das sementes é todo ano recolhida e semeada. A palmeira cresce de forma espontânea no Chile central, ao longo da costa do Pacífica, estando porém quase extinta. Os frutos são vendidos no país com o nome de coquitos. No passado, era cortada para a coleta da linfa, rica de um líquido doce, utilizado para a produção de mel e vinho de palma. Esse procedimento determinava a morte da planta, sendo proibido apenas em 1971.


O cultivo de plantas de terrenos úmidos e pantanosos indica que também na Itália tem-se consciência da gravidade da destruição sobretudo de planícies e áreas baixas pela expansão de urbanizações e uso descontrolado de terrenos de periferias urbanas e ao redor de estradas para grandes depósitos, indústrias e casas comerciais, um problema que não diz respeito apenas ao Brasil, mas que marca países como a Itália e a França.



13.08.2014

Bad Wildungen. Festival Internacional do Samba no maior parque de estação de águas da Europa. A estância de águas de Bad Wildungen, situada no Norte de Hessen, circunscrição de Waldeck-Frankenberg, foi alvo já de repetidas visitas no contexto dos trabalhos euro-brasileiros. Essa atenção justifica-se de início devido ao fato da cidade abrigar um Festival Internacional do Samba, considerado como um dos principais do gênero na Europa. Esse evento alterna-se com um Corso de Flores na celebração anual da „festa da cidade“ na alameda das fontes.


Essas interações entre eventos culturais e a fruição da natureza em esfera de lazer e cura manifestam-se também em intensa vida musical, em concertos no castelo Friedrichstein, de música religiosa em várias igrejas e nas apresentações de música erudita e popular, jazz e samba no centro hidroterápico, no parque de águas e em outras localidades, para além do repertório tradicional de orquestras de música ligeira próprias de estâncias.


A cidade distingue-se não apenas pelas diferentes épocas na sua arquitetura no seu velho centro remontante à Idade Média e nas opulentas construções no bairro do parque das águas, como também pela diversidade de sua programação cultural, ultrapassando delimitações entre o erudito e o popular. Para além de suas tradicionais feiras semanais de produtos da terra e aquelas do ciclo do ano, em particular do Natal, realiza-se no castelo de Friedrichstein um Festival Internacional de Música Folk e de „World music“.


Bad Wildungen não podia deixar de ser considerado no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. do corrente ano. O seu renome como localidade exponente para estudos de construção de paisagens deriva do fato de possuir o maior parque de estação de águas da Europa. Essas dimensões excepcionais resultaram da ampliação dos jardins históricos através de sua ligação com o parque da estância vizinha de Reinhardshausen por meio de uma „ponte verde“. Essa ponte vinculou entre si diferentes complexos paisagísticos e culturais, criando um todo marcado por diversidade, tornando-se modêlo de construção de rêdes no patrimônio natural-cultural representado por jardins, fazendo com que Bad Wildungen surja como exemplar membro da European Garden Heritage Network.


Sob o aspecto estético e de renovação urbana através da valorização do meio ambiente, o renome de Bad Wildungen intensificou-se a partir de 2006. Por ocasião da terceira exposição de jardins de Hessen, uma grande área próxima à cidade foi alvo de tratamento paisagístico, surgindo aquele que é considerado como sendo o mais belo jardim de Hessen. Esse novo parque resultado da exposição, marcado por grandes áreas livres e gramados, vincula-se com o antigo ao redor da fonte, fato paisagisticamente possibilitado pela disposição inglesa deste último.


Anuncia-se, desde 2013, a realização do 8. Festival Internacional de Samba de 4 a 6 de setembro de 2015. Essa publicidade é feita entre outros pelo grupo Sempre Samba. No festival, prevê-se a participação de 40 grupos em apresentações na alameda das fontes de Bad Wildungen, assim como no cortejo final. Em 2013, participaram grupos das mais diversas proveniências, de escolas de dança (Tanzschule Mundhenke) a grupos de emigrantes de diferentes cidades e paises, assim como baterias e grupos de percussão (Tanzende Hände) e entusiastas alemães de cultura festiva brasileira e africana. A relação divulgada dos grupos participantes indica a diversidade do cenário dessas expressões e dos processos culturais envolvidos. Entre outros: Sapucaiu no Samba, Jhenny Banda -Sambashow!, Hansa Gold, Calabash, Estrela Azul (Bremen), Banda Pelodum, Xamba Wendland, Sola Quente (Schwalmstadt), Samba Universo (Dresden), Samba Osenga, Samba Pintada (Leipzig), Rhythmusstörung, Samba Ponte Nova (Colonia), Loco Lunes, Maracatu(Colonia), Gato Sorriso, Como Vento, Farofa pra Dois (Berlim),Caramba, Barulho (Hamburg), Samba Brincadeira (Kiel), Banda Tufão  (Gennep), Banda Tucada, Bloco Baiano, Badauê, Alpalé (Coburg), Maracatu Nation Stern der Elbe, Gamberro, Capangas, Misto Quente, Escola de Samba Baden, Samba Läuse, Katakichi (Colonia), Fogo do Samba, Boaida, Samba Nana (Marburg e Gießen), Sambagroup Entusiasta e Choco Branco.



01.08. 2014

Eastbourne. Incêndio do Pier - Funtasia: patrimônio histórico-arquitetônico e da cultura popular documentado recentemente pela A.B.E..


Acaba de ser em grande parte destruído pelo fogo um dos principais marcos da cidade de Eastbourne, no sul da Inglaterra (East Sussex), ao mesmo tempo um dos mais significativos exemplos de ancoradouros ou pontes em balneários europeus. Há poucas semanas, essa construção foi alvo de estudos euro-brasileiros realizados em Eastbourne no contexto do programa Cultura/Natureza(Veja notícia de 05/07).


Nessa ocasião, os visitantes brasileiros constataram o significado arquitetônico da edificação, toda em madeira, assim como o seu sentido sócio-cultural como um dos principais exemplos do uso desses ancoradouros para atividades comerciais e de lazer populares.


Construído em 1870 sobre estacas, os edifícios sobre êle levantados eram marcados pelas suas formas e pela sua decoração historicista, sendo reconhecido à distância pela cobertura de grandes salas e pela profusão de torrinhas. Para além de representar importante exemplo de estrutura em madeira, era um testemunho da vida de lazer da época vitoriana.


A ponte de ancoragem de Eastbourne abrigava quiosques, bares, restaurantes e clube noturno; ela oferecia possibilidades de visões panorâmicas da fisionomia da cidade e seus jardins. Era centro de diversões e de encontro de imigrantes, também de latinoamericanos. A distância de observação a partir do mar, em atmosfera de alegria e diversão associava-se à visão distanciada culturalmente dos migrantes da sociedade e do ambiente em que passam a se integrar.


Em entrevista com colombianos residentes há alguns anos em Eastbourne, tomou-se conhecimento de encontros de latinoamericanos - também de brasileiros - à praia ao redor da ponte e nas suas dependências. Esta representava assim um marco referencial não apenas urbano e historico, mas também cultural para os migrantes no meio ainda marcado pela arquitetura aristocrática da fronte à beira-mar do balneário.


A destruição pelo fogo marca a história desses Piers ou Seebrücken nos países europeus. Na Inglaterra, o principal exemplo é o de uma das moles de Brighton, o West Pier, consumido duas vezes em curto espaço de tempo em 2003. Até hoje os visitantes de Brighton vêem os restos da estrutura incinerada entrando pelo mar da construção que tinha sido um de seus referenciais. Outros desses centros de diversões populares e monumentos construtivos da arquitetura balneária foram destruidos nos últimos anos.


A documentação da ponte de Eastbourne realizada por ocasião da visita da A.B.E. adquire agora inesperadamente interesse histórico, sendo também um dos últimos momentos nos quais o monumento e centro de diversões foi considerado ainda em vida nos seus sentidos culturais,  e isso da perspectiva brasileira.



   


                   



01.08.2014

Schwann. Cultura/Natureza e pintura. Colonias de artistas voltados a paisagens locais do „grande atelier“ do Mar do Leste sob a perspectiva de estudos culturais internacionais. Lembrando o teuto-brasileiro Theo Balden (Otto Koehler,1904-1995). O Norte da Alemanha, em particular Mecklenburg/Vorpommern, caracteriza-se por abrigar ou ter abrigado artistas, sobretudo pintores que constituiram colonias e se dedicaram a paisagens locais. Os seus nomes e as suas obras não são em geral suficientemente consideradas por historiadores da arte. Eles passam a ser redescobertos quando cidades e regiões procuram valorizar-se através da criação de museus e de propagação de uma imagem com características próprias. Retratando paisagens locais do passado, tais obras passam a ser apresentadas como documentos históricos em museus e exposições. Em alguns casos, artistas atuais continuam a apresentar-se como sucessores de escolas regionais, dando continuidade às colonias criadas no passado.


Este é o caso da pequena cidade de Schwann, localidade não distante de Rostock que, sem maiores atrativos, apresenta a sua colonia de artistas como um de seus principais valores. O Museu de Arte local, instalado em antigo moinho, apresenta desde 2002 obras mais significativas do grupo de seus fundadores. A fase principal dessa colonia foi pela passagem do século, tendo os seus artistas realizado uma primeira exposição coletiva em 1904. Com a Primeira Guerra, o seu significado diminuiu.


Schwann foi visitado por esse motivo no âmbito dos estudos atuais da A.B.E. voltados ao desenvolvimento de estudos culturais de condução ambiental. As pinturas de paisagens desses artistas de colonias alemãs correspondem sob vários aspectos àquela do paisagismo acadêmico no Brasil. Também pintores brasileiros fixaram em obras paisagens naturais, culturais e vistas de cidades que hoje surgem como documentos históricos, significativos para o estudo de relações entre o homem e a natureza em épocas passadas. Mais do que fotografias - se existentes - essas obras transmitem valores atmosféricos de situações urbanas e rurais, de modos e qualidade de vida, possibilitando análises de transformações ocorridas através do cotejo com a realidade presente.


Como na Alemanha, também no Brasil essa produção artística tem tido dificuldades de ser adequadamente reconhecida nos seus valores pela História da Arte, surgindo em muitos casos como exemplos de atividade diletante, epigonal e sem maior interesse quanto à força criativa e inovadora. Gradativamente, esse patrimônio passa a receber maior atenção, como a pesquisa de Ruth Sprung Tarasantchi o demonstra (Pintores Paisagistas, São Paulo 1890 a 1920, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2002, ISBN 85-314-0598-X). Essa obra traz à luz também o papel importante desempenhado por imigrantes na pintura de paisagens no Brasil.


Considerando que muitas desenhos e pinturas da paisagem brasileira do passado foi devida a viajantes estrangeiros que passaram pelo país, esse papel importante desempenhado por imigrantes no paisagismo de fins do século XIX e início do XX chama a atenção à questão do olhar paisagens, do vê-las à distância de observadores provenientes de outros contextos. Essa observação surge como importante nas reflexões atuais, uma vez que sugere que é a distância - real ou mental - que contribui à valorização e, assim, á conservação do meio ambiente ou a um relacionamento refletido e sensivel entre o homem e a natureza. A falta de distância, o costume, prejudicaria o reconhecimento de seus valores, assumidos como óbvios e sem interesse. Essa constatação teria relevância para processos educativos no sentido de sensibilização da percepção do homem. Justifica assim o significado de viagens, de regiões de veraneio e das iniciativas atuais de estudos comparados de atmosferas nos estudos culturais.


A consideração adequada da pintura paisagística e de seus valores parece ser assim possibilitada antes a partir de estudos culturais, em particular àqueles voltados a viagens e imigrações ou de uma História das Artes de condução culturológica. Também as colonias artísticas alemãs foram em grande parte criadas por artistas que procuravam a natureza, não apenas na prática dapintura ao ar livre, fora dos ateliers, como também fora das grandes cidades do século XIX.


No caso de Schwann, foi procurado pela beleza natural da paisagem marcada pelos rios Warnow e Beke e pela proximidade do Mar do Leste. Como em outros casos, esses artistas foram fixados emocionalmente na localidade através do empenho de um artista local, no caso Franz Bunkes (1857-1939). Este havia tido a sua sensibilidade despertada para a natureza de sua região através do estudo da pintura de paisagens com artistas de renome no gênero. Posteriormente, como Professor em Weimar, influenciou outros pintores a partir da sua experiência de luz e cores da paisagem de sua terra natal.


Sendo as regiões das colonias do Mar do Leste visitadas sobretudo nos meses mais belos e agradáveis do ano, da primavera ao início do outono, a vida das colonias e suas atividades relacionaram-se com veraneio e lazer. Os artistas mantinham contatos com aqueles de outras colonias, entre elas a do balneário de Ahrenshoop.


O nome dessa cidade entre a Pomerânea e Mecklenburg traz à consciência a grande diversidade de tendências da vida artística do Mar do Leste e que não se limitava à pintura paisagística. A região, procurada pelas qualidades de sua paisagem, tornou-se um espaço de encontros de artistas de diferentes orientações estéticas - um vasto e diversificado atelier cujos elos em comum eram aqueles possibilitados pelo fascínio exercido pela natureza.


Ao lado de pintores que fundaram tais colonias, ali viveram e atuaram nos meses de verão artistas de renome pelas suas tendências avançadas. Entre êles deve-se lembrar o nome do teuto-brasileiro Theo Balden (Otto Koehler,1904-1995), filho dos imigrantes Otto e Bertha Koehler, nascido às margens do Rio Raffael nas proximidades de Blumenau e que, com a morte do pai, em 1905, foi trazido para Berlim.


Como membro da Associação de artistas plásticos revolucionários (1929), participante da resistência ao Nacionalsocialismo, ativo como fugitivo na Tchecoslováquia e sobretudo na Grã-Bretanha, de onde foi no decorrer da Guerra internado no Canadá, Theo Balden surge como um dos artistas alemães nascidos no Brasil que maior atenção merecem nos estudos de processos culturais em relações internacionais do século XX. Na Inglaterra, onde trabalhou como artista, jardineiro e para o museu de Derby, o seu nome permanece vivo. Tendo sido particularmente reconhecido na ex-República Democrática Alemã, tornou-se, após a queda do muro, Professor da Escola Superior de Artes Plásticas e Aplicadas em Berlim.



31.07.2014

Lüneburg. As calendas no Folclore e a Kalandhaus em Lüneburg nos estudos de relações entre o ano natural e ano religioso. A cidade de Lüneburg, revisitada por motivo da passagem dos 40 anos do programa de interações ali iniciado (Veja notcias anteriores), adquire sob diferentes aspectos significado para os estudos culturais em contextos internacionais. Um deles diz respeito ao estudo de expressões culturais transmitidas pela tradição.


Esse fato pode parecer surpreendente, uma vez que a cidade, que assumiu a Reforma luterana no século XVI, pouco apresenta quanto a expressões festivas remontantes à época medieval que possam ser comparadas com aquelas transmitidas ao Brasil e a outros países da Améria Latina e que em parte ainda vivem no presente.


Essa situação foi alvo de reflexões já no primeiro encontro em 1974 na igreja católica de Lüneburg, - uma comunidade de diáspora -  a partir de interesses e preocupações da Associação Brasileira de Folclore e e do programa de estudos e interações a serviço de uma renovação dos estudos culturais desenvolvido no Brasil. (Veja) À época, lembrou-se que os estudos de Folclore brasileiro e latinoamericano em geral podem oferecer subsídios para o redescobrimento do próprio passado cultural em regiões européias reformadas como a de Lüneburg.


No corrente ano, realizando-se os trabalhos em Lüneburg no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E., voltado ao desenvolvimento de estudos culturais de direcionamento ambiental, a atenção foi dirigida às relações entre o ano natural e o ano religioso no calendário de festas e suas transformações com a Reforma.


Essa temática deriva do fato de Lüneburg possuir, entre os seus monumentos arquitetônicos, um testemunho único da força de concepções e práticas ligadas às calendas, de antiga proveniência e que, reinterpretadas no Cristianismo, mantinham o seu significado na Idade Média católica.


A Kalandhaus, um dos edifícios marcantes da „Rota européia do Gótico de cerâmica“, é uma construção de excepcional significado histórico-artístico, que impressiona pela festividade multicolor de sua ornamentação em glasura, salientando-se aqui em particular o seu friso com motivos vegetais, as armas da região e da cidade à entrada e a divisão setenária da sua alta fachada.


Essa aparência do monumento, porém, é resultado de uma reconstrução historicista de 1886, refletindo assim o interesse pelo passado medieval e pelas tradições populares do século do Romantismo e que muitas vezes levou a idealizações. Nessa época, os seus espaços serviram como classes de aula e a sua grande sala para ginástica.


Nos seus fundamentos e na sua estrutura, o edifício revela similaridades com outras construções góticas, com pavimento térreo alto e entrada central sob arco ogival. Essa configuração festiva de sua aparência pouco se coaduna com o seu triste passado recente, uma vez que no edifício, durante a Guerra, viveram prisioneiros de um campo de concentração que eram obrigados a trabalhar em serviços urbanos.


O passado mais remoto, porém, remete a Kalandhaus ao fato de ter sido o edifício local de congregação de uma irmandade constituida por religiosos e leigos, entre esses nobres, autoridades civís e eclesiásticas, comerciantes e pessoas de alto poder econômico. Essas reuniões, que se realizavam no primeiro dia do mês, deram nome à casa congregacional quando esta foi construída em 1491, época do apogeu  dos calendos. Já em 1532, porém, com a Reforma e a extinção de irmandades, a nova casa das calendas passou a servir apenas como residência do diretor da escola Johanneum.


A anterior irmandade - chamada das „Calandas do Espírito Santo e da Virgem Maria na Igreja de São João“ fora fundada em 1274 e distinguira-se por intensas atividades caritativas, religiosas e pelas suas grandes festas, que marcavam com as suas expressões de alegria a vida de Lüneburg. Para além de atos de culto de Maria e de santos, conduzidos sob o signo da adoração ao Espírito Santo, a irmandade se destacava por atos de misericórdia e caridade, ou seja, por atividades guiadas pelo conceito do amor.


Todas essas características indicam grandes similaridades com as irmandades e companhias do Espírito Santo conhecidas no Brasil e sobretudo nos Açores, remontando estas segundo a tradição à rainha Santa Isabel de Portugal.


A força da irmandade das calandas do Espírito Santo em Lüneburg, das mais importantes associações da cidade no passado, traz à luz a necessidade de considerações mais abrangentes e aprofundadas das origens dessas expressões tradicionais que, com a colonização açoriana, estendeu-se também à Indía. (Veja)


O nome da irmandade de Lüneburg é em geral explicado de início pelo fato dos irmãos reunirem-se no primeiro dia de cada mês e, nesse sentido, a terminologia remonta ao antigo uso romano da denominação de calenda a esse dia. Essa prática era estreitamente relacionada com o mundo natural, no caso com a lua nova. Essa ordenação do tempo segundo a lua estende-se para todo o ciclo do ano, determinando o calendário e o seu ciclo festivo, em particular de festas marianas e de santos.


É compreensível, assim, que o termo tenha permanecido vivo no culto sobretudo no santoral e no martirológio, relacionando-se com as natividades, das quais a central, na tradição cristã, é a de Jesus. Na tradição portuguesa - como em outros países, as calendas festivas mantiveram-se da forma mais evidente naquelas do início do ano, as calendas de janeiro ou janeiras. Estas podem ser estudadas nas suas referências a várias expressões do ciclo de festas populares ainda vivo no Brasil.


Os estudos que vêm sendo desenvolvidos desde a década de 70 relativos às relações Antiguidade/Cristianismo a partir de seus traços transmitidos pela tradição no Brasil demonstram a necessidade de consideração de concepções helênicas relacionadas com a lua nos estudos das calendas, em geral delimitados pela convicção justificada por expressões literárias („calendas gregas“) de que aqui se trata apenas de resíduo remontante à cultura romana.


A antiga irmandade de Lüneburg adquire significado para os estudos culturais brasileiros e latinoamericanos em geral não apenas por demonstrar os vínculos entre concepções e imagens marianas e aquelas de São João e outros santos. O termo calenda permanece vivo em vários contextos, salientando-se aqui o das Calendas de Oaxaca, México, festas do ciclo de Natal e que inclui cortejos com um carro alegórico à catedral, onde o menino Jesus é colocado no presépio.


Constata-se hoje na América Latina um singular ressurgimento de calendas, em parte promovido por folcloristas, de modo que uma diferenciação maior dos estudos torna-se importante. A ocupação com tradições católicas é feita em muitos casos por pesquisadores de formação cultural católica, levando esses estudos também a uma intensificação da religiosidade dos próprios pesquisadores. Esses passam a atuar na recuperação de expressões tradicionais, surgindo aqui complexas situações de interações entre interpretações e práticas recuperadoras de patrimônio na ação cultural.


O caso mais conhecido desse fenômeno é o das Calendas de San Fernando, na Venezuela, uma criação recente a partir de sonhos (!) do folclorista Arriz Dominguez. Nessas revelações, o folclorista viu grandes mulheres que o perseguiam; mulheres que se mesclavam com corpos de gigantes. Seguindo o pedido de um rei, que pediu ao folclorista que criasse algo lúdico que divertisse e atraísse o povo, agregando-o novamente sob a sua autoridade, criou-se então com o beneplácito episcopal a encenação religioso-lúdica na qual mulheres gigantes passam a dançar para o rei, dirigindo-se a seguir do palácio à catedral.


Essas calendas recriadas relacionam assim elementos de diferentes tradições, revelam a percepção por parte do folclorista dos seus elos e os seus esforços mentais em descobri-los; correspondem ao sentido das calendas transmitidos pelas lições do Santoral sobre a vida dos santos, no caso do Rei D. Fernando.


Essas imagens do subconsciente do folclorista e que agora se expressam em multicoloridos cortejos na cidade venezuelana, contribuindo com uma expressão local aos bailes de joropo e às danças de Santa Rosa de comunidades indígenas missionadas, foram alvo de reflexões e análises no contexto de Lüneburg.


As tradições das calendas surgem no passado dessa cidade alemã como estreitamente relacionadas com as reuniões de pessoas de influência e posses para para a tomada de resoluções várias, prestações de contas e assinatura de documentos de importância para a cidade enriquecida pelo comércio do sal, sendo assim os calandas aqueles que decidiam sobre o emprêgo dos recursos pecuniários a serviço da comunidade, em particular do auxílio caritativo aos pobres e necessitados.



30.07.2014

Lüneburg. Convento de Lüne, Vida contemplativa/ativa feminina em mudanças confessionais. De Beneditinas a damas conventuais evangélicas - fonte, jardins e arte têxtil em referenciações com o Brasil. Um dos pontos da visita a Lüneburg pelos 40 anos do início do programa de interações Brasil-Alemanha (Veja notícias anteriores) foi o convento de Lüne.


Visitado já em 1974 (Veja fotos da época na Revista Brasil-Europa), o convento foi agora revisitado sob a perspectiva das atuais considerações de locais de  significado para o desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental da A.B.E..


Conservado na sua substância arquitetônica de seus edifícios em gótico vermelho dos séculos XV e XVI e da sua casa de hóspedes do século XVIII, o convento oferece a oportunidade para reflexões sobre a permanência ou transformações de relações Cultura/Natureza e da linguagem visual correspondente em contextos marcados pela Reformação.


Ainda que hoje integrado à cidade como um oásis protegido de recolhimento, o convento foi nas suas origens situado fora dela como centro de vida contemplativa a mulheres nobres, tendo sido fundado já em 1172.  Constituindo um contraponto ao mosteiro beneditino masculino, as religiosas assumiram a regra de São Bento, sendo documentado como mosteiro feminino desde 1272.


A sala da fonte, símbolo do convento até o presente, indica uma das razões da escolha do local, não só pragmática, como também nos seus sentidos simbólico-religiosos. Como estudado em vários contextos, a água doce da fonte possui - em contraponto à água salgada do mar - sentidos profundos na linguagem visual do Cristianismo, marcando a concepções e expressões de culto, sobretudo marianas.


Remontante à Antiguidade e à concepção de elementos naturais, essa linguagem visual, referenciada segundo as Escrituras, ainda permanece viva em tradições brasileiras. Ela nem sempre é porém entendida adequadamente segundo a antiga hermenêutica, tanto no Brasil como na Europa. Essa delimitação é derivada do empobrecimento da leitura dos textos bíblicos através de uma delimitação ao sentido literal das palavras, desenvolvimento fomentado pela Reforma.


O convento de Lüne permite assim que se observe a possibilidade da permanência - ainda que transformada - da antiga linguagem de sinais em convento reformado. A Madona do Candelabro no coro das monjas, do atelier de Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), indica a força do culto mariano no antigo mosteiro.


Como exemplo do acentuado conservadorismo de comunidades femininas, as beneditinas de Lüneburg resistiram ao Luteranismo do Ducado de Braunschweig-Lüneburg, introduzido apenas em 1562. O mosteiro, transformado em convento de senhoras evangélicas, manteve-se como comunidade na qual vivem mulheres da aristocracia e de círculos sociais mais elevados da burguesia, em geral na terceira idade.


No seu conservadorismo, essas damas mantiveram formas de vida comunitária das antigas beneditinas, o que possibilitou a conservação dos jardins de ervas e as hortas, tanto individuais como as da comunidade, assim como o de flores e a horta da abadessa. Esta última transformou-se em área paisagística marcada por seculares árvores. A leitura adequada desse parque pressupõe, assim, que se considere a história das transformações por que passou a abadia com a Reformação e as características da comunidade feminina que possibilitaram a manutenção de formas de vida e expressões.


Valores do passado passaram a ser redescobertos, e isso não se limita à revelação de antigas pinturas recobertas com cal à época da Reformação, mas também se estende às relações de sentidos com a natureza. Assim, restabeleceu-se um jardim de hervas que, para além da sua utilidade culinária, possui sentidos curativos relacionados com a simbólica da fonte. Um museu têxtil instalado em 1995 apresenta um outro aspecto da continuidade retomada pelas damas conventuais: o da arte do tecido exemplificada em toalhas de altares, panos da época de jejum e paramentos.


A observação dessa continuidade ou a retomada da linguagem visual em situações marcadas pela Reforma protestante adquire significado para o Brasil devido à expansão na atualidade de comunidades protestantes de diferentes denominações no país. Ela alimenta a expectativa de que o grande patrimônio cultural manifestado na simbólica visual de antigas origens e conservado de forma excepcional no Brasil possa vir a ser mantido de forma refletida, apesar das mudanças confessionais.



29.07.2014

Lüneburg. Música na abertura para outras culturas e novos mundos sonoros. A música contemporânea em Lüneburg e a sua escola de música - projeto iPad Air- music in the air. O ensino musical no Brasil em cotejo com o da Alemanha constituiu desde 1974 importante centro de atenções no programa de interações que então se iniciou em Lüneburg. (Veja)


Essa interesse à época derivava do fato de que esse programa fora desenvolvido em época de grandes modificações no sistema de ensino médio e superior da música assim como no da música no ensino secundário no Brasil. Os conservatórios haviam entrado na fase crítica causada pela distinção entre cursos „estaduais“ e „federais“, alguns passando a escolas técnicas de música, outros a faculdades. O fim do Canto Orfeônico e a sua substituição pela Educação Musical e logo a seguir a Educação Artística exigia reflexões fundamentais quanto a conceitos educativos, finalidades, currículos e práticas. (Veja)


O ímpeto renovador fêz-se sentir na inclusão da Música Contemporânea em repertórios e no ensino em algumas instituições, como foi o caso daquele que, em São Paulo, tornou-se sede do movimento voltado à renovação dos estudos e da prática musical através de um direcionamento da atenção a processos (Nova Difusão) e no qual Paulo Affonso de Moura Ferreira desempenhou papel de importância. Significativamente, a renovação desse tradicional estabelecimento de ensino foi marcada pela denominação de suas salas segundo compositores de vanguarda como Gilberto Mendes e Wiilly Correa de Oliveira. (Veja)


Lüneburg ofereceu condições particularmente favoráveis para o desenvolvimento do debate educativo-musical renovador em dimensões internacionais, uma vez que era sede da Escola Superior Pedagógica Lüneburg, uma das oito do gênero criadas após a Guerra na Baixa-Saxônia e que também se encontrava em processo de transformação (atual Universidade Leuphana Lüneburg). Essas reflexões encetadas em Lüneburg lançaram as bases para o desenvolvimento de uma pedagogia musical comparada ou melhor, de uma educação musical de orientação músico-cultural em contextos internacionais como programa da Escola de Música de Leichlingen sob direção brasileira em 1981.


Hoje, Lüneburg salienta-se na ampla rêde do ensino musical da Alemanha por possuir uma das mais bem instaladas e modernas escolas de música da Alemanha, com um forum no qual se realiza intensa série de apresentações. O novo edifício foi inaugurado em novembro de 2012, contando com a participação de musicistas das escolas parceiras da Suécia, da Espanha e da França. A escola de música de Lüneburg foi a primeira da rêde mundial das escolas-projeto da UNESCO.


A orientação progressista dessa escola, aberta a novos mundos, e que tão bem corresponde à orientação avançada da Universidade de Lüneburg e à cidade considerada oficialmente como „urbe da diversidade“, não é porém recente. Motor desse espírito inovador é o Prof. Helmut W. Erdmann (*1947), que em 1977 fundou um centro de especialização em música nova em parceria com as Juventudes Musicais, realizando também Workshops de música eletrônica ao vivo em escolas de regiões interioranas. A Associação Regional da Baixa Saxônia das Juventudes Musicais da Alemanha atua já há 35 anos no ensino musical da juventude, promovendo semanas de música de câmara na região do Harz e fomentando a prática da música nova.


O compositor e músico H. W. Erdmann, desde 1992 professor de Composição e Live-Eletrônica na Escola Superior de Música de Hamburg, leciona desde 1971 na Escola de Música de Lüneburg, dirigindo desde 1975 a série „Nova Música de Lüneburg“. Com intensa atuação internacional, na Europa e nos EUA, é presidente da Conferência Européia dos realizadores de Música Nova (ECNM), membro da presidência do European Composers Forum, membro da Plataform of Cultural and Creative Industries da Comissão da Europa para Educação e Cultura, da comissão da Europa do Conselho de Cultura Alemão e membro da rêde de competência de Política Cultural Européia do Conselho de Música Alemão. O seu intento como compositor é chegar a uma síntese de meios estilísticos disponíveis na atualidade, incluindo improvisação e música eletrônica ou elaboração sonora eletrônica ao vivo, utilizando-se entre outros de procedimentos como a ampliação sonora, a reconfiguração distanciadora, assim como a inclusão de elementos melódicos e rítmicos na recuperação de uma atitude lúdica no fazer música, tantas vezes perdida na música contemporânea.


Um novo projeto que agora se inicia diz respeito ao uso do iPad como instrumento musical. Em Workshop realizado em julho, e que terá prosseguimento em outubro, o iPad é apresentado como sintetisador, aparelho de produção de efeitos, de pulto de misturas e controlador. Nesse sentido, relativando-se a crítica que se faz a DJs que estes não possuem conhecimentos musicais e que não tocam instrumentos, considera-se as possibilidades instrumentais do iPad e da ampliação eletrônica ao vivo do instrumental e da voz, assim como da movimentação do iPad no espaço. O Workshop é dirigido por Claus-Dieter Meier-Kybranz, professor de escola secundária e membro do Centro de Música Nova. Os resultados serão apresentados no 40° Festival de Música Nova de Lüneburg, em Novembro/Dezembro do corrente ano.




28.07.2014

Lüneburg. Visita da A.B.E. pelos 40 anos do início de atividades na Europa relacionadas com o Brasil - local de diversidade e a „beleza natural“ brasileira. Lüneburg, antiga cidade da Hansa situada na Baixa-Saxônia, não distante de Hamburg, é procurada por visitantes de todo o mundo pela sua fisionomia histórica e que a faz uma das mais belas cidades da Alemanha, cognominada assim de Rotheburg o.d. Taube do Norte.


Para além de seus monumentos arquitetônicos e sua disposição urbana histórica bem conservada, Lüneburg é centro cultural, artístico e universitário. A presença de estudantes faz com que a cidade se apresente hoje como urbe jovem e vital, cosmopolita, liberal quanto a modos de vida e aberta a tendências avançadas do pensamento e das artes.


Originada da antiga Escola Superior de Pedagogia, a Universidade Leuphana, mantida por uma fundação, distingue-se pelos seus muitos institutos dedicados a estudos culturais, à música, às artes e à educação, salientando-se no âmbito da culturologia os institutos de comunicação e cultura medial, o de cultura e estética de meios digitais e o de história e culturas literárias. A Universidade salienta-se sobretudo pelo peso dado a questões ecológicas, o que se evidencia no fato de possuir uma faculdade de sustentabilidade.


Lüneburg fascina não apenas pela sua configuração urbana, mas também pela sua urbanidade. Ao redor do antigo porto, em ruas, largos e praças encontram-se ao lado de monumentos históricos, igrejas e casas de moradia seculares lojas, bares e restaurantes das mais diversas nações e pontos de encontro de cultura alternativa de diferentes matizes. Há, assim, poucas cidades alemãs que oferecem tantas possibilidades de modos de vida avançados em responsabilidade ética ambiental e de proteção animal como Lüneburg, o que se manifesta nos seus restaurantes vegetarianos e veganos.


Essa atmosfera urbana, marcada por um espírito aberto voltado ao futuro em espaços históricos, revela ser decorrente de relações favoráveis entre cultura e natureza, assim como de uma política cultural que sabe valorizá-las. Lüneburg empresta o seu nome à grande área natural da Lüneburger Heide, reserva de vegetação rasteira de ericas, zonas aquosas e arvoredos que no passado estendia-se por grande parte do noroeste e norte da Alemanha.


Além de ser marcado pelas terras cobertas de ericas, Lüneburg tem a sua fisionomia determinada pela água do rio Ilmenau e pelo canal aberto na Idade Média que possibilitou o comércio com o mar do Leste e pela sua história como cidade hanseática. Foi cidade que monopolizou o comércio do sal, importante centro na rêde que unia entre si cidades da Escandinávia, do Báltico e do interior das terras. O seu desenvolvimento econômico associou-se ao político como parte do Ducado de Braunschweig-Lüneburg e residência do principado local.


A história mais recente de Lüneburg é marcada pela discussão relativa a questões patrimoniais e de qualidade de vida do período posterior à Segunda Guerra e que merece ser considerada também sob a perspectiva de outros contextos: Lüneburg tornou-se modêlo do pensamento voltado à defesa do patrimônio histórico, cultural e artístico em décadas marcadas por tendências tecnistas, pragmáticas, cegas e insensíveis para com valores histórico-culturais de arquitetos, planejadores e políticos.


Na sua aparéncia estagnada e decadente, oferecendo más condições de moradia, levou a que se pensasse na demolição de sua área histórica e sua substituição por modernas edificações. Protestos populares e sobretudo o empenho de idealistas alcançaram que esses intentos não fossem realizados, o que permite hoje que a cidade possua a sua riqueza patrimonial, fundamental para a sua auto-imagem, auto-valorização, para o turismo, a economia e para a própria qualidade de vida. Esta teria sido impossibilitada caso os intentos de então tivessem sido concretizados, como é o caso de muitas cidades européias, em particular do Leste.


Lüneburg adquire assim particular importância no âmbito das reflexões voltadas ao desenvolvimento de estudos de processos culturais de orientação ambiental do projeto de pesquisa Cultura/Natureza da A.B.E.. Essa referenciação pelo Brasil justifica-se também pela presença brasileira na cidade e pelo papel desempenhado por Lüneburg no programa de interações euro-brasileiras iniciado em 1974.


Quem percorre hoje Lüneburg, encontra sinais da presença de brasileiros, por exemplo em centro de „beleza natural“ que anuncia aplicações segundo métodos tradicionais brasileiros no ambiente histórico da cidade antiga, às proximidades da igreja de S. Miguel, ligada ao nome de J.S.Bach.


As interações entre Lüneburg e o Brasil são porém já de décadas, como lembrado em edição da revista Brasil-Europa do corrente ano. (Veja) Ela foi marcada por um complexo de preocupações e iniciativas voltadas às relações Brasil-Alemanha sob aspectos do movimento Bach, da prática coral e da música antiga, da educação musical, dos movimentos associativos e da organologia, salientando-se aqui personalidades da Johanneskantorei da principal igreja da cidade e coros populares masculinos.


Esses intentos e realizações foram desde o início acompanhados por reflexões sobre relações entre cultura e o meio ambiente (Veja)  Lüneburg marcou não apenas o
início de trabalhos e estudos, mas forneceu impulsos para o desenvolvimento temático de reflexões. Por essa razão, após 40 anos do início dessas interações, foram elas recapituladas e reconsideradas sob novas perspectivas em estadia em Bergström Lüneburg, um hotel que surge como modêlo arquitetônico de renovação interna de antigos espaços históricos, à beira do Ilmenau, no centro do bairro das águas.



27.07.2014

Delmenhorst. Cultura/Natureza na Baixa Saxônia e Orfeu Negro - leitura de sentidos e percepção de mundos velados na paisagem de regiões industriais. O programa de atividades da A.B.E. no Norte da Alemanha do corrente ano voltado a estudos culturais de orientação ambiental (Veja notícias) teve o seu início com uma visita à cidade de Delmenhorst, na Baixa Saxônia. A razão dessa escolha residiu em parte nos elos familiares de membros da A.B.E. que ali possuem residência, em parte no fato dessa cidade oferecer subsídios para o tratamento de questões básicas relativas à percepção e leitura urbana e de paisagens nas suas inserções político-culturais.


Esse significado de Delmenhorst para os estudos culturais em contextos internacionais pode surpreender à primeira vista. A cidade não  goza de particular renome seja sob o ponto de vista de belezas paisagísticas, seja do patrimônio edificado, uma vez que foi em grande parte destruída. Ela é conhecida sobretudo pelas suas construções fabrís, em parte da época do florescimento da indústria de tecelagem e que hoje é lembrada pelo Museu do Noroeste Alemão de Cultura Industrial Nortwolle Delmenhorst. É no contexto de desenvolvimento urbano que a cidade ganhou projeção na Exposição Mundial de 2000 em Hannover.


Sob o aspecto da história da artes e da arquitetura, Delmenhorst salienta-se por obras representativas do Art Nouveau/Jugendstil e do „Expressionismo em cerâmica vermelha“: a Prefeitura e o Mercado dos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra, cuja deflagração há 100 anos é lembrada no corrente ano. Esses edifícios, assim como a torre da caixa d‘água que hoje é marco na fisionomia da cidade, de 1910, ofereceram nesse sentido ponto de partida para os estudos culturais euro-brasileiros relativos a essa grande tragédia do século XX.


Para além desse conjunto arquitetônico que constitui o marco de maior evidência da cidade, é o parque de Delmenhorst que mereceu maior atenção, pois dirige a atenção à necessidade de leitura de orientação cultural de áreas verdes urbanas. O visitante de Delmenhorst surpreende-se de início ao deparar-se com um grande parque próximo ao conjunto arquitetônico que marca a cidade, com um mundo de pujante vegetação e água em canais e lagunas. Esse parque apresenta a fisionomia de um bosque natural com as suas grandes árvores, evidenciando ao mesmo tempo o intento refletido de construção de paisagens com a sua profusão de azaléias e rododendrons de diferentes tipos e cores. Assemelha-se assim a parques inglêses e que foram também considerados no programa de estudos da A.B.E.  do corrente ano, distinguindo-se pela sua integração urbana. (Veja notícia de 22 de junho)


Essa fisionomia inglêsa do paisagismo acentua-se quando o visitante depara entre as árvores com relitos dos fundamentos do castelo do Condado que no passado constituiu o centro da área; essa silhueta, em parte reconstruída ou sugerida, acentua o caráter romântico do parque. Essa constatação leva ao reconhecimento de que aqui se situou um sítio fortalecido em ilha coberta de vegetação à beira do rio Delme, transformado a seguir em burgo rodeado de fossos de água.


A expressão que designava a clareira em elevação fortalecida entre bosques (horst) permanece viva no nome da cidade (assim como em várias outras). O burgo, transformado em castelo renascentista no século XVI, passou a ser demolido a partir do início do século XVIII. A reconfiguração paisagística da área deu-se nos anos de apogeu econômico e cultural que precederam à Primeira Guerra Mundial, aproveitando-se os fossos para o contorno do parque.


Nas últimas décadas, a demarcação em silhueta dos fundamentos do desaparecido castelo tem merecido particular atenção, pois ela é que permite a leitura de sentidos do parque. Ela traz à consciência sobretudo o campo de tensões internacionais na história dessa região, marcada por aproximações, afastamentos e conflitos relativamente a Oldenburg, à Dinamarca e à Hansa. Trata-se de um passado submerso, uma vez também que a linha dos condes locais termina em fins do século XVII. Com a torre do seu reservatório e o seu parque com ruínas, Delmenhorst revela uma fase oculta de sua imagem, marcada por água, vegetação, insularidade e uma história submersa de relações políticas e culturais.


Coincidindo com a atualidade da presença do Brasil na Alemanha no corrente ano devido à Copa do Mundo, a escola de música de Delmenhorst incluiu na sua programação solos de percussão e arranjos instrumentais sob o título „Song and Samba“ a partir de música de Luiz Bonfá (1922-2001) e Antonio Carlos Jobim (1927-1994) do Soundtrack do filme Orfeu Negro (Marcel Camus). A figura de Orfeu, tão significativa para estudos relativos ao simbolismo da lira nas suas implicações com concepções do homem e da natureza de remotas proveniências, tornou-se aqui presente a partir de uma referenciação brasileira. Esse fato trouxe à mente também a potencialidade do fenômeno da Bossa Nova e sua difusão internacional sob a perspectiva dos estudos voltados a relações entre cultura e natureza como já discutido sob diversos aspectos em seminários sôbre música popular levados a efeito nas universidades de Bonn e Colonia.



26.07.2014

Much. Katharina Kaltenbach (1925-2014). Faleceu, no dia 22 de julho, a Sra. Katharina Kaltenbach, um dos primeiros membros do círculo de amigos da A.B.E.. Desde os anos 70 estreitamente vinculada a iniciativas relacionadas com o Brasil na Alemanha, participou de vários eventos euro-brasileiros em diferentes países e de sessões do Centro de Estudos da A.B.E.. Inesquecível fica a sua presença harmonizadora em viagens a Roma, a Luxemburgo e em simpósios realizados em Bonn, Colonia e Maria Laach. Com as suas qualidades pessoais de modéstia, simplicidade, cordialidade e abnegação, sempre pronta a contribuir à harmonia das relações humanas e ao desenvolvimento sereno de relações, surgia como um exemplo a muitos brasileiros que foram por ela recebidos. Nada era para ela mais distante do que arrogância, exagerada auto-valorização, ambição desmedida e agressividade. Essas suas qualidades eram resultados de profunda espiritualidade, de um inabalável compromisso com a serenidade, a paz e o bem.



26.07.2014

Seeon. Cultura/Natureza na Baviera e a Imperatriz do Brasil Dona Amélia de Leuchtenberg. A leitura de obra dedicada à filha da segunda esposa de D. Pedro I, no qual se menciona o seu interesse pela botânica e a sua educação (Veja notícia de 24.07) trouxe à memória nos atuais trabalhos da A.B.E. voltados a estudos culturais de orientação ambiental que também a sua mãe, a Imperatriz do Brasil, distinguiu-se pela sua formação cultural e pelo seu fascínio pelas plantas  e sobretudo pelas flores.


A sua flor predileta - a rosa - marcou a linguagem visual e mesmo simbólica nacional desse época no Brasil, dando nome a Ordem militar e civil da Rosa, condecoração que serviu ao reconhecimento de méritos de artistas, músicos e intelectuais e à promoção de atividades a serviço do país. (Veja notícia anterior)


Esse interesse pela botânica e pela natureza em geral possuia antecedentes na família e na própria cultura do Sul da Alemanha, Áustria e Tirol, fato demonstrado pelas expressões culturais, tradições e pelo florescimento dos estudos cientifico-naturais que levaram ao interesse de eruditos e pesquisadores pelo Brasil.


Desde o fim da era napoleônica residente na Baviera, os estreitos elos de Dona Amélia com a cultura bávara não se limitaram à época de sua formação e de seu preparo à ida ao Brasil. Após o retorno à Europa acompanhando D. Pedro nas suas lutas políticas em Portugal e após a sua viuvez, a ainda muito jovem Amélia procurou refortalecer os seus elos com a Baviera, adquirindo ali propriedades a partir de 1845. Em 1852, adquiriu Seeon, balneário hidroterápico, centro de repouso e de veraneio de nobres que substituiu o antigo convento beneditino que havia sido secularizado em 1803.
O palácio/convento permaneceria em posse da família de Leuchtenberg até 1934. Este teria sido talvez um dos períodos mais felizes da Imperatriz viúva do Brasil, se não tivesse logo ocorrido a morte de sua filha na ilha da Madeira. Os elos entre a Baviera e Portugal continuaram a ser mantidos através de suas viagens.


A presença do Brasil na Alta Baviera, em particular nas localidades de Stein, Altenham e Kienberg da região de Trostberg foi estudada e apresentada em Exposição dedicada ao tema „Leuchtenberg: Tempo dos nobres em Seeon e Stein“, realizada em 2008 em Seeon. Em viagem de estudos promovida pela A.B.E. alguns meses antes, procurou-se considerar os pressupostos religioso-culturais da propriedade adquirida pela Imperatriz viúva do Brasil.


Tomou-se conhecimento, então, que não apenas a beleza da natureza local, mas sim também o seu passado romano poderiam elucidar sob a perspectiva de uma arqueologia cultural certas características da linguagem simbólica que, transportada para o Brasil, relacionavam os pais da princeza com Venus e Marte, uma vez que na região existira um templo desse deus no período da presença militar romana.


Terra e água determinam a paisagem da ilha onde se levantou o convento em 994, tendo sido povoado por beneditinos de St. Emmeram, de Ratisbona. Seeon tornou-se um centro da erudição e da transmissão da antiga cultura, com escola de escribas e de preparo de pergaminhos iluminados. Esse significado de Seeon como centro cultural mantivera-se até à época de sua secularização, tendo sido visitado por compositores como J. Haydn e W. A. Mozart, este dedicando ao convento dois Ofertórios. A presenca de Mozart é até hoje lembrada por uma árvore que traz o seu nome no lago de Seeon.


A propriedade adquirida pela segunda esposa de D. Pedro era, assim, apesar de secularizada, um local que mantinha e irradiava antiga tradição religioso-cultural. A região era decantada pela sua beleza natural, pela qualidade de suas águas, pelos seus jardins e pelas aprazíveis excursões que os veranistas e frequentadores do balneário podiam fazer nas redondezas. Uma descrição de 1843 salientava que em Seeon podia-se viver bem a preços módicos, gozando de atendimento particularmente cordial. O volume de água disponível era tão grande que se podia no verão oferecer 100 banhos. A água era levada por tubos de madeira do jardim a um reservatório e deste ao balneário.Todo o espaço era dominado pelo odor de enxôfre e a água tinha sabor de ferro. O tratamento hidroterápico era recomendado para várias doenças, sendo a água da fonte considerada como purificadora e fortalecedora de nervos.


Na visita da A.B.E. em 2007 tematizou-se os elos entre a água da fonte curativa de Seeon e o culto mariano, cuja intensidade é documentada no convento por uma imagem de Maria coroada que é considerada como uma das mais belas representações de arte mariana da Idade Média.


Ao considerar-se o fascínio por rosas da Imperatriz do Brasil - e suas consequências na linguagem visual do Império - não se pode assim deixar de dar atenção a suas dimensões marianas e às concepções aqui relacionadas do Amor divino trazidas de sua própria formação bávara e que foram reforçadas com a aquisição de Seeon. (Veja)




25.07.2014

Imagens vegetais no simbolismo nupcial em tradições européias e na simbólica brasileira. Lembrando Dona Amélia de Leuchtenberg e Eichstädt (1812-1873), Imperatriz do Brasil, e a Ordem da Rosa. A leitura da obra „A Princesa Flor Dona Maria Amélia“ de Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Veja notícia anterior) em época marcada por reflexões no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. traz à consciência o significado da sua mãe, a Imperatriz do Brasil para uma história cultural conduzida à luz das relações do homem com o mundo natural.


Muitas das qualificações que o autor atribui à sua filha, também para ela já valiam; assim, o diplomata brasileiro Marquês de Barbacena, escrevendo de Munique, em 1829, a descrevia como a mais linda e mais bem educada das princesas da Europa na época. Entre as qualidades herdadas pela sua filha encontrava-se a da sensibilidade pela botânica, em particular pelo mundo floral. Para a sua vida como Imperatriz do Brasil, a princesa bávara foi preparada nada menos do que por Carl Friedrich Philipp von Martius (1797-1868), o grande conhecedor da natureza e da cultura do país.


Tomar consciência do significado de associações e imagens de ideais humanos com a natureza e as suas consequências para as artes e a linguagem visual de representações e mesmo da simbólica nacional contribui à revelação de aspectos pouco considerados da história cultural do Brasil e ao desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental.


Cumpre, neste sentido, recordar uma das mais significativas iniciativas até hoje já empreendidas relacionadas com D. Amélia de Leuchtenberg: a exposição comemorativa do 150° aniversário de seu casamento com D. Pedro I e da Criação da Ordem da Rosa - 17 de outubro 1829-1979, realizada pela Secretaria de Estado da Cultura na Pinacoteca do Estado em 1980.


Nessa oportunidade, foram expostos objetos, obras de arte e manuscritos reunidos principalmente pelo Museu Imperial de Petrópolis, primeiro organizador da mostra „Pedro e Amélia“, ampliada a seguir pela Secretaria do Estado. Em particular, a exposição incluiu parte da baixela brasileira disponibilizada pelo Rei Carlos XVI Gustavo da Suécia e objetos pertencentes a D. Pedro Gastão de Orleans e Bragança.


A exposição, distinguindo-se pela sua orientação histórico-cultural e documental, e assim não restringindo-se à esfera artística da Pinacoteca como museu de arte em sentido mais estrito, consistuiu significativo intento de contextualização de expressões artísticas em processos históricos. Para isso, os objetos, na sua diversidade, foram apresentados de forma contextualizada e ambientada, possibilitando aos visitantes adquirir uma visão de conjunto.


Entre os documentos incluidos, um soneto de D. Pedro indica em linguagem mitológica as imagens que eram associadas com a Imperatriz: ela seria filha de Venus e Marte. Essa expressão lembra assim a beleza decantada em toda a Europa de sua mãe Auguste da Baviera (1788-1851), filha do rei  Maximiliano I (1756-1825).


A Ordem da Rosa, criada por decreto em 1829, demonstra no seu nome e na configuração do colar e da placa o significado de símbolos florais. Dedicada a perpetuar o consórcio e uma época feliz, foi destinada a recompensações de ações ilustres, também estimulando-as através do reconhecimento público. Os nomes de artistas, músicos e intelectuais aos quais foi conferida indicam a apreciação de seus atos e suas personalidades sob o regime imperial.


A linguagem visual caracterizada pelo entrelaçamento de ramos e por coroas de rosas marcava já há muito a simbólica nupcial. Na Baviera, como o demonstram arcas e outros objetos conservados em museus de folclore e história cultural, esse simbolismo já fazia parte da cultura tradicional na segunda metade do século XVIII.


Coroas e outros motivos vegetais encontram-se no monograma de Pedro e Amélia em escrivaninha dos soberanos apresentada na exposição de 1980. Na própria carta de despedida da Imperatriz a Pedro II criança registra-se a força de expressões florais: o sua boca, sorrindo mas molhada pelas lágrimas que vertia, era associada com um botão de rosa com orvalho matutino (Catálogo da exposição, 49). Representações de atos políticos da época, tais como o da restituição da Carta Constitucional aos portugueses, incluem pujantes encenações vegetais.



24.07.2014

A Princesa Flor: Dona Maria Amélia (1831-1853). Uma das publicações de Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança que surgem como indispensáveis para os estudos culturais do século XIX voltados a relações entre a Europa e o Brasil é a sua monografia sobre a filha de D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal e de sua segunda esposa, a Imperatriz Amélia de Leuchtenberg: Dona Maria Amélia, nascida na França e falecida na ilha da Madeira (Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, A Princesa Flor Dona Maria Amélia: A Filha mais Linda de D. Pedro I do Brasil e IV do Nome de Portugal, Funchal, Região Autónoma da Madeira: Secretaria Regional de Educação e Cultura, Direcção Regional de Assuntos Culturais 2009; 189 págs., ils., ISBN 978-972-648-165-2).


Na sua Introdução, o autor justifica a cognominação de „Princesa Flor“ pelas suas qualidades de beleza, cultura, sensibilidade, humanidade e virtudes. Para os estudos histórico-musicais que vêm reconhecendo o extraordinário significado de ter sido o criador do Império do Brasil músico e compositor, adquire particular importância o fato do autor salientar ter a sua filha dele herdado aptidões artísticas e musicais.


Essas qualidades de sua personalidade e a sua vida, se consideradas no contexto de sua época, marcada por transformações políticas e culturais, corroboram o intento do autor em evocar o seu vulto. Essa recordação faz-se necessária por diversos motivos, uma vez que, muito cedo falecida, foi pouco conhecida na Europa. Ainda que sendo reconhecida como brasileira, não chegou a conhecer pessoalmente o Brasil, apesar da suas intenções. Como o autor menciona, a sua memória permanece viva apenas na ilha da Madeira, onde faleceu e onde o seu nome ficou perpetuado em instituição dedicada àqueles que, como ela, foram órfãos.


A educação e a formação cultural da Princesa entre Portugal e a Baviera estudadas pelo pesquisador revelam-se como importantes subsídios para estudos relacionados com o mundo de língua e cultura alemãs e o da lusofonia. O fato de ter-se destacado no estudo da botânica, das matemáticas, da história e da música sugere relações disciplinares no ensino a ela conferido que vem de encontro a interesses atuais voltados às relações entre cultura e natureza.


Essa sensibilidade pela botânica parece indicar também a influência de sua mãe, a Imperatriz Amélia de Leuchtenberg, em cuja homenagem D. Pedro criara a Ordem da Rosa. Significativamente, a publicação inclui uma aquarela de flor pintada pela Imperatriz durante a viagem para o Brasil, em 1829, e conservada no Arquivo Real da Suécia. (pág. 133).


Nesse interesse pela botânica, artes e música, a princesa Dona Maria Amélia encontrava-se em sintonia com aqueles do Arquiduque Fernando Maximiliano da Áustria, posteriormente Imperador do México, o que levou a um comprometimento de noivado. Esse romance, findo com a morte prematura de ambos, é tratado de forma sensível na obra, o que contribui também ao fascínio que exerce a publicação pelo seu texto, pelas suas ilustrações e pela excelência de sua impressão. O autor lembra que Maximiliano nunca esqueceu a filha de Dom Pedro I. Após a sua morte, em 1853, ao viajar à Madeira,  ali visitou o Hospício com o seu nome e a quinta onde faleceu.


O autor - trineto de Dom Pedro II - considera em particular a intensa relação entre a princesa, o segundo imperador do Brasil e a Imperatriz Dona Thereza Cristina. Essa correspondência foi que possibilitou-lhe reconstruir a sua biografia, sendo os dados completados com documentos e cartas conservadas pela Rainha Josefina da Suécia, herdeira da Imperatriz. Entre os arquivos considerados pelo autor, incluem-se ao lado dos portugueses, -. em particulr o Nacional da Torre do Tombo  e o Arquivo Regional da Madeira -, e dos brasileiros, - em especial o Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, o Arquivo Grão Pará, em poder de Dom Pedro-Carlos de Orleans e Bragança -, vários acervos de outros países, entre êles o Arquivo Bernadotte e da Pinacoteca em consultas possibilitadas por Carlos XVI, rei da Suécia, o Arquivo Leuchtenberg e o acervo do Barão Manfred von Stengel com documentos de Carolina von Stengel. A lista dos arquivos e bibliotecas consultadas é incluida em anexo, que apresenta também exaustiva bibliografia e pormenorizadas notas. A documentação aqui publicada inclui os seguintes ítens: Cartas da Imperatriz D. Amélia a Dom Pedro II, Árvore de Costados da Princesa D. Maria Amélia de Bragança e Leuchtenberg; Dados sobre a Família de Beauharnais-Leuchtenberg; Auto de batismo da Princesa; Reconhecimento como Princesa Brasileira; Discussão para a aprovação do Projeto que a declarou Princesa Brasileira; A batalha pelo dote e o Auto de falecimento de D. Maria Amélia.  A publicação inclui valiosa iconografia, com retratos da época e fotografias recentes, pinturas, reproduções de cartas e outros. documentos. No texto, são tratados os seguintes capítulos: Nascimento em Paris e Morte de D. Pedro; Educação e Viagens; Contactos de D. Amélia com D. Pedro II e D. Theresa-Christina sobre Princesa D. Maria Amélia; „Meu querido mano Pedro“; O Grande Amor; Prematuro Fim; O Testamento de D. Maria Amélia; Uma Verdadira Amiga; O Hospício Princesa D. Maria Amélia no Funchal.



23.07.2014

Fürstenberg. Porcelana nos estudos culturais em contextos internacionais sob a perspectiva das relações Cultura/Natureza - visita da A.B.E. ao Museu de Porcelana do Palácio de Fürstenberg. A cerâmica popular tem sido há muito objeto de estudos de Folclore e Artesanato no Brasil e a porcelana vem recebendo a atenção crescente de pesquisadores e historiadores. Esta última é em parte promovida pelos próprios fabricantes a serviço do comércio e da conservação da memória familiar.


Esses estudos são conduzidos sob diferentes perspectivas e interesses e levantam questões disciplinares e teóricas. Na História da Arte, o estudo da porcelana foi em geral conduzido sob a categoria de „artes menores“. Nesse contexto, inclui-se também o da pintura em porcelana, uma atividade muito difundida no Brasil e que vivencia crescente empenho de valorização. Já pelo fato de ser exercida sobretudo por mulheres e em determinadas esferas sociais, impõe-se que a pintura em porcelana não seja conduzida apenas de forma convencional segundo critérios da História da Arte.


Os estudos do Desenho Industrial -  também desenvolvidos em faculdades de Arquitetura e Urbanismo - contribuem para o estabelecimento de novos enfoques no tratamento de objetos de uso e de produção em série.


A reorientação dos estudos culturais no sentido de superação de delimitações disciplinares e categorizações de esferas do popular e do artístico a favor de uma atenção maior a processos abre novas perspectivas para o tratamento do amplo espectro de questões relacionadas com a cerâmica e a porcelana.


Aa análise de caminhos de difusão e recepção de tradições manufatureiras e de configuração estética de objetos implica necessariamente na consideração dos contextos internacionais e nacionais em que se inserem, de rêdes de contatos, de exportação, de procura e de interações recíprocas.


O significado do Brasil na história da porcelana e da pintura em porcelana da Europa foi considerado em 2013 na Dinamarca. Nessa ocasião, analisaram-se os estreitos elos históricos com a Alemanha e com processos religioso-culturais em sequência à Reformação e o papel exercido pelo Brasil através do caminho pelos Países Baixos. Esses se evidenciam sobretudo sob o aspecto científico-natural do interesse pela Botânica e pelas qualidades de plantas na decoração dos serviços de louça (Veja).


Nos trabalhos que vem sendo desenvolvidos no presente ano, a atenção tem-se voltado sobretudo às condições naturais que possibilitaram a produção mais intensa de objetos de cerâmica e porcelana em determinadas regiões como um fator significativo para a análise de caminhos de recepção cultural recíproca em dimensões internacionais.  Uma das principais áreas de produção de cerâmica na Alemanha é aquela marcada pelo curso superior do Weser e pelos rios que o formam, o Werra e o Fulda. Objetos produzidos à época da intensa atividade de ceramistas em localidades dessa região - da Renascença „de Weser“ ao século XIX - são hoje conservados e estudos em museus de Folclore e História Cultural. O rio Weser tornou-se via de comércio de artigos dessa „cerâmica de Weser“, levando os produtos ao mar do Norte e, de seus portos, a outros países.


A história da porcelana nessa região encontra-se viva e adquire interesse para os estudos de relações com o Brasil sobretudo através da manufatura Fürstenberg. Fundada em 1747, e portanto uma das mais antigas da Alemanha, foi instalada no castelo de mesmo nome situado em altos do qual se descortina amplo panorama do vale do Weser. A própria denominação - não totalmente esclarecida - indica dois momentos significativos para o estudo cultural da porcelana - o ambiental, indicado pelos conceitos de floresta, cume ou saliência topográfica, e o sócio-cultural pelo fato de indicar nobreza. O empenho do duque Carlos I de Braunschweig-Wolfenbüttel (1713-1780) exemplifica os elos da atividade com a esfera aristocrática, uma imagem de refinamento e exclusividade que marcou a porcelana local e que é hoje utilizada para a sua promoção.


Importante instituição para estudos dedicados ao tema é hoje o Museu de Porcelana instalado no castelo de Fürstenberg, onde também se evidencia a atividade internacional de artistas no desenvolvimento do produto e a ampla rêde de sua difusão na Europa e fora dela. Na visita da A.B.E. a Fürstenberg no âmbito do projeto Cultura/Natureza, os elos com o Brasil tornaram-se presentes através de um dos funcionários da exposição da fábrica de porcelana que passou dois como praticante no Paraná e Santa Catarina. Retornando, com o domínio do idioma e conhecimento de situações, modos de vida, de características culturais e de mentalidade de brasileiros, surge como ponte nas relações com visitantes do país que procuram Fürstenberg.



22.07.2014

Bad Karlshafen. Conformações paisagísticas e culturais criadas pelos canais na Europa - mundos aquáticos no interior de terras. Em visitas feitas em 2013 ao Canal du Midi, hoje visitado por muitos brasileiros, considerou-se essa via fluvial de ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico na paisagem, nas relações entre as cidades e regiões da França e nas suas consequências para a história cultural. (Veja)


Essa obra monumental de arte construtiva modificou estruturas criadas por vias de comunicação mais antigas, estabeleceu novos sentidos e transformou a própria percepção do país. Quem navega pelo canal ladeado pelos plátanos e vivencia o mundo marcado pela água mesmo em regiões de montanhas adquire uma diferente visão de terras do interior e suas cidades do que aquela das vias terrestres.


Essa experiência vale para outros países da Europa, cortados que são por numerosos canais. Essa rêde fluvial criada através dos séculos nem sempre é suficientemente considerada nos estudos culturais de regiões européias e de suas interligações. A sua implantação implicou em grandes transformações da paisagem e em reorientações segundo regiões e centros anteriormente distantes entre si. Devem, assim, receber a atenção nos estudos culturais de processos culturais em amplos contextos nacionais e internacionais, também e sobretudo sob o aspecto das relações Cultura/Natureza. 


Há pessoas que, na terceira idade, passam a viver em barcos percorrendo o continente, vivenciando a Europa a partir da perspectiva dessas vias aquáticas. Algumas delas chegam a percorrer grandes distâncias, chegando a ir de barco de cidades de regiões ocidentais da França a Berlim, descendo o Mosela, o Reno e cortando as terras por canais internos.


Nos trabalhos em desenvolvimento no corrente ano no âmbito do projeto Cultura/Natureza considerou-se um plano que não chegou a ser terminado de interligação de regiões centrais da Alemanha de diferentes orientações geo-comerciais e culturais: a do rio Weser e a do Reno. Esse projeto traz à luz aspectos pouco presentes das relações franco-alemãs e confessionais sob o aspecto do urbanismo e da construção de paisagens e que se inserem em processos interno-europeus remontantes à Reforma protestante que também se fizeram sentir no Brasil.


As dimensões culturais desse projeto evidenciam-se sobretudo em Bad Karlshafen, uma cidade que adquire relevância na história do urbanismo e da arquitetura por ter sido planejada, representando hoje um significativo exemplo de disposição urbana do Barroco.


Essa cidade portuária situa-se no norte de Hessen, em região limítrofe com os atuais estados da Baixa Saxônia e Reno do Norte/Vestfália. Foi estabelecida em fins do século XVII pelo conde de Hessen-Kassel para o abrigo de huguenotes fugidos da França, integrando-se em amplo plano de criação de uma cidade fabril  e de comércio. Para além do canal do „conde Carlos“, que devia atingir a cidade de Marburg, planejava-se ligar esse „porto Carlos“ a Kassel, então cidade-residência.


Se do canal não terminado apenas restam hoje trechos e relitos de obras de arte, o mundo marcado pela água nesse interior de terras concretizou-se pelo fato de ter-se descoberto em 1730 fontes de águas do subsolo. Algumas décadas mais tarde construiu-se uma salina com três gradeados para a destilação, o que levou não apenas ao florescimento do comércio de sal como posteriormente a que a cidade se tornasse balneário procurado pelas qualidades quase que marítimas do seu ar.


Atualmente, a cidade é alvo de grande plano de recuperação. restaurando-se a bacia do seu porto, centro da disposição geométrica urbana. Bad Karlshafen surge assim como um objeto de estudo significativo nos atuais intentos de estudos comparados de configurações e atmosferas ambientais nas suas relações com a psique e o bem estar do homem (Veja notícias de 09.07) por unir qualidades derivadas do fato de ser porto do Weser, pela atmosfera marítima do ar de seus gradeados da salina, pelas suas fontes termais e como estação hidroterápica.


Sob o ponto de vista histórico-cultural, o museu dos Huguenotes de Bad Karlshafen surge como de particular interesse para estudos da história do Protestantismo e de suas irradiações no mundo, lembrando-se aqui do episódio da França Antárctica no Rio de Janeiro do século XVI.



21.07.2014
Rye. The Cinque Ports em Kent e Sussex e a imagem da sereia no Brasil, em Portugal e na Inglaterra. No âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. procedeu-se a uma visita de Rye, pequena cidade do Condado de Sussex Leste, por muitos considerada a mais bela localidade das ilhas britânicas.


De fato, Rye encanta os seus visitantes com as suas casas históricas, ruas calçadas com pedras, sua igreja-monumento e sobretudo com os seus pequenos jardins e pela vegetação florida que cresce pelos muros e pelos cantos das vielas.


Não surpreende que essa sua fascinação tenha levado a que escritores e intelectuais ali tomassem residência, entre êles o novelista americano Henry James (1843-1916). Esse nome adquire significado para os estudos referentes ao Brasil, pois traz à luz contextos euro-americanos em que se inseriu o seu irmão William James (1842-1910), pensador americano que participou da Expedição Thayer do Museu de História Natural de Harvard, liderada por Louis Agassiz (1807-1873). Teria sido essa experiência no Brasil (1865/66), onde experimentou cegueira temporária que o teria levado a procurar tratamento em estâncias alemãs um fator de sua decisão em dedicar-se à vida retirada de estudos especulativos.


O interesse atual por William James e a sua imagem do Brasil foi despertado pela recente publicação de suas cartas, diários e desenhos, edição acompanhada de alentado estudo (M. H. P. T. Machado, Brazil through the Eyes of William James: Letters, Diaries, and Drawings, 1865-1866, trad. J. M. Monteiro, Cambridge, Mass.: Harvard University, David Rodkefeller Center for Latin American Studies, 2006).


A fascinação que parte de Rye parece poder ser explicada pela sua posição geográfica, determinante na sua história. Esta, sempre presente nos testemunhos construídos, desperta associações múltiplas sintetizadas na imagem da sereia.


Situada no alto de uma colina, um de seus principais atrativos é o panorama que dela se abre sobre uma baixada cortada pelas águas que levam ao mar. Rye foi um dos cinco portos do Canal da Mancha que desempenharam extraordinário papel na história do comércio marítimo e naval inglês da Idade Média. A expressão francesa até hoje utilizada de Cinque Ports traz continuamente à lembrança remotas eras das relações e conflitos franco-ingleses no complexo campo de tensões entre a ilha e o continente.


Ainda que não tão presente na pesquisa como a Hansa na Alemanha, os Cinque Ports sul-ingleses mereceriam atenção maior nos estudos de processos culturais em contextos globais. Eles desempenharam não só funções econômicas, militares e políticas como também marcaram uma cultura portuária dos mares. As cidades da liga constituiram um centro da navegação, possuidores de tantas naves que delas dependiam os próprios reis. Esse significado comercial marítimo pertence já há muito ao passado, uma vez que o porto de Rye perdeu a sua função com o aterramento da via aquática e paralelo secamento das terras.


Esse passado permanece porém vivo na memória e em títulos, sendo a imagem da cidade envolta em nostalgia. Rye surge na sua beleza e fascinação como modêlo de um processo metamorfoseante de secamento e que representa ao mesmo tempo uma elevação dos baixos inundáveis. É significativo, assim, que a principal e mais bela rua da cidade traga o nome da sereia (Mermaid Street), imagem que desde remotas eras relaciona-se com concepções fundamentais concernentes aos elementos da matéria, em particular com a terra e a água.


Na rua da sereia de Rye situa-se o Mermaid Inn, hoje local procurado pelo seu interior histórico e pelas estórias que remetem a uma época na qual ali se reuniam contrabandistas, piratas e outros tipos humanos questionáveis da história marítima. Contrariamente à imagem de distinção que hoje o edifício como monumento histórico-arquitetônico oferece à primeira vista, o observador mais atento é levado a uma época em que naves eram propositalmente encalhadas e pilhadas, ou seja, a situações sócio-culturais e subculturais que adquirem hoje particular interesse sob a perspectiva dos Cultural Studies.


A elevação das zonas alagadiças experimentada por Rye adquire assim sentidos metafóricos. Esse processo de subida da várzea nas suas múltiplas dimensões sugerido pelo Mermaid Inn tem a sua expressão na percepção do espaço urbano. Essa mais bela via de Rye é marcada de ambos os lados pela imagem da sereia: defronte à taverna que traz o seu nome levanta-se a casa oposta (House Opposite). Essa designação é explicada em geral como sendo uma indicação aos visitantes da taverna que essa casa residencial não era o local procurado, sendo este aquele situado defronte, no lado oposto da rua. Essa elucidação, porém, parece ser por demais superficial, não correspondente ao sentido velado da idéia de oposição à sereia da taverna.



20.07.2014

Londres, Kopenhagen, Amsterdam, Berlim. Reconquista do espaço público e atmosfera praiana em cidades grandes do Brasil e da Europa. O verão europeu tem trazido à consciência geral - o que se manifesta em artigos na imprensa - que grandes cidades adquirem uma atmosfera similar àquela de localidades de veraneio, com uma intensificação do uso de praças e jardins, fontes e vias públicas e espaços defronte a restaurantes, bares e quiosques para a vivência social e lazer.


Imigrantes passam as suas horas livres com as suas famílias em parques, com comida e bebida, o costume de cozinhar e alimentar-se ao ar livre generaliza-se, assim como o de banhar-se em chafarizes, lagos ornamentais, canais e rios; estudantes enchem de vida largos e ruas não só nas proximidades de universidades, e muros e calçadas são aproveitados para descanso, encontros, conversas, esportes e brincadeiras.


As instâncias públicas tomam conhecimento da transformação do uso do espaço e suas implicações através de reclamações de moradores confrontados com aglomerações e com o clima de festa acompanhado por música e pelo barulho que modficam ambientes até então de discreta reserva e silêncio.


As medidas cogitadas ou tomadas pelas autoridades para a solução desses conflitos vão desde o controle mais rigoroso de legislação horária, de policiamento e de coleta de lixo até o sugestões de gradeamento de jardins - o que contraria princípios democráticos do uso da cidade - ou, de forma mais positiva, à criação de praias artificiais urbanas junto a rios, canais e lagos.


Esse fenômeno de retomada do uso de espaços é acompanhada por novas relações entre grupos sociais e culturais, por mudanças de comportamento que se manifestam na descontração de trajes e na apresentação da pele nua e na própria conotação social de apreciações estéticas, por exemplo quanto a tattoos, no passado associado com classes proletárias, desprivilegiadas ou marginalizadas. (Veja)


As cidades européias adquirem no verão uma fisionomia que sugere um modo de vida que é relacionado com os trópicos, o que vem de encontro à imagem do Brasil e à difusão da música, da dança e outras expressões culturais brasileiras, fato intensificado com a Copa do Mundo.


Esse fenômeno cultural urbano de múltiplas dimensões vem recebendo a atenção de arquitetos e estudantes em universidades européias, como é o caso da Universidade de Colonia. Em colocações de professores e em trabalhos universitários salienta-se que a nova presença da população no espaço público exige maior atenção por parte de urbanistas e planejadores.


Essa atenção que se observa na Europa foi, porém, há muito despertada no Brasil e as muitas das reflexões que agora se encetam já foram precedidas por trabalhos universitários e iniciativas brasileiras. Basta aqui lembrar que no início da década de 70 desenvolveu-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo trabalho interdisciplinar cujo objetivo foi realizar uma cartografia dos centros sócio-culturais de convívio em São Paulo, tanto de praças e logradouros, como também aqueles surgidos espontaneamente ao redor de bares, igrejas, pontos de ônibus ou outros referenciais e marcos. Esse levantamento tinha como objetivo servir como base para análises de rêdes urbanas e de configurações de urbanidade a serviço da política urbana.


Esse intento, exigindo procedimentos empíricos, foi realizado em cooperação com entidades voltadas a estudos de processos culturais. No Museu de Folclore da Associação Brasileira de Folclore, considerou-se a questão do estudo da cultura urbana no sentido de processos espontâneos. Não só a Urbanística poderia fornecer impulsos teóricos aos estudos culturais, como estes poderiam e deveriam ser considerados na análise e no planejamento urbano da metrópole (Veja).


O direcionamento da atenção à percepção do espaço em situações metropolitanas brasileiras merece ser retomado no estudo de processos que transformam a fisionomia de cidades européias no presente.


No âmbito do projeto Cultura/Natureza que vem-se desenvolvendo em diferentes cidades de veraneio européias observou-se que se no passado transplantou-se a atmosfera elegante de boulevards para os balneários, hoje é o ambiente de praias que se transfere aos espaços urbanos das grandes cidades. Se as análises mais diferenciadas de situações e ambientes praianos trazem à luz aspectos do relacionamento do homem com a natureza, levando à procura de fundamentos no edifício cultural que levam a concepções de elementos, em particular da terra e da água (Veja notícia de 15.07), os conhecimentos assim obtidos podem ser aplicados na análise de processos que transformam a fisionomia das cidades.


Nada adianta lamentar de forma nostálgica que nas alamedas e praças já não são vistas pessoas formalmente bem trajadas à moda do século XIX e início do XX, mas sim passantes em roupas descontraídas e em trajes de banho ou esportivos. A análise deve atentar aos valores positivos dessa transformação como indícios de um diferente relacionamento com o mundo envolvente, o que parece sugerir uma nova atitude do homem perante a natureza.


As consequências dessa aproximação para a política urbana poderiam ser consideráveis: ela significaria também procurar valores positivos quanto à percepção e fruição do microespaço em aglomerações urbanas desenvolvidas sem planejamento, informais e decorrentes de processos não conduzidos, „espontâneos“, já não mais modificáveis segundo critérios racionais e formais de visões urbanísticas abstratas ou de perspectivas de „pássaro“ ou de avião.


Sugerindo um novo tipo de relacionamento com o meio envolvente, uma melhoria da qualidade de vida e a recuperação de um patrimônio natural poderiam ser alcançadas através da implantação nessas realidades construídas de espaços verdes, da arborização de vias e vielas, medidas relativamente econômicas e de fácil concretização. Trata-se de permitir à natureza vegetal que se estenda com a mesma liberdade e espontaneidade como aquela que o homem a si toma e de contribuir ao aguçamento da sensibilidade dos habitantes à percepção dos valores naturais, também a serviço do seu próprio bem-estar.



19.07.2014

Baabe. Promenadologia: passeios e avenidas no paisagismo comparado de configurações urbanas de praias. Nas observações contextualizadas conduzidas atualmente no âmbito o projeto Cultura/Natureza da A.B.E. tem-se considerados várias cidades de mar e praias da Inglaterra e da Alemanha. O escopo do projeto é contribuir ao desenvolvimento de estudos de processos culturais de orientação ambiental. Para isso, as cidades são analisadas segundo a paisagem construída e as soluções encontradas nas diferentes situações quanto ao relacionamento do homem com o patrimônio natural.


A comparação de cidades e de contextos serve à leitura da realidade, ao aguçamento da percepção de seus sentidos e à reflexão teórica a serviço da análise de processos culturais. Esse intento aproxima-se àquele de cotejos de diferentes atmosferas que vem sendo desenvolvido em cooperação das universidades Bauhaus de Weimar e de Greifswald com o sentido de tratar da influência do ambiente na mentalidade, na psique, no bem estar e na qualidade de vida do homem. Tais estudos exigem diferentes procedimentos, tanto históricos como empíricos e sistemáticos, tanto de pesquisa científica como artística. (Veja notícia de 09.07)


A história de balneários marítimos desempenha aqui importante papel, fato que pode ser constatado com particular evidências no Mar do Leste, região que vivencia na atualidade extraordinário desenvolvimento turístico e de valorização arquitetônica e ambiental na Europa. Exemplo desse significado é a exposição de fotos e documentos históricos permanente na Promenade de Binz, uma das principais cidades marcadas pela „arquitetura de balneários“ do Norte da Alemanha. As transformações nas relações entre o passeio em jardins à beira-mar e a urbanização decorrente do crescimento de cidades pode ser estudada no exemplo do balneário de Baabe.


Ainda local com poucas casas de pescadores até meados do século XIX - tratado no museu de pescadores de costa de Mönchgut ali existente - e com apenas pensões e hotéis no período anterior à Primeira Guerra, a disposição da cidade foi marcada pelo seu desenvolvimento no período que se seguiu, em particular nos anos 30.


O eixo da urbanização e da vida urbana é a avenida que da entrada da cidade leva ao mar, a „rua da praia“,  uma via que irradia a atmosfera de boulevard ainda não o sendo no sentido estrito do termo. Esse tipo de urbanização conhecido em muitas cidades da Europa e do Brasil, relaciona concepções diversas de grandes vias, o de alamedas, o de  passeios, o de boulevards de grandes cidades cosmopolitas e suas diferentes implicações quanto à percepção e a fruição do meio envolvente, do mar, do ar, das construções e da atmosfera urbana, o do ver e ser visto com o ver da natureza e da urbe.


A contemplação da natureza foi há séculos relacionada com um estado de desprendimento do homem quanto a obrigações de trabalho, de liberdade interna, de um ócio compreendido não no seu sentido negativo, mas altamente positivo como pré-condição para uma atividade ativa interna e de abertura perceptiva. Essa concepção contemplativa une-se aqui à fruição da vida social e ao lazer, assim como a valores da urbanidade. Significativamente, a rua da praia em Baabe manifesta elos entre a idéia de alameda com a ordenação dupla de árvores laterais com aquela de carramanchões e que dão àquele que passeia a impressão de percorrer um túnel vegetal que o conduz ao mar.


A existência de labirintos e túneis pode ser constatada em jardins à beira-mar de outras cidades, como é o caso de Göhren (Veja notícia dde 14.07); em Baabe surge porém como o centro da avenida: o passeio paralelo à praia entra verticalmente como eixo urbano ao interior. Apesar de ser resultado de um desenvolvimento relativamente tardio, pode-se ainda observar em Baabe a permanência de remotas dimensões religiosas das relações do homem com os elementos manifestada nas pregações à praia (Veja notícia sobre Vitt dee 15.07). Assim, a igreja, situada nessa via, possui o seu púlpito no exterior.


A visita a Baabe incluiu cotejos com cidades brasileiras relativamente à urbanização de praias. Consideraram-se exemplos de concepções similares de avenidas ao redor de passeios centrais. Nessas comparações, veio à consciência um outro fator a ser considerado:  o da urbanização de praias nas suas relações com saneamento através de canais, o que, para além de aspectos pragmáticos, despertam antigas associações quanto ao surgimento do „sêco“ da terra das águas. Esse processo é, no hemisfério norte, relacionado com a primavera e o verão, a época por excelência dessas urbes de veraneio.




19.07.2014

35 anos de cooperações e interações em relações Alemanha-Brasil. Comemorou-se, no dia 13 do corrente, em almoço festivo realizado no hotel Müllenhelle, em Gummersbach, seguido por encontro no centro de estudos da A.B.E., o início das atividades conjuntas que vem sendo desenvolvidas desde 1979 com o Dr.Harald Hülskath, diretor gerencial até o presente do ISMPS e.V. e da Revista Brasil-Europa. Nesse seu empenho pelo Brasil, o especialista do Hospital Acadêmico de Bergisch Gladbach realizou até o presente dezenas de viagens a quase todos os Estados brasileiros, tornando-se um dos grandes conhecedores do país.


Se o programa de interações voltados à intensificação de contatos a serviço de estudos de processos culturais em contextos globais preparado no Brasil iniciou-se na Europa em 1974 (Veja), este entrou em 1979 numa nova fase, uma cooperação reconhecida por representantes diplomáticos do Brasil (Veja). Presentes estiveram, além de membros do ISMPS e da A.B.E., muitos daqueles que acompanharam em amizade pessoal e interesse essa caminhada. Atuando em diferentes áreas, vieram para o encontro de distantes cidades alemãs e de outros países - de Luxemburgo, da Suíça e dos Estados Unidos -, fato registrado com especial gratidão. As notícias da vida e das atividades em tão diferentes contextos trouxeram à consciência o amplo espectro de experiências da rêde de contatos. Particular interesse despertaram relatos concernentes à África, entre outros aos dois Congos, à Uganda e à Guinea Equatorial.


No encontro que se seguiu, considerou-se informalmente alguns aspectos do histórico da A.B.E. e seus institutos com base em fotografias e documentos. Uma dos aspectos salientados foi o da forte presença portuguesa em Luxemburgo, país no qual há localidades onde se fala o português, língua até mesmo dominada por habitantes de outra proveniência étnica e cultural. Se a capacidade de integração de portugueses é reconhecida no Grão-Ducado, onde em geral gozam de simpatia pelas suas qualidades e forma de comportamento, pouco se tem em mente que os elos entre Luxemburgo e Portugal são mais antigos e profundos do que aqueles criados pela imigração.


Nada menos do que uma das grandes representantes da família ducal foi de origem portuguesa: Maria Anna do Carmo de Bragança (1861-1942). Infanta de Portugal, foi filha de D. Miguel I (1802-1866), o irmão de D. Pedro I (1798-1834) que passara a sua infância no Brasil. Casando-se com Guilherme IV (1852-1912), tornou-se Grã-Duquesa de Luxemburgo e Duquesa de Nassau.  Assumiu em 1908 a regência, estando assim à frente do país até 1912. Desse casamento nasceram seis filhas que desempenharam papel de importância na história luxemburguesa do século XX. (Veja)



18.07.2014

Fritzler. O corte da árvore por S. Bonifácio nas análises de linguagem visual em relações Cultura/Natureza. Uma visita à cidade alemã de Fritzler em junho do corrente ano teve o objetivo de relacionar dois projetos da A.B.E. em andamento: o de consideração de relações do homem com a natureza sob diversos aspectos e em diferentes contextos e o da publicação do terceiro número da Revista Brasil-Europa dedicado ao tema Culto/Cultura e problemas sociais (Veja).


Friztler é cidade do Norte da região de Hessen, de renome e procurada pela sua fisionomia histórica bem conservada e pelos seus monumentos arquitetônicos. Entre estes, o principal é a sua catedral, de proporções e significado artístico-cultural que ultrapassam aqueles da própria urbe. À frente da catedral eleva-se uma estátua de S. Bonifácio que lembra a razão da importância do local: o corte da árvore dedicada a Donar ao redor de 723 que marcou a Cristianização da Alemanha Central e do Norte. O seu madeiro serviu para a construção de um oratório dedicado a São Pedro. A igreja, com o seu convento, tornou-se a base da cidade na qual teve início o império alemão da Idade Média em 919. Também desenvolveu-se como um centro de estudos e de irradiação cultural. Várias outras instituições religiosas contribuiram a esse significado de Fritzler como centro cultural, entre elas o convento das Agostinhas, dos Franciscanos e, no século XVIII, das Ursulinas.


O significado de Fritzler como  marco da missionação do centro do continente europeu traz à consciência as suas relações com o Cristianismo das ilhas britânicas, uma vez que o companheiro de Bonifácio, Wigbert, nascido em Wessex (ca. 670-747), tornou-se o primeiro abade do mosteiro beneditino de Fritzlar.


Como a plástica de Bonifácio na praça da catedral expressa, há uma relação simbólica entre o corte da árvore devotada a Donar e a coluna que representa a igreja ali levantada. Trata-se, assim de uma imagem que parece indicar uma reorientação do homem em superação de um culto determinado pela sua sujeição às forças naturais.


Essa linguagem visual, de fundamental significado para estudos do campo de relações Cultura/Natureza necessita ser lida de forma refletida e fundamentada, uma vez que traz em si riscos de interpretações insuficientes de graves consequências para as relações do homem com o meio ambiente.


É possível que o mal-entendimento dessa forma de representação de antigas concepções tenha sido um dos fatores explicativos do lamentável processo de destruição de florestas que acompanha a história da expansão cristã no mundo, do incêndio da ilha da Madeira à trágica incineração das florestas brasileiras nos últimos séculos e no presente.


Os estudos do edificio de concepções e imagens do mundo e do homem remontante à Antiguidade e resignificado através de sua referenciação segundo as Escrituras que veem sendo desenvolvidos no âmbito dos trabalhos da A.B.E. trazem à luz que a árvore cortada não pode ser compreendida no seu sentido mais imediato e superficial.


Da época de transição Antiguidade/Cristianismo tem-se a indicação de que o tronco foi compreendido como imagem da força ascensional que se manifesta no crescimento material, visível, o que, na teoria dos elementos, corresponde ao fogo no seu aspecto exterior. Haveria, porém, um fogo interno, invisível, que se manifesta apenas nos frutos da árvore, uma vez que esses trazem à luz a força da semente.


A imagem do corte da árvore não significa assim a destruição da Natureza e sua substituição pela Igreja, ou da superação de adoração de forças naturais ou de orientações „panteístas“. Tratar-se-ia antes metaforicamente do corte de um direcionamento segundo o crescimento material a favor de um crescimento não-material, invisível e que se manifesta nos frutos, em palavras e atos. A imagem, assim teria um significado que vem de encontro a pronunciamentos do atual Pontifice de crítica a um sistema econômico e social que leva a injustiças e violências.



17.07.2014

Palácio de Spyker. Mudanças paisagísticas em relações com transformações políticas. Nos trabalhos que vem sendo desenvolvidos no programa Cultura/Natureza da A.B.E. em países europeus tem-se constatado relações múltiplas entre configuração de paisagens com correntes e situações políticas.


Tendências e mudanças políticas internas e de constelações políticas internacionais explicam em muitos casos transformações e reformas em parques e jardins. Estes manifestam elos internacionais e a predominância de determinados centros de concepções, práticas e expressões do homem no seu relacionamento com a natureza. Parques, jardins, arborizações urbanas e arquitetura de paisagens surgem assim como relevantes para a análise de processos político-culturais sob a perspectiva das relações do homem com o meio ambiente.


A propagação dos parques e jardins segundo critérios paisagísticos ingleses no continente e em regiões extra-européias, e que levou em muitos casos à reforma de anteriores configurações geométricas na tradição francesa, insere-se em correntes de visão do homem e da sociedade de conotações políticas. Essa difusão do paisagismo inglês fora da Inglaterra acompanhou mudanças político-culturais que teve o seu principal marco a derrota das forças francesas de Napoleão.


Como refletido em Putbus (Veja notícia), essas transformações no trato da natureza pelo homem através de reorientações segundo impulsos ingleses podem ocorrer de forma indireta no contexto de mudanças de constelações internacionais. No caso do Mar do Leste, essas transformações parecem poder ser analisadas em função de suas relações com a Suécia e com a Prússia.  Se já na segunda metade do século XVII partes da Pomerânea sueca tinham passado para Brandenburg/Prússia, esse processo completou-se com o Congresso de Viena em 1815.


A questão que se levanta é se essas mudanças nas relações do homem com a natureza documentadas para essa época também ocorreram quando do início da predominância sueca à época da Guerra dos Trinta Anos, quando a Pomerânea passou à soberania deste país (1648). Neste contexto, o palácio de Spyker surge como significativo objeto de estudos. Remontante ao século XIV, e considerado como o mais antigo monumento não-religioso da ilha de Rügen, as transformações passadas pelo palácio e seu parque testemunham relações estreitas com mudanças políticas.


Quando da sua reforma à época do início do período sueco, o antigo burgo rodeado de fosso foi transformado em palácio em estilo renascentista. O edifício, na sua pintura vermelha ao uso sueco - contrastante com a arquitetura predominantemente branca da ilha -, mantém até hoje a memória do passado sueco na região. Essa reforma da construção foi acompanhada pela instalação de um jardim. Este, dividido em quarteirões quadrados e com um parque cercado por muros, seguia modêlos de jardins mais antigos em Skokloster na província de Uppland, monumento-símbolo da época de poderio da Suécia.


Já nesses primeiros anos da influência sueca empregou-se um mestre-jardineiro que realizou viagens para a obtenção de árvores em outros centros europeus e de observações à Itália. Obtendo impulsos e experiência em outros jardins, implantou a „Arte“ no parque de Spyker. Ter-se-ia, assim, o início de uma concepção de obra de arte no contexto da transformação do burgo fortificado medieval em palácio de estilo Renascentista segundo impulsos italianos.


O palácio de Spyker, hoje abrigando um hotel, prepara-se para tornar-se centro cultural e de convenções. A recuperação dos jardins na sua feição original surge como projeto relevante para a intensificação da imagem característica do único palácio sueco do Norte da Alemanha.


Na visita, considerou-se o significado de estudos similares das relações do homem com a paisagem no mundo português e brasileiro dos séculos XVII e XVIII, uma vez que a influência italiana pode ser constatada em muitas outras expressões artísticas e musicais.




16.07.2014

Cabo Arkona. Teologia, Natureza e reinterpretação de elementos em processos cristianizadores. Significado global da inguagem visual da divindade eslava de Svantovit e do culto de São Vito. Como relatado (Veja notícia anterior), em visita ao povoado e capela de Vitt na ilha de Rügen em Mecklenburg-Vorpommern no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E., considerou-se relações entre o mundo natural e a Teologia no exemplo das pregações nas costas do mar do luterano Gotthard Ludwig Kosegarten (1758-1818).


Esse professor de literatura grega, história e teologia na Universidade de Greifswald, da qual tornou-se reitor, foi até hoje considerado sobretudo sob o aspecto da hinologia nos estudos euro-brasileiros. Kosegarten adquire na atualidade renovada atenção para estudos culturais de orientação ambiental através de reedições de seus textos sob o lema „Deus na Natureza“ (Gott in der Natur: Aus den Uferpredigten G.L.Th.Kosegartens, ed. K. Coblenz-Arfken, Temmen 2012).


Nas reflexões em Vitt, lembrou-se do significado de antigas concepções relativas a elementos no mundo da Antiguidade Clássica e nas Escrituras. Compreende-se, assim, que a reinterpretação de concepções relativas a elementos tenha constituido importante mecanismo em processos de transformações culturais no contexto de missionações.


Os símbolos dos evangelistas indicam com a maior evidência essas relações anti-tipológicas com os quatro elementos. Estando continuamente presentes na linguagem visual em igrejas e na arte sacra, trazem à consciência a necessidade de conhecimentos mais amplos de concepções relativas aos elementos em contextos culturais cristianizados no passado no escopo de desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental da A.B.E..


Essa consideração do mundo anterior à história cristã em diferentes contextos não se limita à Antiguidade greco-romana, levantando aqui questões quanto a dimensões globais de concepções de remotas origens. Essa problemática nos estudos comparados das religiões, embora trazendo riscos de generalizações indevidas, não pode deixar de ser tratada sob o aspecto das relações do homem com a natureza numa arqueologia do saber.


Essas preocupações foram atualizadas na visita promovida pela A.B.E. ao Cabo Arkona, não distante da capela de Vitt, ambos na circunscrição de Putgarten. Com os seus faróis, esse cabo, hoje importante centro turístico, possui significados simbólicos relacionados com o Norte. Assim como o Cabo Norte na Noruega (Veja), também esse cabo na ilha de Rügen é considerado como ponto mais a norte da ilha, ainda que em ambos os casos essas tradições não correspondam à realidade geográfica.


Na região mais extrema do cabo situa-se o burgo Jaromar da antiga tribo eslava dos Ranes, um local de culto dedicado à divindade Swantewit. O templo foi um dos últimos bastiões da antiga cultura eslava do Mar do Leste, mantendo-se após a destruição de outros centros religiosos no século XI, sendo por fim conquistado pelo rei dinamarquês e destruído com a cristianização.


A imagem de Svantovit é caracterizada pelo fato de apresentar quatro cabeças, orientadas segundo os pontos cardeais. Algumas das associações são simbolizadas por cores: o Norte  pelo branco, o sul pelo negro, o ocidente pelo vermelho e o leste pelo verde, conotações que permaneceram em designações de regiões européias e que pressupõem um ponto de perspectiva situado no Norte.


Esses estudos podem ser aprofundados considerando-se ter sido o local alvo de missão dinamarquesa na Idade Média. As menções documentais em fontes podem ser aqui complementadas a partir de estudos de mecanismos de transformação cultural em outros contextos. Assim, uma metamorfose de sentidos de Svantovit relacionou-se com o culto de São Vito. A referenciação segundo esse mártir - estudado na sua importância em contextos Antiguidade/Cristianismo em outras regiões da Europa (Veja) - tem o seu testemunho na história eclesiástica que liga a ilha de Rügen ao convento de Corvey, agora de particular atualidade pelo seu reconhecimento como patrimônio da humanidade pela UNESCO (Veja notícia). A complexidade desses estudos de arqueologia cultural deriva também da possibilidade de ser a imagem de Svantovit já resultado de uma representação visual de tipos com sentidos anti-tipológicos originada em interações culturais de cunho missionário. A unidade na quadrangularidade de concepções que se manifesta na imagem de Svantovit com o Cristianismo parece poder ser considerada sob a perspectiva dos quatro Evangelhos ou de uma quadrangularidade do Evangelho nas suas relações com os elementos da Natureza.



15.07.2014

Vitt. Cultura/Natureza e linguagem visual cristã - pregação nas praias na Alemanha e no Brasil. No âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. realizam-se observações em diferentes cidades européias com o escopo de contribuir ao desenvolvimento de estudos de processos culturais de orientação ambiental em contextos globais.


Uma das aproximações a esse intento tem sido aquele de comparar atmosferas urbanas e paisagísticas em diferentes regiões no sentido de aguçar a percepção para a influência do meio ambiente e de sua construção na psique, na qualidade de vida e no bem estar do homem. Impulsos ao tratamento das questões que aqui se levantam oferece trabalho universitário em andamento nas universidades Bauhaus de Weimar e de Greifswald. Essa proposta levanta questões metodológicas, uma vez que exige procedimentos empíricos e históricos, científicos e artísticos. (Veja notícias anteriores)


Um caminho para análises mais sistematizadas oferece aquele que vem sendo seguido pela A.B.E. em diferentes complexos temáticos, ou seja, o do estudo do edifício de concepções e imagens do mundo e do homem de remota proveniência e que, cristianizado há séculos, tem as suas imagens, estruturas e mecanismos atualizados em diferentes contextos regionais e históricos. Essas presentificações permitem comparações mais fundamentadas no estudo de processos culturais.


Remetendo a antigas concepções concernentes a elementos, as relações entre terra e água no edifício cultural merece particular atenção. A destruição da terra pela água, o risco de inundações e de morte por afogamento do homem relacionam-se com imagens múltiplas de viagens e atividades marítimas, assim como com o símbolo da barca. Essas imagens possuem a sua referenciação bíblica no Velho e no Novo Testamento, bastando lembrar o Dilúvio com a salvação de Noé na sua arca e a barca de S. Pedro e dos apóstolos no tempestuoso mar da Galiléia.


Compreende-se que essas imagens e metáforas simbólico-antropológicas baseadas em concepções dos elementos da natureza adquiram particular significado em situações de vida nas quais o homem se encontra mais diretamente confrontado com os riscos da água, como é o caso de costas e seus povoados. Em diversos contextos pode-se assim constatar a veneração de santos vinculados com essa linguagem visual e a permanência da memória de pregadores que se utilizaram dessas imagens. Esse é o caso, no Brasil, entre muitos outros, de Reritiba, atual Anchieta no Espírito Santo.


Na Alemanha, um de seus principais exemplos é o povoado de Vitt em Mecklenburg-Vorpommern. Há muitos séculos foi o local utilizado por povos nórdicos por pescadores para trabalhos de pesca e comércio. Segundo o historiador dinamarquês Saxo Grammaticus, o povoado já existia como porto de pescadores no século X, pertencendo ao castelo eslavo de Jaromar próximo do Cabo
Arcona. A história local parece relacionar-se assim estreitamente com o processo de expansão do Cristianismo nessa região da Europa.


É provável, assim, que uma linguagem visual que se manifesta no culto a São Pedro já seja de remotas origens medievais e resultado da interpretação cristã de imagens ainda mais antigas. Na sua versão atual, ela remete às atividades do pregador protestante Ludwig Gotthard Kosegarten (1758-1818) que, constatando que os pescadores não vinham à igreja, passou a fazer as suas pregações à beira-mar. Ali levantou-se posteriormente a capela octogonal que hoje é procurada por visitantes e que constitui o principal marco do povoado de Vitt. Este, protegido como bem patrimonial, mantém a sua fisionomia tradicional, caracterizada por casas cobertas de ramos incravadas em depressão do terreno por detrás de elevação defronte ao mar. Não é assim visível do mar, oferecendo nessa sua situação recôndita um modêlo de inserção de arquitetura no meio ambiente.



14.07.2014

Göhren. Museus de tradições populares e história regional em cidades do mar do Leste e transformações de atmosferas de paisagens - música brasileira nas praias de Vorpommern. Como relatado, constata-se na atualidade um interesse pela pesquisa comparada de paisagens e atmosferas paisagísticas em diferentes contextos e de suas influências na psique e no bem-estar do homem. Nesse sentido, encontra-se em desenvolvimento um trabalho de doutoramento junto à universidade de Greifswald e a universidade Bauhaus de Weimar, esta um dos grandes centros do estudo da arquitetura (Veja notícia anterior).


Relacionando métodos empíricos e históricos, procedimentos científicos e artísticos, a percepção e a pesquisa de atmosferas em diversos contextos diz respeito a múltiplas áreas de estudos, correspondendo a anelos interdisciplinares dos estudos culturais, em particular daqueles voltados a análises de processos em contextos internacionais. Esses intentos levam a reconsiderações de enfoques de disciplinas, entre elas do Folclore, de história local e de estudos regionais.


Vindo de encontro a objetivos do programa Cultura/Natureza da A.B.E., que procura focalizar processos culturais a partir de referenciações ambientais, questões que aqui se levantam foram refletidas em visita a um dos maiores museus de tradições e história regional do mar do Leste, o de Göhren.


Este balneário na península de Mönchgut em Mecklenburg-Vorpommern foi muito frequentado no século XIX, o que testemunha os seus edifícios históricos, representativos da assim chamada „arquitetura de balneários“ (Veja notícias).


O Museu Regional e o Museu-Casa Camponesa da cidade documentam a vida tradicional de trabalho e festiva de trabalhadores da terra e pescadores do passado e das transformações que gradualmente se processaram com o aumento de visitantes e veranistas.


Como outros museus de terra natal ou - em expressão gaúcha - de „querência“ (Heimatmuseen), o museu regional de Göhren apresenta vestimentas típicas do passado, de trabalho e de domingo e festas, instrumentos musicais e costumes de passagem de datas marcantes da vida, o que permite estudos comparados no sentido convencional. Paralelamente, porém, o museu apresenta exposição histórica na qual estão presentes nomes de grandes personalidades que visitaram a localidade ou ali viveram. Muitos dos nomes e contextos ali lembrados - entre outros Wilhelm e Alexander von Humboldt e Adalbert von Chamisso - documentam o fascínio despertado pela atmosfera marcada pela permanência de modos de vida tradicionais, pela sua simplicidade e pela nova sensibilidade contemplativa e de fruição do ar paisagem, das águas e das praias. Assim, Carl Gustav Carus (1789-1869) deixou registrado que nunca teve uma experiência da vida natural tão bela, pura e solitária como na ilha de Vilm.Compreende-se, assim, que se saliente no museu o significado da região no Romantismo, o que se reflete sobretudo na música. Vários nomes são ali lembrados, entre êles de R. Schumann e J. Brahms.


Uma personalidade feminina merece particular atenção: Henriette Julie Herz (1764-1847). O seu sobrenome de solteira - Lemos - chama a atenção à proveniência sefardo-portuguesa de sua família, fugida em séculos anteriores devido à Inquisição por serem judeus. Henriette (de Lemos) Herz foi organizadora de salões literários em Berlim frequentados por intelectuais e artistas de diversas nações, contribuindo como mediadora ao intercâmbio de idéias. Atuou posteriormente em Göhren como professora.


O significado das relações Cultura/Natureza em Göhren refletem-se nos seus jardins da praia, dela não separados por nenhuma via, com labirintos vegetais e uma das mais notáveis conchas acústicas e auditório ao ar livre do Mar do Leste. Ao lado desse auditório encontra-se um bar/restaurante de praia que remete o visitante a Ipanema dos anos 60 e 70. Não apenas transmite-se constantemente música popular brasileira, mas também as próprias instalações irradiam uma atmosfera nostálgica de bares cariocas tradicionais. A função de sentimentos nostálgicos em balneários marítimos, observadas em outras cidades, por exemplo em Eastbourne (Veja notícia), demonstra aqui também estender-se a outros contextos, em interações de atmosferas. Talvez explique-se assim a continuada vigência da bossa nova e um singular cunho nostálgico na imagem do Brasil.




12.07.2014

Stralsund - a cidade verde à água - o programa Parque de Mecklenburg-Vorpommern como modêlo. No programa Cultura/Natureza da A.B.E., que vem sendo atualizado com estudos localizados em várias cidades européias, em particular da Inglaterra e da Alemanha, realizou-se uma visita a Stralsund, cidade de Mecklenburg-Vorpommern que adquire particular significado nas atuais considerações pelo seu programa do parque do Estado (Landsparkprogramm) e pela sua designação de „cidade verde à água“.


Situada sobre uma colina à beira de lagunas e enseadas, Stralsund foi cidade da Hansa, marcada assim pela vida marítima de um passado de prosperidade possibilitada pelo comércio e da qual são testemunhos muitos edifícios históricos. Por esso motivo, o seu centro antigo foi reconhecido como parte do patrimônio cultural do mundo pela UNESCO. A situação de concorrência com Lübeck manifesta-se na similaridade arquitetônica das suas antigas casas de Conselho.


O patrimônio urbano de jardins históricos, de diferentes épocas, relacionam-se de diferentes modos com a paisagem aquática. O programa do parque do Estado destinado à conservação e recuperação desses parques, protegidos como bens patrimoniais, foi iniciado pelo Ministério do Ambiente de Mecklenburg-Vorpommern alguns anos após a queda do muro de Berlim e do término do regime socialista da Alemanha do Leste.


Em cooperação interdisciplinar, esse projeto tem como objetivo sanar danos ambientais e, por fim, reconstruir os parques históricos segundo critérios patrimoniais, da proteção natural e da configuração urbana. Esse projeto é modelar para toda a Alemanha, sendo apoiado pela Fundação Federal do Ambiente (Deutsche Bundesstiftung Umwelt).


As áreas escolhidas de Stralsund pelo seu caráter de exemplaridade de diferentes situações são sete, entre elas aquelas do fosso com as suas lagunas, o bosque da cidade e o parque à beira d‘água.

O fosso das fortificações, remontando ao século XIII, teve a função de bastião de proteção da cidade. No século XIX, como em muitas cidades européias, as muralhas foram demolidas, dando lugar a uma reconfiguração paisagística segundo plano do diretor dos jardins do Império. A disposição geométrica da área verde, mantida até o começo do século XX, relacionava-se espacialmente com o centro antigo da cidade. Foi, porém, eliminada devido a aterramentos para o dique que possibilitava a ligação de bairros.


Após a Segunda Guerra, com outros aterramentos, agora com entulhos de destruições, com o alargamento do dique e com o surgimento de novas e grandes vias, a configuração histórica determinada nas suas origens pelas fortificações foi totalmente modificada, passando o local a ser simplesmente uma ilha de trânsito, ainda que com um jardim e área de diversões para crianças. Este jardim também foi desfigurado nos anos sessenta e setenta com a criação de uma estação rodoviária e o alargamento de uma das principais vias de tráfego.


Uma outra área consistente do Plano, a do parque costeiro, merece também uma particular atenção. Esse parque surgiu apenas em 1926/27 no contexto da construção de um conjunto de moradias, sendo o seu projeto orientado segundo o movimento de cidades-jardins e do movimento de parques populares. Com os seus espaços ajardinados, áreas para celebrações, jardins com pergola, espaços de brinquedos criavam um contraste coma paisagem circundante e que convidava a passeios. Na Guerra, a pergola foi destruida e o pequeno lago aterrado, dando lugar a uma quadra de esportes. O tratamento não planejado da vegetação e o fechamento de caminhos destruiu o seu caráter original. À época socialista, com a eliminação da arborização das ruas para possibilitar estacionamento de carros nos anos 60, o complexo perdeu definitivamente os seus elos com o plano inicial.

A recuperação, de 1997 até 2005, obedeceu a critérios patrimoniais reconstrutivos segundo planos originais. Trabalhos de saneamento foram feitos de forma equilibrada segundo exigências de proteção ao patrimônio e à natureza.


O Plano de Parque-Paisagem de Mecklenburg-Vorpommern, procurando tratar das sete áreas escolhidas como modêlos de situações determinadas por processos históricos, oferece impulsos a análises comparadas de mecanismos também verificados em outros contextos, também no Brasil.


Em ambos os casos mencionados pode-se reconhecer desenvolvimentos sob muitos aspectos comparáveis com aqueles de cidades brasileiras. Lembrou-se aqui em particular de São Paulo nas transformações por que passou nos séculos XIX e XX. No primeiro caso, a transformação paisagística do vale do Anhangabaú e da várzea do Carmo cortada pela Tamanduateí que rodeavam a colina, e posteriormente pela destruição do Parque Pedro II através de projetos viários e estacionamentos, assim como da desfiguração da Av. do Estado com a canalização do Tamanduateí. No segundo caso, pelo significado dos bairros-jardins na primeira metade do século XX, hoje também em risco de desfiguração.


A vocação marítima de Stralsund como cidade da Hansa e a sua localização entre águas justificam o fato de ali estar situado o Museu Alemão dos Mares, instalado no prédio histórico do antigo Convento de Santa Catarina. O museu possui dependências externas - o
Ozeaneum no porto, o Nautineum e o Natureum. As exposições oferecem subsídios a estudos histórico-culturais comparados entre a vida das cidades portuárias da Hansa e daquelas de outros países, de significado para estudos de contextos globais das viagens dos portugueses e dos Descobrimentos.



11.07.2014

Jornada de Groß Schwansee. Diálogo arquitetônico entre o passado e o presente na construção de paisagens sensível à natureza - piscina/várzea em palácio. Os trabalhos que se desenvolvem atualmente no programa Cultura/Natureza da A.B.E. procuram contribuir ao desenvolvimento de estudos de processos culturais em contextos internacionais orientados ambientalmente (Veja). Aspectos históricos da arquitetura e urbanismo, de parques e jardins, mas sobretudo no sentido mais amplo de uma Construção de Paisagens ou Planejamento de configuração espacial adquirem particular significado, uma vez que dirigem a atenção a fundamentos e características de processos desencadeados no passado e em muitos casos vigentes no presente.


A questão de métodos nesse intento de análise impõe-se, como o demonstra tese de comparação de atmosferas e de sua atuação no homem que vem sendo desenvolvida na faculdade Bauhaus em cooperação com a universidade de Greifswald em Hiddensee e Weimar (Veja notícia anterior).


Os procedimentos não podem ser exclusivamente históricos, mas partem sobretudo do presente, ou seja da percepção, da vivência, da observação empírica. Esta depara-se em geral com configurações complexas, não homogênas do espaço construído, resultados de concepções e desenvolvimentos de diferentes épocas. Neste sentido, o intento de análise referenciada segundo determinados contextos- no caso o Brasil - dirige-se à observação de soluções encontradas na atualidade para o tratamento refletido das relações entre edificações  históricas com construções contemporâneas nos seus elos com o meio ambiente, o que vale em especial para parques e jardins e a natureza envolvente.


O olhar é voltado assim ao diálogo que se depreende das diferentes linguagens expressivas que se relacionam entre si em determinado contexto. O histórico é considerado na sua presença na atualidade, nas suas transformações de sentidos por detrás da conservação patrimonial, o contemporâneo nas suas inserções em processos históricos. Evitam-se, assim, tanto posicionamentos passadistas de reconstruções historistas e artificiais ou tecnicistas-pragmáticos insensíveis a heranças.


Reflexões neste sentido foram encetadas em jornada em Groß Schwansee, um palácio e antigo domínio senhorial no Norte de Mecklenburg, próximo à baía de Lübeck, hoje hotel e centro de convenções e eventos sociais na esfera de irradiação de Hamburgo. Groß Schwansee é hoje procurado por aqueles que desejam fruir a natureza campestre, florestal, a lacustre do grande lago, a das dunas e das praias do Mar do Leste, assim como a história cultural que irradia do palácio e, ao mesmo tempo, a modernidade e o conforto do novo hotel levantado ao lado da área a que se abre o monumento. Este impressiona pelas qualidades estéticas do projeto e suas técnicas avançadas relativamente ao meio ambiente, tais como sustentabilidade e economia energética.


O observador confronta-se aqui com complexas interações de expressões culturais, uma vez que o castelo foi construído no século XVIII e representa concepções e linguagem do Barroco, metamorfoseadas posteriormente sob critérios do Classicismo. Aquele que o lê não pode deixar de considerar a sua situação geográfica e as transformações geopolíticas na história: situado nos limites entre as duas Alemanhas até pouco mais de duas décadas, deixou para trás a sua história recente do período posterior à Segunda Guerra, quando foi utilizado para diversos fins, como abrigo de fugitivos e emigrados ou escola.


A construção é separada do mar por uma faixa florestal, com êle articulada por meio de uma alameda ladeada por grandes árvores, abria-se, porém, na sua frente, a um lago artificial em jardim geométrico e, mais a longe, á paisagem dos campos do interior das terras. O planejamento relacionado com o novo hotel retoma essas relações entre parque e meio envolvente de forma atualizada, o que se manifesta na piscina que se insere na natureza lacustre através de plantas aquáticas e ervas que se adentram pela água, diluindo as suas linhas. Ao mesmo tempo, porém, o edifício não apresenta características de uma arquitetura verde que, muitas vezes retomando
formas e estruturas da biologia, manifestam concepções antes formais e mesmo superficiais de uma arquitetura responsável do ponto de vista ambiental. Essas e outras questões assim tematizadas adquirem significados em referenciações com o Brasil. A complexidade de interações entre diversas concepções e realidades construidas de cidades e de tratamentos ambientais exige a percepção aberta em sensibilidade a diálogos e análises de processos.



09.07.2014

Hiddensee. Comparação de atmosferas paisagistícas e de suas atuações no homem em projetos universitários do Bauhaus de Weimar e da Universidade de Greifswald. A ilha de Hiddensee, no Mar do Leste da região alemã de Mecklenburg-Vorpommern, merece particular consideração no projeto Cultura/Natureza da A.B.E.. Ela traz ao observador brasileiro uma longínqua lembrança de Búzios, uma vez que também a ilha alemã foi marcada pelos intelectuais, músicos e artistas, jovens e fugitivos da vida agitada da sociedade e dos grandes centros e que ali procuravam refúgio e um modo de vida próximo à natureza. Alcançável apenas por barco, sem tráfego de automóveis, a ilha conservou um ambiente idílico com as suas construções tradicionais em meio á vegetação, a campos e praias, sendo visitada hoje por turistas justamente devido a essas qualidades.


Ali viveu e se encontra sepultado Gerhart Hauptmann (1862-1946), um dos grandes nomes da literatura alemã, cuja casa de veraneio, hoje museu, foi à sua época centro de encontros de intelectuais de renome internacional.


No museu local, para além de objetos históricos e materiais da cultura tradicional popular da ilha, considera-se em particular a Liga de Mulheres Artistas de Hiddensee, de significado para estudos do papel exercido pela mulher na história cultural alemã. Uma delas, Henni Lehmann (1862-1937) foi também escritora e destacada musicista, organizadora de saraus lítero-musicais na sua residência. Esse passado musical de Hiddensee é relacionado sonoramente com o Brasil com concerto de Choro que se realiza na Biblioteca da Casa Henni-Lehmann no dia 10 de julho de 2014 pela flautista Kerstin Brokate e pelo violonista Peter Kuhz.


Essa ponte criada de atmosferas sonoras tem a sua correspondência científico-artística em projeto apoiado pela Estação Biológica de Hiddenseen da Universidade de Greifswald e voltado a atmosferas paisagísticas comparadas. Esse projeto constitui um trabalho de doutoramento em Estética da Paisagem na área de Arte e Design da Universidade Bauhaus de Weimar, desenvolvido em cooperação com a Universidade Ernst-Moritz-Arndt de Greifswald.


O trabalho tem como escopo expor diferentes atmosferas, comparando-as na sua atuação no bem-estar do homem. A pesquisadora-artista parte do princípio de que atmosferas paisagísticas tocam, dirigem e podem desviar o homem. Procura assim captar paisagens urbanas e naturais através sobretudo de fotografias, mas também por meio de desenhos, plásticas e textos, inquerindo a partir deles a sua influência no comportamento e no bem-estar humano. Esse projeto nasceu da própria experiência pessoal da doutoranda, uma vez que, nascida em Weimar, descobriu não só um novo universo em Hiddensee, mas „descobriu-se“ também a si própria.


O tratamento de tão complexas sensações e vivências não pode ser exclusivamente científico nos seus métodos, levando ao emprêgo de meios artísticos. Estes possibilitam também a percepção mais sensível de ações intersubjetivas de paisagens no trabalho comparativo. Entre as conferências oferecidas no centro da Estação Biológica de Hiddensee de 2013, tratou-se do tema „Atmosferas em comparação“ nos exemplos de Weimar como cidade dos clássicos e centro da tradição construtiva moderna e Hiddensee, onde cultura e natureza mais de perto se relacionam. Esse projeto Weimar/Hiddensee testemunha assim preocupações teóricas quanto a métodos que veem de encontro aos intuitos de desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental em referenciações com o Brasil relatados em alguns de seus aspectos nas notícias precedentes. (Veja)



08.07.2014

Putbus - a cidade branca do Classicismo da Alemanha nas suas relações com a Inglaterra. O Circus de Putbus e o de Bath. Os estudos in loco desenvolvidos na Inglaterra e na Alemanha no âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. consideraram sob vários aspectos as relações entre a arquitetura e o meio ambiente de cidades balneárias dos dois países (Veja notícias). Como relatado, registrou-se as diferenças entre a arquitetura de cidades como Brighton e Eastbourne, marcada com as suas frontes marítimas e a arquitetura de mansões (villas) de cidades da ilha de Rügen na Alemanha que, como Binz e Sellin, hoje experimentam extraordinário desenvolvimento. (Veja notíciais)


A arquitetura que caracterizam estas últimas „cidades brancas“ remonta a fins do século XIX e início do XX. Um recuo no passado, porém, revela outros aspectos das relações histórico-arquitetônicas entre a Inglaterra e a Alemanha, demonstrando a importância do urbanismo e das concepções de construção de paisagens inglesas. Neste sentido, a cidade de Putbus adquire particular significado como o mais antigo balneário de mar da Pomerânia.


Fundada em 1810 pelo príncipe Wilhelm Malte I como residência, é um exemplo de cidade planejada e construída, tendo conservado a sua fisionomia, seus edifícios e seus parques, merecendo uma atenção especial em estudos de urbanismo e de paisagismo de orientação cultural.


Em 1816, estabeleceu-se o primeiro balneário da região em Lauterbach, um feito com o qual o príncipe procurava criar um paralelo àqueles de Bad Doberan e Heiligendamm. Do ponto de vista arquitetônico e urbanístico, porém, o modêlo foi sobretudo o inglês, em particular o de Bath. Essa influência evidencia-se sobretudo no „Circus“, a grande praça em círculo que constitui o plano urbano e de cujo centro, marcado por um obelisco no centro do parque, partem as alamedas radiais que levam à via que o circunda.


Dos edifícios que se alinham em círculo, destaca-se o do Paedagogium, uma das principais instituições de ensino do Norte da Alemanha no passado. O significado da música e das artes na vida da residência evidencia-se no teatro construído entre 1819 e 1821, significativo exemplo de arquitetura teatral de sua época, ainda hoje centro do festival de música que torna Putbus conhecido internacionalmente como centro musical.


Concomitantemente a essa atenção ao ensino e à erudição, sobressai-se aquele ao paisagismo, aqui evidenciando-se também a influência britânica. O parque do palácio, inicialmente em estilo francês, foi transformado segundo o estilo dos parques-paisagens inglesas. Assim como na Inglaterra, procurou-se criar relações entre o parque com a paisagem circundante, possibilitando vistas das terras marcadas pelas águas dos Bodden.


Similarmente aos modêlos inglêses, procurou-se introduzir plantas exóticas, criando-se uma Orangeria para a aclimatação de espécies em 1824. Esse interesse pelo exótico levou também à construção de uma casa de macados entre 1830 e 1835.


A cidade de Putbus com o seu parque oferece possibilidades ideais para estudos das relações entre o Classicismo e o Romantismo que se manifesta no seu parque, ambos denotando influências inglesas.


A consideração de Putbus não deixa de ser elucidativa de processos que também são de significado para o Brasil. Abrem-se aqui, por exemplo, perspectivas para outras possibilidades de análises da reforma do centro de São Paulo na segunda metade do século XIX, quando ao redor do palácio do presidente da província no atual Pateo do Colégio levantaram-se edifícios de conotação neoclássica/neorenascentista, tendo por detrás as várzeas do Carmo com a romântica Ilha dos Amores e onde se implantaria posteriormente o Parque D. Pedro II. Se dois dos edifícios sobreviveram como retalhos do passado, o conjunto global da fisionomia da época e mesmo de concepções já não é perceptível, uma vez que o parque, um dos mais significativos exemplos de paisagismo da capital paulista do passado, hoje infelizmente encontra-se destruído.



07.07.2014

Granitz. Dimensões culturais do conceito de reserva de bioesfera - sereias no Brasil e no „mar preto“ do Norte da Alemanha. A floresta de Granitz no Norte da Alemanha, entre Sellin e Binz, é conhecida sobretudo pelo seu castelo, uma obra de destaque na história da arquitetura européia, construído a partir de 1837. Esse significado é devido sobretudo à sua torre central, possuidora de uma longa e alta escada em espiral de ferro, única no gênero, uma criação de K. F. Schinkel (1781-1841), principal arquiteto do Classicismo na Prússia. Do alto dessa torre, avista-se um amplo panorama da ilha de Rügen e da terra firme, trazendo à consciência do observador o estreito relacionamento entre arquitetura, a vida social e cultural que se desenvolveu no castelo e que é considerada no museu ali instalado, a floresta de faias envolvente, os alagadiços, as terras de cultivo, os povoados com casario tradicional, os balneários com construções características de fins do século XIX, o mar e o grande lago negro.


O significado das tradições orais da região é explicado pelo mistério que envolve as suas florestas, até o século XIX pouco penetradas, o que se manifesta sobretudo na crença em anões, seres das profundidade da terra e caçadores selvagens, e que lembram estórias e mitos similares do Brasil. O pesquisador brasileiro surpreende-se sobretudo em constatar que no passado conhecia-se aqui a imagem da sereia com similares características daquela de Portugal e do Brasil. Essas fascinantes mulheres com corpo inferior de peixes subiam das águas do mar preto e atraiam homens e jovens que se encontravam nas costas, levando-os para o fundo do mar; por esta razão, evitava-se andar sem acompanhamento pela costa nos dias ensolarados de verão. Também aqui conheciam-se sereias de águas doce e aquelas de água salgada.


Em exposição na antiga casa da guarda à entrada da área do castelo, esse relacionamento entre as diversas áreas culturais - da arquitetura, das artes, das tradições populares - é considerado em função do conceito de reserva de bioesfera. Se até 1846 as pouco penetradas florestas foram usadas apenas como área de caça, sendo posteriormente transformada em floresta de altas árvores para fins de uso da madeira, o território é desde 1990 área de proteção natural, incluindo as florestas, os pântanos e várzeas. Há uma parte onde não há uso econômico, outra na qual ocorre um uso sustentável da floresta.


No museu, salienta-se que as reservas de bioesfera servem à proteção de paisagens de longo cultivo, nas quais manteve-se uma diversidade de espécies vegetais e animais. Ao mesmo tempo, são regiões-modêlo de desenvolvimento sustentável.  O uso tradicional da terra e a introdução de novas tecnologias são relacionados entre si, de modo a apontar caminhos de uso econômico tolerável para o ambiente a serviço de um futuro de vida digna. Essas reservas são locais de formação e aprendizado.


Os principais objetivos das reservas de bioesfera são 1) a proteção do espaço natural e da diversidade biológica; 2) a ação econômica sustentável e 3) a formação para um desenvolvimento sustentável, pesquisa e monitoração. Essas tarefas possuem dimensões de imediato significado cultural. Assim, sob o primeiro ponto, prevê-se o desenvolvimento e a conservação de diversas paisagens culturais, sob o segundo ponto, inclui-se o desenvolvimento de um turismo adequado sob o ponto de vista ambiental e social e, sob terceiro ponto, o fomento de competência para a configuração do próprio meio de vida, assim como o trabalho de publicidade, de fornecimento de informação e de ensino; de particular significado surge aqui a promoção de pesquisa interdisciplinar na área ecológica, social e econômica, a pesquisa de ecosistemas e a observação ecológica do meio ambiente.


Essa reserva de bioesfera da Pomerânea é entendida como espaço de cultural tradicional, de trabalho e de vida, mas também fundamento de muitas áreas da economia. Em particular para o turismo, as paisagens naturais e de cultivo representam o mais importante potencial da economia e do desenvolvimento dessa região. As expectativas da população devem vir de encontro aos intuitos de preservação dessa paisagen natural e cultivada como condição para a concretização sustentável de cultura e natureza. A reserva de bioesfera deve ser uma „terra natal viva“ para os habitantes e para os turistas, intensificando vínculos com a região, na consciência que a identidade e a consciência regionais são os motores para um empenho conjunto pela região. Assim, no museu, as cidades da região são consideradas no seu desenvolvimento histórico e nas relações com o meio natural. No caso de Sellin (Veja Notícia), considera-se a transformação de uma aldeia de pescadores a balneário marítimo de alta categoria.


Particular atenção merece a concepção do caráter modelar para as reservas de biosfera. Os conhecimentos ganhos de um modêlo de micro-espaço podem ser aplicados em regiões comparáveis em todo mundo, o que dá sentido à consideração da experiência ganha em Granitz sob a perspectiva do Brasil. As reservas de bioesfera representam também paisagens típicas, por ex. costas, rios e paisagens de lagos e mares, florestas e campos ou paisagens de montanhas. Concomitantemente, fazem-se tentativas de soluções exemplares para problemas sociais, por ex. para problemas de transformações estruturais nas relações rural/urbano ou processos de transformações demográficas.



06.07.2014

WWF divulga boas notícias quanto à proteção de florestas no Brasil. Na edição 3 do seu Magazine do corrente ano, o WWF da Alemanha  informa que o Govêrno brasileiro decidiu em fins de maio de 2014 declarar grande parte da floresta amazônica como área protegida. O programa ARPA (Amazon Region Protected Area) está assim assegurado, politico e financeiramente, o que representa um bem para a Natureza da região e para o clima global. Além do mais, o Govêrno renuncia pelo momento à construção de estrada através do Parque Nacional do Iguaçú. Com isso, o WWF vê como sucesso os planos e iniciativas anteriormente anunciados relativos ao patrimônio florestal e biológico ameaçado do Brasil (Veja Notícia de 17.02.2014)



05.07.2014

Pontes de embarcação e a cultura popular em praias da Inglaterra. A ponte de Sellin e seu jardim de palmeiras - a mais representativa da Alemanha. Visitantes brasileiros surpreendem-se em encontrar em algumas das mais tradicionais e procuradas praias da Europa grandes e antigas construções, em geral de madeira, que, sobre estacas, levantam-se à frente de longas plataformas de embarcadouros ou mesmo sobre elas se estendem mar a dentro.


Essas construções, nessa forma não conhecidas no Brasil, marcam a fisionomia de várias cidades. Fazem parte tanto do patrimônio construído dos balneários como de sua história, sendo que estes não podem ser concebidos sem o seu pier ou sua Seebrücke. Diferentes são as formas de construção e estilos, em geral, porém, remontam a fins do século XIX e início do XX. Frequentemente possuem estruturas de madeira similares àqueles de varandas de hotéis da assim-chamada „arquitetura de balneários“ e que no Brasil é mais conhecida em certos exemplos de chalés indiferenciadamente designados como de estilo normando.


Esses caminhos mar a dentro representam uma espécie de terraço ou varanda, da qual a fisionomia da cidade pode ser contemplada do mar. A função original de ancoradouro para navios e barcos que não podiam chegar à terra por falta de calado em época de estradas deficientes já não é em geral mais a principal dessas construções.


Permanece, porém, em muitos casos um uso desses embarcadouros para fins terapêuticos ou de simples prazer em tomar ar marítimo, em particular em balneários que são qualificados também como estâncias de ar pela sua localização geográfica e pela vegetação que as rodeiam. Esse uso pode ser constatado em vários balneários tradicionais, como o de Sopot, próximo de Danzig (Veja).


Essa prática traz também à consciência que passeios à beira-mar e no mar através desses pontões antecederam os próprios banhos de mar e o uso das praias pelos veranistas de círculos mais aristocráticos. Sob o ponto de vista histórico, dirigem assim a atenção ao início do desenvolvimento dessas cidades como locais procurados para repouso, recuperação e recreação.


Esse uso modificou-se com as mudanças de costumes e a popularização de banhos de mar e o lazer nas praias, um desenvolvimento acompanhado também por mudanças sociais quanto aos frequentadores. Se em vários casos essas edificações de madeira cairam em decadência e, após frequentes incêndios, não foram mais reconstruídas, em outros, porém, conseguiram manter-se, mudando de função e transformando-se em centros de diversões mais populares.


Esse é o caso dos grandes piers que marcam a fisionomia de Brighton e de Eastbourne no litoral sul da Inglaterra com quiosques, casas de jogo, bares e discotecas. Essas construções tornam-se assim centro de áreas populares na praia circundante, procuradas por pessoas de camadas mais simples da população, jovens e imigrantes. Nessas pontes e nos espaços circunvizinhos pode-se encontrar com frequência brasileiros. Nelas concentram-se também comércio popular, bares e sorveterias, assim como parques com carrosséis, balanços ou rodas-gigante.


Os piers possibilitam, assim, a concentração de atividades recreativas populares em determinada área da praia; essa situação evita a desfiguração maior de de frontes marítimas através de casas comerciais e traz a população de menores posses e jovens ao centro da vida urbana, uma vez que se situam em geral em áreas centrais e nobres. Podem, assim, ser objeto de análises de processos culturais urbanos e fornecer impulsos para regiões onde houve outro tipo de desenvolvimento, como no Brasil.


Na Alemanha, constatam-se casos de uso tradicional dos estrados de cais e seus bancos para fins de respiração de ar marítimo e de contemplação da fisionomia da orla em balneários de alta categoria, sem comercialização, como em Usedom. Principal exemplo da revitalização dessas „pontes de mar“ é o de Sellin, também um balneário do mar do Leste, situado na ilha de Rügen. Sendo a cidade localizada em subida a um plateau que se abre abruptamente em barrancos ao mar, a construção do cais centraliza todas as atenções vista dos altos, constituindo ela própria o principal atrativo da cidade.


É o foco de todo o traçado urbano, objetivo da Alameda Guilherme, via significativa do ponto de vista histórico-arquitetônico pelas suas mansões de estilo típico da arquitetura de balneários. Situando-se ca. de 30 metros abaixo do ponto mais alto dessa alameda, é dela alcançada por meio de um elevador e escadarias. Esse edifício de grandes dimensões foi inaugurado em 1998, tendo sido reconstruído segundo modelos de outros edifícios anteriores de 1906 e 1925. Tendo ca. 400 metros de comprimento, é a maior ponte de mar dessa ilha e a mais representativa da Alemanha.


Sellin oferece assim um exemplo de outras possibilidades de urbanização de praias, o da focalização num ponto, o que impede o desperdício desfigurador horizontal da paisagem. A fascinação que irradia dessa ponte de mar reflete-se no fato edifício ter-se transformado com os seus restaurantes, com o pavilhão imperial e o seu jardim de palmeiras  em local preferido de casamentos, em particular de casais de Berlim.



04.07.2014

Cidades praianas brancas e de luz na Europa. Eastbourne: The Sunshine Coast da Inglaterra - nostalgia de vida aristocrática e imigrantes. Como relatado em notícias anteriores, realizaram-se nos meses de maio e junho observações em cidades marítimas do Sul da Inglaterra e do Norte da Alemanha no âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E.. Atenção especial foi dedicada a cidades que são decantadas pela sua luminosidade decorrente de encostas brancas de calcáreo ou giz e pelo branco de sua arquitetura.


Um cotejo de cidades da ilha de Rügen, em particular Binz, e do litoral inglês de Kent e Sussex, em particular Eastbourne, chama a atenção não apenas a similaridades como também a diferenças no concernente à arquitetura nas suas relações com a natureza envolvente e na configuração de suas praias. Diferentemente de Binz, cuja „Bäderarquitektur“, que remonta a fins do século XIX e início do XX é constituida principalmente por mansões (Veja notícia anterior), Eastbourne possui uma fisionomia arquitetônica, caracterizada por uma fronte de edifícios à beira-mar. Se em Binz os bosques envolventes chegam até à praia, em Eastbourne a linha de edifícios é dela separada por uma via e por jardins. Pode-se, assim, tecer comparações no tratamento paisagístico das praias com cidades brasileiras, por exemplo com Santos.


A cidade desenvolveu-se da aglomeração de localidades menores, processo favorecido pela chegada da ferrovia no século XIX. Eastbourne tornou-se desde então balneário marítimo de alta categoria, procurado por ingleses de mais posses, um balneário para „Gentlemen“. Esse desenvolvimento foi determinado por aristocratas que ali possuiam grandes propriedades. Explica-se, assim, a alta qualidade das edificações, a unidade na fisionomia urbana e o cunho aristocrático que a cidade mantém apesar de ter-se transformado em grande centro.


Na Segunda Guerra Mundial, o seu patrimônio arquitetônico sofreu sérias perdas com bombardeamentos. A discussão causada pela demolição de edifícios históricos e a implantação de novos bairros foi conduzida com particular intensidade nas últimas décadas, de modo que Eastbourne adquire especial significado como exemplo de resistência perante defigurações do patrimônio arquitetônico de orlas de praia através da especulação imobiliária, do aumento populacional e da industrialização.


As características e a imagem de Eastbourne como balneário de alta categoria mantém-se sobretudo devido à conservação da sua fachada de edifícios em estilo vitoriano, fato explicável sobretudo pela não-permissão por parte de influentes proprietários de abertura de casas comerciais nos antigos hotéis. Com isso impediu-se a demolição de paredes para vitrines e lojas nos edifícios históricos, assim como de poluição visual através de reclames. Esse procedimento  evita, assim, que na orla de Eastbourne aconteça o que se constatou em anos recentes em tradicional hotel da praia do Gonzaga em Santos. O comércio é banido ao pontão ou ancoradouro e ao passeio inferior, junto à praia de cascalho. A cidade é marcada por vários parques, sendo a via beira-mar separada da praia por jardins no passeio superior. Estes são conformados geometricamente, denotando antes permanência conservadora de concepções francesas de jardinagem,


Hoje, permitem-se feiras provisórias no passeio superior, sendo as barracas mantidas sobretudo por imigrantes, também brasileiros, o que confere cosmopolitismo a Eastbourne.


Essa abertura ao mundo, caracterizada pelo comércio de artigos e alimentos exóticos, relaciona-se assim de forma complexa com o aristocratismo da arquitetura e o conservativismo de jardins. A nostalgia  passa hoje a constituir fator de valorização cultural de Eastbourne. Como noticiado, a cidade destaca-se como centro cultural pelo seu coreto, hoje instituição que se dedica sobretudo a „tributos“ (Veja notícia).



03.07.2014

Binz. A Bäderarchitektur em praias como patrimônio perdido no Brasil e revalorizado na Europa. As reflexões relativas à arquitetura de orientação ambiental não se limitam à consideração de novas soluções quanto à economia energética, à sustentabilidade ou ao desenvolvimento de uma linguagem configurativa baseada na Zoologia ou na Botânica, como considerada em publicações e em centros de estudos, aqui se destacando Londres.


Do ponto de vista dos estudos culturais, surge como particularmente relevante dirigir a atenção a contextos mais amplos na configuração de regiões e cidades, a um urbanismo e planejamento conduzidos segundo a perspectiva das relações Cultura/Natureza. Esse  direcionamento das atenções leva a uma revalorização atualizada da Arquitetura Paisagística ou Construção de Paisagens (Landschaftsbau).


Nesses intentos voltados a desenvolvimentos futuros não pode faltar a análise do patrimônio edificado no passado sob a perspectiva das relações e interações do construído com o meio ambiente. A observação de desenvolvimentos atuais relativos à conservação patrimonial nessa orientação pode fornecer impulsos e fundamentar desenvolvimentos em outros contextos.


Um fenômeno que pode ser constatado na Europa da atualidade é a revalorização de edifícios e de conjuntos urbanos representativos de épocas de apogeu de cidades balneárias dos séculos XIX e XX e que surgem hoje como elementos valorizadores de regiões. Esse desenvolvimento pode ser constatado tanto em estâncias do interior de terras como naquelas de praias marítimas. Essas últimas adquirem particular interesse, uma vez que a destruição do meio ambiente, do patrimônio construído, de valores históricos e culturais de orlas marítimas surge como um dos mais evidentes problemas na organização e uso responsáveis do espaço em muitos países.


Duas regiões foram aqui recentemente consideradas em cotejos quanto à história e características do patrimônio e desenvolvimentos atuais: aquela das cidades de praias do Sul da Inglaterra e do Norte da Alemanha, principais regiões de veraneio marítimo dos respectivos países e em ambos os casos „cidades brancas“: no material e na pintura de seus edifícios e na luz de suas encostas de calcáreo ou giz.


Na Alemanha, pode-se distinguir as regiões de praias do Mar do Norte e do Mar do Leste. Sobretudo estas últimas merecem particular atenção, pois evidenciam no presente extraordinário desenvolvimento, explicável pelas novas condições criadas desde a união das duas partes do país e um reorientação política e sócio-cultural cujo centro é Berlim.


Várias cidades das costas de Mecklenburg e da Pomerânea - salientando-se aqui a ilha de Rügen - tiveram a sorte de não terem experimentado os resultados de especulação imobiliária de situações liberais-capitalistas e grandes projetos urbanos do regime socialista da antiga República Democrática Alemã. Com isso, conservou-se grande parte das construções de fins do século XIX e início do XX, assim como  as características de uma urbanização de praias que não conhece vias à beira-mar, possibilitando que a vegetação costeira de bosques alcancem as praias, integrando-se em parques e jardins. Assim, trata-se de região marcada tanto pelas praias como pelas suas reservas naturais e parques.


As construções do passado, em geral em forma de mansões que alcançaram o presente - ainda que em péssimo estado de conservação -, passaram a ser recuperadas no contexto do novo desenvolvimento econômico e social, formando hoje um conjunto marcado por congruência e que constitui um dos motivos da valorização das localidades, estabelecendo pontes entre o distante passado aristocrático e o presente de grupos sociais em ascensão ou de terceira idade de maior poder aquisitivo.


Essa arquitetura balneária, apesar das diferentes influências estilísticas que evidenciam, caracterizam-se pelo uso da madeira e pela adequabilidade quanto a arejamento e luminosidade de espaços abertos com os seus balcões e varandas, elementos que possibilitam uma unidade na diversidade e que são considerados em novos projetos. Assim, construções e mesmo conjuntos urbanos recentes procuram respeitar essa linguagem visual, recapitulando-a (como em Sassnitz) ou, de forma mais sensível, com ela estabelecendo diálogos.


Uma das principais localidades de Rügen é o balneário de Binz, que combina as qualidades de balneário marítimo com o de estância termal e centro de reserva natural. Em exposições sobre a arquitetura nas suas relações com a história cultural - presentes de forma permanente nos passeios à beira-mar - a vida praiana ganha em profundidade histórica, trazendo à consciência dos veranistas as dimensões culturais dessa fruição da Natureza. A percepção do presente é aguçada com o conhecimento de situações passadas e sua inserção em processos histórico-culturais e político-econômicos.


O observador brasileiro, ao constatar esse desenvolvimento, lembra-se que muitas cidades brasileiras também possuíram considerável patrimônio em suas edificações à beira-mar, em geral de alta qualidade construtiva e que marcavam a fisionomia urbana. Os relatos de visitantes europeus oferecem descrições desse passado em grande parte desaparecido, do fascínio que essas cidades despertavam justamente pelas interações entre essa arquitetura e o meio ambiente. Grande parte da imagem positiva que o Brasil ainda hoje desperta no Exterior pode ser vista como um reflexo desses relatos entusiásticos de passado arquitetônico hoje demolido e desqualificado.




02.07.2014

Construção de paisagens, abertura ao mundo e imaginação do outro - o Royal Pavilion de Brighton - revendo o Exotismo. No âmbito do programa de estudos Cultura/Natureza da A.B.E. tem-se considerado sob diversos aspectos o significado cultural da transplantação de vegetais entre os continentes intensificada desde a época dos Descobrimentos e que marcou a paisagem, os hábitos alimentares e mesmo a imagem de muitos países, entre êles o Brasil.


Empreendimentos voltados à aclimatizações desempenharam importante papel na história das relações entre países europeus e extra-europeus. O próprio termo foi utilizado nos estudos coloniais no passado (Veja). Os jardins botânicos foram há séculos centros de estudos e do conhecimento de outras regiões e suas paisagens, tornando-se intermediários na difusão de espécies como em Mauritius (Veja) e êles próprios de importância paisagística e cararacterização de cidades, como o do Rio de Janeiro (Veja). O estudo cultural da Botânica ou da Botânica na história cultural indica nesses complexos caminhos de transplantes um interesse por mundos distantes que exigia conhecimentos e experiências. Cidades portuárias foram aqui principais portões de abertura para o mundo, o que se manifestou também em parques, jardins e construções.


Um edifício-chave para a análise dessas relações entre a arquitetura, a construção de paisagens, a Botânica e o olhar voltado para o distante é o Royal Pavilion de Brighton, principal monumento histórico e atração cultural dessa cidade balneária do Sul da Inglaterra. Foi construído pelo príncipe Georg IV (1762-1830), que pelas características singulares de sua personalidade adquire particular interesse nos estudos culturais. O seu projeto foi de John Nash (1752-1835), arquiteto que marcou a história da arquitetura britânica e que trabalhou em estreito relacionamento com o arquiteto paisagista e botânico Humphry Repton (1752-1818), continuador do paisagista Capability Brown (1716-1783). (Veja notícia de 22.06)


O Royal Pavilion é considerado em geral como a principal expressão do Exotismo na arquitetura ou como o palácio mais exótico da Europa. Essa qualificação justifica-se pelo fato de ser o palácio, no exterior, inspirado na arquitetura da Índia, ou mais particularmente na tradição mogul de palácios e, no interior, pela cultura chinesa. Tanto a configuração externa como a decoração interna indicam que esses elos com culturas distantes eram antes expressões de imagens, de recepção cultural, não necessariamente correspondendo à realidade arquitetônica e artística desses países.


Um de seus mais magnificentes espaços, o salão de refeições, tem a sua encenação visual marcada por uma profusão de dragões e figuras fantásticas, transmitindo as suas colunas em forma de altas palmeiras antes a sensação de um meio ambiente tropical. A essa sensação tropical contribuem também as imitações de bambús nas escadas e na mobília. Na consciência porém dos transplantes de vegetais que marcaram a imagem de países tropicais, o observador percebe a dificuldade de distinções no complexo de interações que se manifesta na linguagem visual da arquitetura.


A flor de lotus dos capitéis de colunas e em outros elementos da construção antecede o papel que posteriormente seria ocupado pela vitória régia (Veja notícia de 27.06). O Royal Pavilion traz à luz a insuficiência de um tratamento por demais indiferenciado e de conotações negativas do Exotismo do século XIX. Assim como o conceito de Ecletismo, também aqui revela-se uma desqualificação estética que justificou demolições e substanciais perdas patrimoniais. Também o Brasil perdeu grande parte dos seus edifícios que manifestavam esse interesse pelo outro e do qual a arquitetura foi apenas uma das expressões. Também na música pode-se constatar os problemas derivados de uma apreciação crítico-negativa do assim-chamado Exotismo, bastando aqui lembrar-se de Il Guarany de A. Carlos Gomes. Impõe-se, assim, uma revisão de perspectivas.



01.07..2014

Cultura/Natureza e Música: Música nas praias do Brasil e da Europa - O Eastbourne Bandstand. O Dia da Arquitetura celebrado no Parque do Lago em Zülpich documentou o papel que desempenha a música nesse projeto de reconstrução paisagística com a sua praia artificial (Veja notícias). Em concha acústica construída sobre a água, ali apresentou-se durante a visita promovida pela A.B.E. um concerto do Big Band do Exército alemão.


Essa audição veio de encontro aos estudos que vem sendo desenvolvidos sobre a vida músico-cultural em balneários da Europa e do Brasil. A música desempenhou importante papel na vida dessas cidades que, sendo procuradas por intelectuais, artistas e políticos de diferentes países, foram centros cosmopolitas de contatos e intercâmbios, deles surgindo impulsos que influenciaram desenvolvimentos culturais, em particular no âmbito da música militar, de salão e popular. (Veja)


O interesse pela música em cidades balneárias manifesta-se agora também em publicações musicológicas alemãs, como documenta recente estudo a respeito no órgão da Sociedade Alemã de Pesquisa Musical.


O Brasil possui muitos coretos em cidades balneárias que constituem considerável patrimônio e documentos de épocas da história cultural como aqueles de Caxambu e outras cidades mineiras. Em observações em vários países procurou-se considerar esse tipo de arquitetura em diferentes contextos, assim como seus elos com modêlos e técnicas de construção da Europa, em particular da Grã-Bretanha (Veja). Esses estudos, de significado sobretudo para o estudo de bandas de música civís e militares em função civil, foram até hoje realizados sobretudo em jardins urbanos, em cidades do interior e, entre estas, aquelas de águas de fontes e termais. Pouco se tem considerado a função da música na história cultural de balneários marítimos e o seu significado nos estudos músico-culturais em geral, em particular na música ligeira e popular. Sendo que a prática de banhos de mar difundiu-se posteriormente àquele das águas de
fontes e termas, o desenvolvimento da vida cultura em balneários marítimos é relativamente recente.


Diferentemente dos coretos em cidades do interior e naquelas de estações termais, aqueles de praias, assim como conchas acústicas e palcos pouco têm sido considerados sob o ponto de vista arquitetônico-paisagístico e cultural. Não se trata aqui de coretos de bandas de música em jardins de cidades litorâneas em geral, mas daqueles estreitamente ligados com a vida de balneários. O significado da música em praias, hoteis e parques à beira-mair no Brasil foi considerado pela primeira vez por músico e pesquisador brasileiro no exemplo do antigo Hotel Balneário de Santos em seminário dedicado à Música e Urbanística realizado na Universidade de Bonn em 2003. 


Um exemplo excepcional dessas construções é o Eastbourne Bandstand da cidade de Eastbourne no litoral de East Sussex no sul da Inglaterra. É  único no gênero, nas suas dimensões e significado - não apenas na Grã-Bretanha. Construido em 1935, em projeto do Engenheiro Leslie Rosevere, não é de madeira ou metal como os coretos mais antigos da Grã-Bretanha e das colonias inglesas, mas de alvenaria revestida de azulejos, em estilo „neo-grego“, constituindo um amplo auditório aberto à beira-mar, protegido dos ventos por ser rebaixado relativamente ao plano dos jardins da praia, dando lugar originalmente a 3500 espectadores.


O Eastbourne Bandstand foi durante décadas palco de apresentações de bandas militares e civis. Com a queda do interesse do público pela música de banda, passou-se a utilizar o coreto para grupos vários, desenvolvendo-se um novo plano de apresentações, incluindo grupos de música popular e de dança mais recentes e integrando-o em eventos mais abrangentes como a "noite de fogos de artifício 1812". Desde 2006 criou-se a série de concertos de tributo, nos quais se homenageia conjuntos e artistas famosos, o que deu origem a um novo florescimento do Eastbourne Bandstand. A expressão não designa hoje apenas o coreto de Eastbourne, mas sim uma instituição musical, um projeto cujo programa inclui ca. de 150 concertos por ano. O programa do corrente ano inclui temas como The Big Band Sound, Electric Strings, Military Wives Choirs, An Evening with Tom Fitzpatrick, An Evening of James Bond, Electric Proms Storm, Tribute Shows (Abba, Beatles, Queen, etc.) e uma celebração da série de televisão Downton Abbey, com música da era de Downton. A concepção de tributos e celebrações vem de encontro à nostalgia despertada pela construção.









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Direção geral: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia, Alemanha



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